quinta-feira, 11 de maio de 2006

Nota breve sobre a transversalidade das questões ambientais

A propósito da questão alegadamente surgida com os impactos ambientais do projecto virtual de uma nova refinaria em Sines, mas também dos posts do Pinho Cardão sobre casos patológicos da intervenção de algumas instituições ambientais (de carácter associativo ou administrativo) em investimentos relevantes para o desenvolvimento do País, foram produzidos inúmeros comentários. Em muitos deles ressalta a ideia de que a defesa do ambiente, designadamente na sua vertente de protecção da biodiversidade, conduz a uma deseconomia.
Não penso assim, e sinto-me no dever de resumir nesta breve nota os comentários que eu próprio fui espalhando.
Os casos relatados neste blog como exemplos de como as entidades ligadas ao ambiente podem interferir muito negativamente na promoção do desenvolvimento vital para o futuro do País, revelam uma flagrante fragilidade no entendimento do que devem ser as intervenções ambientais e, logo, o que deve ser, e onde deve situar-se a actuação dos seus players. É que ainda se não entendeu que as medidas ambientais não devem ter autonomia como decisões. Não devem ser elas próprias a última palavra no domínio da expressão política, legislativa ou administrativa. Devem sim ser considerados pressupostos - a par de outros - a considerar nas decisões. Dito de outra forma, o processo decisório deve incorporar a adequada ponderação das condicionantes ambientais como componente de interesse público desse processo. Se assim fosse, a imagem que se teria da actuação, designadamente das entidades encarregadas por lei de prosseguir o interesse público da defesa do ambiente, seria completamente diferente porque a avaliação ambiental não seria externa, contra as medidas tomadas, mas parte integrante do iter que a elas conduziu.
Outra questão é a que deriva da perplexidade que em geral e compreensivelmente causa a adopção de cautelas ambientais, condicionantes de investimentos relevantes, quando não existe certeza científica do "prejuizo ambiental".
Trago para aqui, a este propósito, parte de um comentário que deixei neste post assinado pelo Pinho Cardão.
É verdade que muitas vezes não há certeza científica ou possibilidade técnica de fazer um correcto prognóstico dos impactes negativos dos projectos sobre os recursos naturais, bióticos ou abióticos, de cuja utilização sustentável - concordamos todos, julgo eu - depende o futuro dos que depois de nós hão-de vir. Mas isso não deve impedir que face a essa incerteza técnica ou científica, se procurem alternativas (por exemplo de localização de empreendimentos para me manter alinhado com o caso referido no referido post) menos impactantes, que sobretudo dêem garantias de evitar efeitos irreversíveis sobre o património natural.
Proceder assim é respeitar o princípio da precaução em matéria ambiental, hoje universalmente aceite pelos países ditos civilizados e uma aquisição considerada das mais importantes sobretudo após a Conferência da Terra de 1992, positivada em múltiplos documentos com força jurídica vinculativa, desde tratados a actos comunitários, leis que vigoram em Portugal.
Boas práticas políticas neste domínio são sobretudo reclamadas no que respeita à conservação da natureza e da biodiversidade porque, como é compreensível, uma má decisão (ainda com o atractivo de favorecer conjunturalmente a economia) poderá fazer com que se destrua com carácter irreversível uma parte do património genético como aconteceu tantas e tantas vezes no passado, apesar de ser quase sempre possível nesses casos (basta querer e saber...) acomodar todos os interesses: os que se associam ao desenvolvimento económico e os do ambiente.
Por aqui também passa a arte de bem governar nos dias que correm. Compatibilizar interesses, resolver conflitos reais ou potenciais, sem perder de vista que o interesse prevalecente é o interesse geral que não tem que, por preconceito, ser obrigatoriamente contrário ou inconciliável com o interesse público da defesa de valores que a todos - e não só alguns - beneficiam, como são os valores de um ambiente são e da saúde pública.

