No capítulo VI, referi que um velho militante me confidenciou que nem tudo o que era dito no Congresso significava o que aparentava. Isto é, algumas expressões não valiam enquanto tal, mas deviam ser interpretadas de acordo com uma chave secreta que só a experiência de muitos Congressos punha ao alcance dos mais atentos.
Esse velho militante de feitio jovial chegou mesmo a dar-me dois exemplos e mandou-me pensar sobre o seu significado. Reencontrei-o ontem. Então já decifrou? - pergunta-me ele. Confessei-lhe a minha inaptidão total para o efeito.
Então, diga-me lá quais foram as frases com que lhe exemplifiquei a coisa?
Olhe, respondi eu, uma delas foi algo parecido com esta: um Militante com experiência autárquica exalta no Congresso o papel das Autarquias no serviço às populações, afirma a sua plena realização nessas funções, jurando não as trocando por quaisquer outras, enquanto o povo nele manifestar a sua confiança.
E então? - pergunta-me o Mestre. Ante o meu silêncio, pôs-me a mão no ombro, como gostava de fazer, quando entrava em alguma confidência. E disse-me: o meu amigo precisa é de mais Congressos!... Olhe, não lhe vou ainda dar a chave, mas faço-lhe outra pergunta: acha que um militante vai dizer num Congresso que se sente muito bem nas suas funções, que quer continuar nelas enquanto o povo nele manifestar a sua confiança, mas que, por isso mesmo, vai mudar para o PS, se o líder continuar a apoiar o seu rival no concelho? E vai dizer que isso é a maneira mais fácil de fazer o PSD perder uma autarquia? Olhe que isto não tem nada a ver com o que estávamos a falar, continuou…é só para você pensar…
E então e a outra frase, pergunto eu, aquela em que um Notável jura inteira fidelidade ao líder e, para salientar essa fidelidade, até refere que já dele discordou num ou noutro assunto ou até, noutros Congressos, apoiou o candidato opositor?
Também não lhe vou já interpretar esse exemplo, disse-me o Mestre. Mas pense nesta outra coisa: não seria um disparate sem nome um Notável dizer no Congresso que, se já tinha apoiado outros candidatos, poderia muito bem continuar a fazer o mesmo, se agora não tivesse um lugar destacado nos órgãos do Partido?
Despediu-se logo, com um abraço, e não tive qualquer possibilidade de o reter. A cinco metros, volta-se para trás e disse-me: olhe que ainda lhe hei-de explicar o código!…
Terei tido uma aproximação à chave? Não sei. Mas sei que ali fiquei, perplexo e constrangido, por não poder revelar no 4 R a chave do código, como prometera no Capítulo VI.
Esse velho militante de feitio jovial chegou mesmo a dar-me dois exemplos e mandou-me pensar sobre o seu significado. Reencontrei-o ontem. Então já decifrou? - pergunta-me ele. Confessei-lhe a minha inaptidão total para o efeito.
Então, diga-me lá quais foram as frases com que lhe exemplifiquei a coisa?
Olhe, respondi eu, uma delas foi algo parecido com esta: um Militante com experiência autárquica exalta no Congresso o papel das Autarquias no serviço às populações, afirma a sua plena realização nessas funções, jurando não as trocando por quaisquer outras, enquanto o povo nele manifestar a sua confiança.
E então? - pergunta-me o Mestre. Ante o meu silêncio, pôs-me a mão no ombro, como gostava de fazer, quando entrava em alguma confidência. E disse-me: o meu amigo precisa é de mais Congressos!... Olhe, não lhe vou ainda dar a chave, mas faço-lhe outra pergunta: acha que um militante vai dizer num Congresso que se sente muito bem nas suas funções, que quer continuar nelas enquanto o povo nele manifestar a sua confiança, mas que, por isso mesmo, vai mudar para o PS, se o líder continuar a apoiar o seu rival no concelho? E vai dizer que isso é a maneira mais fácil de fazer o PSD perder uma autarquia? Olhe que isto não tem nada a ver com o que estávamos a falar, continuou…é só para você pensar…
E então e a outra frase, pergunto eu, aquela em que um Notável jura inteira fidelidade ao líder e, para salientar essa fidelidade, até refere que já dele discordou num ou noutro assunto ou até, noutros Congressos, apoiou o candidato opositor?
Também não lhe vou já interpretar esse exemplo, disse-me o Mestre. Mas pense nesta outra coisa: não seria um disparate sem nome um Notável dizer no Congresso que, se já tinha apoiado outros candidatos, poderia muito bem continuar a fazer o mesmo, se agora não tivesse um lugar destacado nos órgãos do Partido?
Despediu-se logo, com um abraço, e não tive qualquer possibilidade de o reter. A cinco metros, volta-se para trás e disse-me: olhe que ainda lhe hei-de explicar o código!…
Terei tido uma aproximação à chave? Não sei. Mas sei que ali fiquei, perplexo e constrangido, por não poder revelar no 4 R a chave do código, como prometera no Capítulo VI.
