Meio a sério, meio a brincar, em duas Notas anteriores referi o verdadeiro contrapoder de alguns órgãos burocráticos que, muitas vezes, acaba por condicionar e até por contrariar decisões legais e politicamente legítimas do próprio Primeiro-Ministro e até do Governo.
Alguns comentários muito interessantes foram feitos, sendo que um deles, do Félix Isménio, me fez recordar o episódio que passo a contar.
Em 1999, o Governo de então, presidido pelo Eng. António Guterres, levou a efeito a privatização da Gescartão, que possuía uma fábrica em Mourão.
Como esta seria inundada pela barragem de Alqueva, as condições da privatização, previstas no D.L 364/99, obrigavam o adquirente a construir na zona uma nova fábrica de papel reciclado.
O próprio Primeiro-Ministro, acompanhado de muitas autoridades, civis e eclesiásticas, e das “forças vivas” locais presidiu ao lançamento da primeira pedra da nova fábrica, com início de actividade previsto para Março de 2001.
Aconteceu, no entanto, que um organismo do Ministério do Ambiente, o Instituto para a Conservação da Natureza, apresentou uma queixa junto da Comissão Europeia, ao abrigo da Directiva das Aves, contra a construção da fábrica, isto é, contra a concretização no disposto no Decreto-Lei 364/99 da Reprivatização da Gescartão, assinado pelos Membros do Governo Jaime Gama, Sousa Franco, Vítor Ramalho e referendado pelo 1º Ministro.
Como o adquirente já não teria grande vontade de investir na nova unidade, utilizou o pretexto para ficar quieto e não construiu a fábrica nem no Alentejo nem noutro local!...
Não creio que as aves, alentejanas ou de outras proveniências, tenham agradecido, mas sei que umas centenas de pessoas ficaram sem trabalho. Evidentemente, quem eram eles perante as aves?
Este é um caso nítido de oposição de um Serviço do Estado a uma decisão legal do Governo e que acabou por prevalecer.
Não consta que o Presidente ou os Directores do ICN tenham sido demitidos ou sequer responsabilizados por desrespeito ao Governo e pelos prejuízos causados.
A partir daí, essa coisa extravagante de querer saber quem manda, se o Governo ou os Serviços, deixou de me preocupar, pois confirmei que, na dúvida, eram os Serviços. Até como defesa dos Ministros!...
Mas, agora, que recordei o episódio, fiquei com uma outra preocupação: como é que os vindouros que vierem a descobrir o pergaminho do lançamento da primeira pedra, à míngua de não encontrarem qualquer vestígio ou testemunho arqueológico da construção, irão explicar a ocorrida desmaterialização da fábrica?
Em 1999, o Governo de então, presidido pelo Eng. António Guterres, levou a efeito a privatização da Gescartão, que possuía uma fábrica em Mourão.
Como esta seria inundada pela barragem de Alqueva, as condições da privatização, previstas no D.L 364/99, obrigavam o adquirente a construir na zona uma nova fábrica de papel reciclado.
O próprio Primeiro-Ministro, acompanhado de muitas autoridades, civis e eclesiásticas, e das “forças vivas” locais presidiu ao lançamento da primeira pedra da nova fábrica, com início de actividade previsto para Março de 2001.
Aconteceu, no entanto, que um organismo do Ministério do Ambiente, o Instituto para a Conservação da Natureza, apresentou uma queixa junto da Comissão Europeia, ao abrigo da Directiva das Aves, contra a construção da fábrica, isto é, contra a concretização no disposto no Decreto-Lei 364/99 da Reprivatização da Gescartão, assinado pelos Membros do Governo Jaime Gama, Sousa Franco, Vítor Ramalho e referendado pelo 1º Ministro.
Como o adquirente já não teria grande vontade de investir na nova unidade, utilizou o pretexto para ficar quieto e não construiu a fábrica nem no Alentejo nem noutro local!...
Não creio que as aves, alentejanas ou de outras proveniências, tenham agradecido, mas sei que umas centenas de pessoas ficaram sem trabalho. Evidentemente, quem eram eles perante as aves?
Este é um caso nítido de oposição de um Serviço do Estado a uma decisão legal do Governo e que acabou por prevalecer.
Não consta que o Presidente ou os Directores do ICN tenham sido demitidos ou sequer responsabilizados por desrespeito ao Governo e pelos prejuízos causados.
