terça-feira, 29 de agosto de 2006

"Rendimentos"

Com este nome, existe uma rubrica na nossa balança de pagamentos correntes da qual pouco se tem falado.
A evolução desta rubrica nos últimos tempos bem como a sua provável evolução no futuro próximo constituem no entanto motivo mais do que suficiente para que lhe seja dada uma atenção bem maior.
É nesta rubrica que são registados, a débito, os pagamentos que fazemos ao exterior (estrangeiro) em resultado do endividamento das Famílias, das Empresas e do Estado.
Os grandes agentes do nosso endividamento ao exterior são os bancos – estes endividando-se por conta das Famílias e das Empresas que financiam – e o Estado uma vez que este emite dívida directamente no estrangeiro.
Também a débito são registados os dividendos e outros rendimentos devidos aos não residentes que investem em Portugal.
Em contrapartida, são registados a crédito os rendimentos auferidos por residentes em Portugal que lhes sejam pagos a título de juros de créditos sobre o exterior, dividendos de investimentos no estrangeiro ou outros.
Como facilmente se percebe, esta rubrica dos “Rendimentos” apresenta um elevado saldo negativo que é devido, em grande parte, ao pesado endividamento externo em que o País se encontra mas que não cessa de aumentar.
Vejamos a evolução desse saldo negativo dos "Rendimentos" desde 2003:

- 2003 = 2.059 milhões Euros
- 2004 = 2.375 “ “
- 2005 = 3.161 “ “ (1.666 até Junho)
- 2006 = 2.327 “ “ (até Junho)

Destes números conclui-se que o saldo negativo dos “Rendimentos” se tem vindo a deteriorar a ritmo muito elevado, o qual se acentuou no corrente ano devido ao efeito combinado da subida das taxas de juro e do contínuo avolumar das nossas dívidas ao exterior.
Assim, o saldo negativo no 1º semestre deste ano é praticamente igual ao apurado em todo o ano de 2004, sendo 40% superior ao verificado no 1º semestre de 2005.
Não é difícil prever que no final de 2006 o saldo negativo ultrapasse 4.500 milhões Euros, podendo exceder 3% do PIB.
E a confirmarem-se as expectativas de alguma subida mais nos juros, com a dívida ao exterior sempre a crescer, não é de estranhar que a factura aumente de novo em 2007 para um valor próximo dos 6 mil milhões Euros, perto de 4% do PIB.
Julgo que qualquer pessoa de bom senso compreende que esta trajectória não poderá continuar indefinidamente, sob pena de qualquer dia termos de começar a vender os activos ao exterior só para aguentar o peso deste endividamento.
Mas, segundo as previsões recentemente divulgadas, parece que pelo menos em 2006 e 2007 o aumento do endividamento ao exterior continuará vertiginoso, da ordem de 8 a 9% do PIB.
E não se poderá esperar que os juros baixem, pelo menos a curto prazo.
É altura para voltar aquela expressão que aqui usei algumas vezes: por este andar, para onde vamos?

7 comentários:

  1. Isto vai bem caro colega, vai mesmo muito bem... Está tudo controlado!...

    A "five million dollar question" não é onde é que vamos parar, porque isso já nós sabemos, a pergunta que se impõe é para onde é que vão parar os montantes que dão origem a este endividamento? Essa é que é a pergunta que todos os portugueses que não são políticos, chefes de gabinete, administradores de empresas públicas (ou equiparadas) e participadas pelo Estado, assessores de ministros e outros que tais, gostariam de ver respondida!

    É só porque os outros portugueses não vêem nada, nem têem uma vida melhor, nem tal se perspectiva (redução no apoio à doença, redução das comparticipações, novo aumento das listas de espera nos hospitais, redução dos valores das reformas, etc. e tal).

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  2. Caro Tavares Moreira,

    A dívida que realmente interessa é a do estado, a outra resolve-se por si - empresas ou particulares que não suportem o endividamento desaparecem e os bancos suportam a dívida nos seus resultados que já estava incorporada nos spreads.
    E a do estado também é simples, ou o BCE paga e ficamos no euro ou não paga e nós saímos...;) Ou então fazemos ao estilo do industrial do Vale do Ave, fechamos o país com as dívidas e abrimos outro ao lado!

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  3. É só tomarmos de conta de Olivença que é nossa e o resto damos aos Espanhóis! Que tal han?

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  4. Caros Comentadores,

    O humor descontraído que exibem nos vossos comentários deixa-me, apesar do complexo cenário,bem mais tranquilo.
    Embora endividados, o futuro pertence-nos e aos nossos credores o que lhes resta é estarem calmos.
    Assim é que está bem, sigamos em frente e esqueçamos este aviso.

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  5. Caro Tavares Moreira,

    Até ao dia de não haver dinheiro, vai tudo ficar na mesma. Não estou a ver uma revolução daquelas de matar o presidente, o primeiro-ministro, os juízes todos, etc...
    Logo o nosso problema é irresolúvel. A única consolação é que os nossos credores têm um problema maior. O comentário pode ser descontraído mas o facto é que a "contracção" não traz nada de novo.

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  6. Confesso que já me tinha interrogado sobre o peso dos juros da dívida pública, neste cenário de endividamento e taxas de juro crescentes.

    É bom ver, finalmente, estes valores - lamentavelmente, a comunicação social tem estado desatenta deste importante aspecto.

    Não é já no próximo ano que temos de cumprir os 3% de défice? Ainda que não seja, isto vai bonito. Com o crescimento das despesas do Estado (que não só esta) e o nosso défice ainda muito elevado, a que se junta uma carga fiscal que já é excessiva, também gostava de saber para onde vamos.

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  7. Caro Tonibler,

    Quanto à hipótese que colocou - e que como bem diz não pode ser solução -de eliminar algumas individualidades, creio que faria mais sentido, se me permite, começar pelos credores.
    E, dentro destes, pelos que detenham créditos mais elevados e/ou taxas de juro mais altas.
    Ou então por aqueles que não tenham quem lhes suceda nos créditos.

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