terça-feira, 9 de maio de 2006

Macacadas…


Ao longo dos últimos anos o avolumar de conhecimentos sobre o fenómeno HIV/Sida tem vindo a acentuar-se. No entanto, a luta iniciada há mais de duas décadas não tem tido o desejado sucesso - contenção e redução - a não ser em casos pontuais.
Algumas notas a este propósito poderão dar um contributo para ajudar a “explicar” o fenómeno. A de natureza técnica informa-nos que os macacos do “Velho Mundo”, macacos rhesus e macacos verdes africanos, não são afectados pelo vírus. Apesar das semelhanças biológicas, em termos de defesa imunológica, os macacos possuem uma proteína que impede a replicação dos vírus, desde que estes sejam modificados por uma outra que, ao alterar a forma, retira-lhe a possibilidade de provocar a infecção. Esta proteína também existe nos seres humanos e também modifica a forma dos vírus, só que a alteração provocada favorece a replicação. A mesma proteína origina duas modificações diferentes, tornando os vírus não susceptíveis à replicação nos macacos e com capacidade infectante nos seres humanos. Mas por que é que isto acontece? Em termos evolutivos, os macacos adquiriram mecanismos de protecção. Quando os seres humanos se “meteram” com a macacada, utilizando-os como fonte de alimentos, acabaram por permitir o salto da barreira das espécies. Tudo seria diferente se o nível de pobreza, verificado naquela parte do mundo, não tivesse descido tão baixo, obrigando os seres humanos a recorrerem a outros tipos de alimentos.
África, o continente mais atacado, tem sido alvo de campanhas e ajudas internacionais para ajudar a combater este flagelo. Os E.U.A., sob o alto patrocínio do presidente Bush, criaram o PEPFAR (President´s Emergency Plan for AIDS Relief) com uma dotação de 15.000 milhões de dólares.
O programa tem como objectivo fornecer anti-retrovirais a 2 milhões de pessoas, prevenir 7 milhões de novos casos de HIV e providenciar cuidados a 10 milhões de afectados. Neste momento, 500.000 seropositivos vivem decentemente e 3 milhões já estão a receber ajuda. Há, no entanto, um senão. Dos 7 milhões de novos casos a prevenir, apenas se conseguiram evitar 47.000, a maioria como resultado da não transmissão mãe-filho.
É provável que os objectivos para 2010 não sejam alcançados, apesar de todos os esforços financeiros e filantrópicos subjacentes a estas campanhas, tudo, porque a política de intervenção está a cargo de grupos evangélicos que, não obstante a sua integridade e esforço, dão prioridade, quase que exclusivamente, à abstinência e fidelidade conjugal. De acordo com a agência governamental que vigia o processo, por cada dólar dispendido em preservativos são dispendidos dois na abstinência e fidelidade. No Uganda, as autoridades de saúde locais afirmam que o sucesso verificado tem tanto a ver com os preservativos como o “zero-grazing”, mas não deixam de realçar que as reservas evangélicas ao uso de preservativos pode comprometer o sucesso da campanha.
A pobreza extrema, que grassa nesta parte do globo, empurra as populações para o consumo de diferentes tipos de animais, propiciando a sua contaminação e favorecendo a transposição da barreira das espécies. Já aconteceu para o HIV, mas irá acontecer para outras situações. Além do mais, a pobreza gera prostituição e, deste modo, estão criadas as condições para a propagação de doenças.
A pobreza gera doença e os ricos acabam, mais tarde ou mais cedo, por pagá-la, quer directa quer indirectamente. Melhor seria que tomassem, atempadamente, medidas de combate à génese da pobreza, até, porque, muito provavelmente, muitas outras doenças estão na calha para fazerem a sua entrada “triunfante” no mundo dos mais ricos. É uma questão de tempo!

3 comentários:

  1. Eu não sei porquê sinto-me, sempre, atraído por títulos destes.

    Mas tirando isso, há tanta coisa escrita sobre este assunto e tudo parece continuar na mesma. Bom... na mesma não. Parece que está sempre a piorar.

    Contudo, vendo as coisas por outra perspectiva, esta "guerra" só dura há duas décadas. Quantos séculos durou o "combate" à peste negra?

    Eu tenho cá para mim, que não existe nada mais democrático que as doenças (se não contarmos com a morte que é absolutamente democrática). Não escolhem raças nem credos, são transversais à escala global e são adeptas da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. O acesso que cada um tem aos meios de tratamento é que varia, mas em si mesmas as doenças são, extremamente, democráticas e por muito estúpido que seja, são igualmente necessárias. Agem como um mecanismo regulador, sempre que se erradica uma logo há-de aparecer outra pior (no sentido em que é nova e por isso sabe-se menos), para continuar o serviço deixado a meio pela anterior.

    Enfim, suponho que é natural. Mas isto não significa que não se devam combater, afinal deve haver algum motivo pelo qual evoluímos.

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  2. As doenças não são democráticas, senão vejamos: em primeiro lugar dependem da constituição biológica de cada um. Herdámos genes que nos podem dar tanto a resistência como favorecer o aparecimento de doenças. Não digo que haja uma aristocracia genética, mas há sem sombra de dúvida uma “hierarquia genética” que, de acordo com o momento, pode possibilitar a um ser humano ter mais ou menos vantagem. Exemplo: as pessoas com predisposição genética para a obesidade correm mais risco nos dias de hoje, mas em caso de catástrofe alimentar adquirem vantagens de sobrevivência notáveis face aos “normais” que desaparecem num ápice! Em segundo lugar, o ambiente, e quando falo de ambiente, falo de todos os tipos, inclusive o cultural e económico. As patologias variam de acordo com as diferentes condições ambientais, nomeadamente, as resultantes das citadas. Em terceiro lugar, os comportamentos e estilos de vida são determinantes para a maior ou menor prevalência das doenças e, por fim, em quarto lugar, a organização dos cuidados de saúde que podem estar mais desenvolvidos ou menos desenvolvidos, e aos quais é dada, praticamente, toda a atenção e dinheiro.
    O ambiente e o comportamento são responsáveis por cerca de 80% das patologias.
    O meu amigo Anthrax tem razão, ao falar da “patodemocracia”, se cingir este conceito a certos agentes microbiológicos. Estes sim, são democratas, mas em termos de patologia, na grande maioria dos casos, o ambiente e o comportamento fazem toda a diferença o que permite afirmar que a democracia, na área da patologia, ainda não estabeleceu arraiais e nem para lá caminha…

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  3. Puxa Prof. isso é mesmo para acabar com as ideias "românticas" de uma pessoa! É que não há nem um espacinho para meter um ideal qualquer, mesmo que seja pequenininho.

    De qualquer forma, o que vale é que a democracia também não é para quem quer. É para quem pode. :)

    Tirando isso, a explicação tem toda a lógica e eu não tinha pensado nos aspectos que refere, mas fazem todo o sentido e não era preciso pensar muito para chegar a essa conclusão.

    Digo-lhe uma coisa prof. agora fiquei triste, não por me ter enganado no que respeita às doenças, mas porque agora comecei a pensar que, se calhar, a "Democracia" não é nada natural.

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