A partir daí, essa coisa extravagante de querer saber quem manda, se o Governo ou os Serviços, deixou de me preocupar, pois confirmei que, na dúvida, eram os Serviços. Até como defesa dos Ministros!...
Mas, agora, que recordei o episódio, fiquei com uma outra preocupação: como é que os vindouros que vierem a descobrir o pergaminho do lançamento da primeira pedra, à míngua de não encontrarem qualquer vestígio ou testemunho arqueológico da construção, irão explicar a ocorrida desmaterialização da fábrica?
8 comentários:
Caro Pinho Cardão,
Talvez que o governo de então, com vontade de levar a cabo mais um projecto "estruturante" não tenha cuidado de verificar do respeito pela directivas ambientais que se calhar o próprio aprovara, e para fazer cumpri-las, talvez tenha colocado à frente do ICN alguém cuja seriedade não variava em função da hierarquia de aprovação desses projectos "estruturantes". Há um preço a pagar quando se contrata gente séria...
Quanto aos animais, não falam, mas por lá continuaram.
Os Estado, e principalmente os políticos ainda não perceberam o que andam aqui a fazer.
ainda não perceberam que, quando se decide fazre algo, tem de se verificar se tal é possível ou não.
é o que se chama de "política pró-activa", como agora está na moda, mas só nas bocas, porque nas acções, tá quieto !
Palermas !
O caso trazido aqui pelo Pinho Cardão - que aliás não é único - coloca uma questão que é e cada vez será mais premente: a da transversalidade das politicas ambientais. Enquanto olharmos para as medidas de protecção ambiental como medidas de política sectorial e não como pressupostos (como muitos outros) a ter em conta nos processos de decisão legislativa, política ou administrativa qualquer que seja o sector, será muito dificil a harmonização de interesses.
Só mais uma dica, meu Caro Pinho Cardão. Repito que o erro, a meu ver, consiste na falta de integração dos aspectos ambientais e relativos à conservação de espécies e habitats nas decisões, designadamente de natureza política. Porque no plano jurídico não há dúvidas face ao disposto na Directiva e ao que tem sido a jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE. Aliás, a directiva no que respeita à protecção da avifauna e dos seus habitats responsabiliza em especial do Estado não só no que respeita à vigilância e controlo das acções que ponham em causa a sobrevivência das espécies e em consequência a perda irreversível de património genético, bem como por medidas activas de conservação de natureza.
Para se perceber como têm sido decididas estas questões no Tribunal de Justiça, deixo somente este bocadinho de uma decisão (longe de ser a única neste preciso sentido):
"Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um Estado‑Membro não pode, na escolha e delimitação de uma ZPE, tomar em consideração exigências económicas, nem a título de um interesse geral superior àquele que cumpre o objectivo ecológico referido pela directiva aves nem que correspondam a imperiosas razões de superior interesse público, como as referidas no artigo 6.º, n.º 4, da directiva relativa aos habitats (v., designadamente, acórdão de 11 de Julho de 1996, Royal Society for the Protection of Birds, C‑44/95, Colect. p. I‑3805, n.os 31 e 42)".
Isto tem uma tradução mais simples que pode ser assim formulada: entre produção e conservação prevalece o interesse público da conservação, salvo se se demonstrar a existência de um interesse público mais intenso (normalmente ligado á saúde pública ou à segurança), a clara compatibilidade entre ambos os objectivos ou a falta de alternativa de localização de qualquer empreendimento com relevantes vantagens economico-sociais.
Mais, e para quem tenha curiosidade ou interesse por estes temas, no meu www.conservardireito.blogspot.com
Apesar do comentário do Ferreira de Almeida ser, no plano jurídico, relevante, o post de indignação do Pinho Cardão mantém toda a pertinência.
1.º Há Estudos de Impacte Ambiental para todos os gostos. E, se falarmos das subsequentes interpretações técnicas, as variáveis tendem para infinito. A problemática ambiental está longe de ser uma ciência absoluta.
2.º É absolutamente bizarro, para não dizer absurdo, a direcção de um Instituto Público apresentar uma queixa junto da Comissão Europeia contra o Estado Português. Independentemente do motivo. Primeiro demite-se e, depois, apresenta as queixas que lhe aprouver.
Uma coisa são as associações ambientalistas, privadas, apresentarem queixas. Outra, bem diferente, é um organismo do Estado apresentar uma queixa contra o próprio Estado. Este não é um problema de seriedade ou independência, mas sim de ética ou lealdade funcional.