7 comentários:

  1. Caro Ferreira de Almeida,

    Como discordar do que escreve? É um enunciado de boas intenções.

    De facto, o problema põe-se quando na prática é preciso decidir entre largar um projecto em nome da defesa do ambiente e mante-lo por ser de "importancia fundamental" e "estruturante"...

    É o caso da refinaria, que tanta opinião tem gerado por aqui. E lá por «casa» também.

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  2. Anónimo14:29

    Não pretendi que fosse um enunciado de boas intenções mas de boas práticas. Nas o reconhecimento das intenções como boas já não seria mau se fosse feito por quem tem o direito e o dever de decidir.

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  3. Anónimo16:30

    Não posso estar mais de acordo, meu caro Pinho Cardão.

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  4. Meus caros,

    Perdoem-me a sinceridade, mas estão a politizar o assunto, caindo no erro (deliberada ou inadvertidamente) de que acusam as associações ambientais: Ao "Há um projecto? Sou contra." os meus exmos. Amigos estão a responder "Há uma decisão do governo? Sou contra".

    Ainda não vi ninguém fazer uma análise custo/benefício e tomar cabalmente uma posição.

    Vi umas criticas pela precipitação no anuncio de construção da refinaria por parte do governo, vi umas criticas genéricas aos ambientalistas, vi uma análise do Dr. Tavares Moreira onde me pareceu estar subentendido que já se previa que a refinaria iria poluir mais do que aquilo que o que o promotor dizia (o que aparentemente me parece um bom argumento para chumbar), mas de facto os meus caros continuam a subavaliar o impacto que as emissões acrescidas por via da alteração do projecto iriam ter no estipulado por Quioto, na participação do Estado no projecto, e nas restantes industrias que veriam a sua capacidade de emissões reduzida, centrando as vossas criticas exclusivamente nas duas tomadas de posição divergentes do governo, levanto o assunto mais para a "forma" do que para o "conteúdo".

    Se há de facto uma tentativa do promotor em vender gato por lebre como parece ser unanimemente aceite (ou não?...), porque não é também este, alvo das vossas criticas?

    Em suma, caro Ferreira de Almeida, e Pinho Cardão:

    Refinaria, Sim ou Não?

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  5. Anónimo20:32

    Essa agora é boa, ó meu caro cmonteiro! De onde é que o meu Amigo retira que sou contra a decisão do Governo por ser decisão do Governo?! Eu já escrevi uma e outra vez que não posso avaliar da bondade de um projecto que não conheço. O que me impressiona é que ele seja anunciado como o foi sem que o governo tenha devidamente ponderado - como se provou - todos os pressupostos, incluindo os ambientais. Isso é que é censurável porque corrói a pouca confiança de quem ainda temintenções de investir neste cada vez mais pobre País. Porque bulas é que o Ministro Pinho entendeu. na altura em que fez tocar as trompetas, que estava a comprar lebre em vez de gato, para utilizar a edificante imagem do senhor Primeiro-Ministro? Que garantias tinha se não passava de uma intenção de investimento, pelos vistos não sujeita ainda às várias avaliações?
    De qualquer modo o post nem se referia ao caso particular da refinaria, que já lá vai, mas sim aos comentários que se escreveram sobre as intervenções de ambientalistas e de instituições públicas do ambiente no processo decisório.

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  6. Acho interessante verem esta notícia e perceberem que os cuidados com os assuntos de foro ambiental são um imperativo:


    http://www.timesonline.co.uk/article/0,,13509-2175954,00.html

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  7. Anónimo17:33

    A notícia retrata bem, afinal, a importância de se internalizar a ponderação das questões do ambiente no processo decisório, mote deste post. Porque provavelmente não foi isso que aconteceu no caso relatado, e assim a demolição pode ser apresentada e vista sob dois perfis: uma vitória para o ambiente mas uma derrota para os contribuintes que a têm de pagar mais à mais que certa indemnização.

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