Termino aqui esta maratona. Muitos amigos que leram o 4R perguntaram-me se o Congresso do PSD só tinha sido "isso" que perpassava pelas minhas crónicas. Evidentemente que não, porque o Congresso teve muitas coisas boas. Mas essas não foram o assunto das despretenciosas crónicas com que vos macei ao longo de dez dias.
Até ao próximo Congresso!... E, ultimamente, não tem havido falta!...
Estes 10 posts dão um tratado!
ResponderEliminarValeu bem a pena ler estas 10 crónicas. Grande lucidez e acutilância.
ResponderEliminarVou continuar a visitar o espaço.
deliciosa prosa dessa aventura que foi mergulhar no psd profundo, nas bases como se diz agora.mostra o psd como uma grande familia , muito heterogéneo , com opiniões e maneiras de estar diferentes , sem serem carneiros.não se infira daqui que o psd é perfeito.nada disso.mas prefiro o psd ao ps ,que mais parece uma seita , onde o secretário - geral ( esta designação sempre me fez confusão ..) mais do que um lider é um federador de uniões , de consencos , que tem de sempre estar a negociar com as diversas facções e que mais que respeitado , é tolerado. uma maneira de estar e de liderar que lembra muito a sociedade e a maneira de estar dos japoneses.
ResponderEliminarFoi com genuíno gozo que acompanhei estas crónicas, prenhes de humor, de um Congresso inane.
ResponderEliminarObrigado pelo seu eloquente testemunho, caro Pinho Cardão.
Este modelo de Congresso, após a eleição directa do líder (metodologia com a qual concordo sem reservas), é absolutamente anacrónico.
Não faz mais sentido a existência de um Congresso que se confunde com uma “feira de discursos” ou uma “passarela de vaidades” de: 1. Militantes de base não iniciados; 2. Militantes de base experimentados; 3. Militantes de base muito influentes nas bases; 4. Aspirantes a Notáveis;
5. Notáveis; 6. Muito Notáveis e Membros superiores dos Órgãos Nacionais (conforme a taxinomia do Pinho Cardão, que me parece bastante veraz ou ajustada à realidade).
O discurso do Pinho Cardão era bom, concordo, mas não passaria de mais um discurso entre “trezentos”. E o líder, estou em crer, não precisaria de ouvir o recado. A sua experiência política já lhe conferiu, não duvido, competências ajustadas à direcção da orquestra. Ele já conhece a letra e a música. O problema, agora, centra-se mais na harmonia e na melodia das propostas musicais. Há maestros que conseguem cumprir bem, com rigor, a pauta. Outros existem, porém, que são virtuosos. Estes últimos, raros, fazem a diferença. Têm um bom ouvido, dominam a batuta na ponta dos dedos e conseguem que os músicos que interpretam os trechos musicais atinjam, por vezes, a genialidade. Estes maestros são também, via de regra, bons compositores. A estes não há melómano que resista. E mesmo aqueles que não apreciam particularmente a música têm dificuldades em resistir a uma boa composição, bem interpretada.
Nesta metáfora, para que se atinjam os resultados pretendidos, são necessários: Um bom maestro (o líder), uma excelente composição (a mensagem) e intérpretes de eleição (os mensageiros). Não é fácil, direi mesmo que é invulgar, mas é possível. Para tanto é necessário haver vontade, um forte espírito gregário, muito treino e, mais importante do que tudo, talento.
Depois desta derivação musical ainda gostava de partilhar uma hipótese de construção de um novo paradigma de Congresso (das ideias mobilizadoras e não dos discursos frívolos):
1. 1.º dia - Fórum de debates temáticos (decorreriam em simultâneo em diferentes salas). Com comunicações previamente redigidas pelos militantes – apreciadas e seleccionadas, por exemplo, pelo Gabinete de Estudos ou por um outro conjunto de seniores. Estas comunicações poderiam, após serem harmonizadas por uma comissão de redacção, dar origem a uma publicação programática.
2. 2.º dia – Formação das listas e eleição dos órgãos estatutários. Apresentação pública, multimédia, das conclusões – por um porta-voz. Discurso político do líder. Encerramento.
Duas notas finais:
Os Congressos deveriam ser precedidos, no seu interlúdio, de sessões de debate – regional ou mesmo local – preparatórias do Fórum Nacional (do género, “Conversas sobre Portugal” – Qualificação, Defesa, Finanças, etc.). Para estes debates dever-se-iam convidar também, a título de comentadores, especialistas independentes;
Os Congressos teriam que mobilizar o que de melhor há em matéria de multimédia ou de tecnologias de comunicação, quer “in loco” quer na web.
Talvez desta forma, talvez, os notáveis fossem substantivamente mais relevantes.
Quem sabe um dia?!