O Instituto para a Conservação da Natureza tinha o direito, e até o dever, de emitir os pareceres técnicos julgados convenientes. Porventura de sensibilizar o poder político para a gravidade da situação, para os riscos jurídicos e, se fosse esse o caso, para soluções alternativas com menores impactes ambientais. Ponto final. Acabam aqui as suas competências. Depois passamos para o plano da decisão política que, desejavelmente, deve ser perpassada pelo bom-senso.
Por fim, ainda existe a possibilidade dos responsáveis políticos - que, apesar dos pareceres técnicos, lesaram o interesse nacional – serem responsabilizados civil e criminalmente.
Quanto aos responsáveis do ICN, nas circunstâncias descritas, só havia uma solução: serem demitidos, obviamente!
E, já agora, meu caro Pinho Cardão, o meu nome é Félix Esménio. Eu sei que também há "Isménios" (normalmente de nome próprio), mas não é o meu caso. Um abraço.
Meus caros:
O meu último comentário não pretende diminuir a pertinência do post do Pinho Cardão que, para além da óbvia patologia de um organismo funcionalmente dependente do governo que apresenta queixa contra acto de quem depende, desperta a questão de não se ter ainda hoje entendido que as questões do ambiente não devem ser vistas com exógenas aos processos de decisão, devem antes incorporá-las.
Se assim fosse, no caso que o Pinho Cardão relata e em muitos outros em que eu próprio poderia dar testemunho pessoal, provavelmente ter-se-ia evitado este que é efectivamente um intolerável dislate.
Dou-lhe razão, meu caro Felix Esménio, quando diz que as ciências do ambiente não são ciências absolutas, embora eu julgue que no sentido em que o refere nenhuma o é. Com efeito muitas vezes não há certeza científica ou possibilidade técnica de fazer um correcto prognóstico dos impactes negativos sobre os recursos naturais, bióticos ou abióticos de cuja utilização sustentável - concordamos todos, julgo eu - depende o futuro dos que depois de nós hão-de vir. Mas isso não deve impedir que na incerteza técnica ou científica não se procurem alternativas (por exemplo de localização de empreendimentos para não me afastar do caso referido no post)menos impactantes que sobretudo dêem garantias de se evitarem efeitos irreversíveis sobre o património natural. É o que comanda o princípio da precaução em matéria ambiental, hoje universalmente aceite pelos países ditos civilizados e uma aquisição considerada das mais importantes sobretudo após a Conferência da Terra de 1992, positivado em múltiplos documentos com força jurídica vinculativa, desde tratados, a actos comunitários, leis.
Boas práticas políticas neste domínio são sobretudo reclamadas no que respeita à conservação da natureza e da biodiversidade porque, como é compreensível, uma má decisão (ainda com o atractivo de favorecer conjunturalmente a economia) poderá fazer com que se destrua com carácter irreversível uma parte do património genético como aconteceu tantas e tantas vezes no passado, apesar de ser possível nesses casos acomodar todos os interesses: do desenvolvimento económico e do ambiente. Aí está a arte de bem governar nos dias que correr. Compatibilizar interesses, harmonizar conflitos reais ou potenciais, sem perder de vista que o interesse prevalecente é o interesse geral que não têm que, por preconceito, ser obrigatoriamente contrário ou inconciliável com o interesse público.
Uma nota final para concordar sem reserva com o Felix Esménio quanto à atitude devida pelos dirigentes de um qualquer organismo da administração, aos quais não compete decidir politicamente mas somente cabe dar o seu concurso para a preparação técnica das decisões políticas (sendo os políticos naturalmente responsabilizados policamente e não só, pelas más decisões): o caminho seria sempre a porta da rua. Ou voluntária ou - vou mais longe - forçada.
Caro Ferreira de Almeida
Excelente clarificação do comentário anterior.
No posso estar mais de acordo com tudo o que disse.
Posto isto, parece que não será por nós (incluindo o amigo Pinho Cardão!) que os investimentos industriais, ou outros, se deixarão de realizar neste Portugal tão carenciado de empreendedores geradores de riqueza e de emprego. Impactes ambientais existem sempre! O problema está na sua avaliação e, tanto quanto possível, minoração.
Quanto ao apelido, caro Pinho Cardão, foi apenas uma "pequena crise de identidade". :)
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