Por razões de natureza profissional estive nos últimos dias na Guiné-Bissau, País onde já não me deslocava há uns bons anos, desde o início da década de 90.
Tendo em conta as notícias que nos vão chegando daquelas paragens pela nossa preclara comunicação social, as minhas expectativas eram muito baixas, confesso.
Esperava encontrar uma cidade de Bissau à pior maneira africana, suja, desordenada, com muitos buracos nas estradas, quase sem serviços de transporte, um parque automóvel bastante arruinado, sem sinais de recuperação da actividade económica, feridas ainda visíveis da guerra civil de há poucos anos etc,etc.
O que encontrei excedeu muito, para melhor, as minhas expectativas.
A cidade está bastante limpa – em claro contraste com Dakar, onde também estive – com um intenso tráfego automóvel, os edifícios exibindo sinais de recuperação recente, as pessoas com uma apresentação exterior bastante mais decente do que noutras cidades africanas que conheço, apesar dos iniludíveis sinais de pobreza.
Posso dizer que me surpreendeu em particular a qualidade do serviço de táxis, com muitas dezenas de automóveis, de óptima apresentação, todos da marca Mercedes e de cor azul e branca (influência de Pinho Cardão?). É outro contraste impressionante com Dakar, que apresenta uma frota de táxis claramente decadente, alguns num estado de degradação dificilmente narrável.
Encontram-se muitos estrangeiros em Bissau, que vão tratar dos seus negócios ou que estão envolvidos em acções de cooperação, sendo notória uma dinâmica recente do investimento estrangeiro em vários sectores, desde o turismo à agricultura e às agro-industrias.
Por vários contactos que lá mantive, apercebi-me de que são os marroquinos e os espanhóis em primeiro lugar, a seguir os líbios e os senegaleses, que estão na base da nova dinâmica da economia da Guiné-Bissau, investindo nos sectores mais importantes.
Importa referir que existem reservas de petróleo na zona offshore, as quais deverão entrar em exploração dentro de alguns anos.
A Guiné-Bissau pertence à UEMOA – União Económica e Monetária do Oeste da África (grupo de 6 países que também inclui o vizinho Senegal), pelo que a moeda corrente no País, o franco CFA, é externamente convertível, numa relação fixa com o Euro garantida por um acordo entre a Zona e o Tesouro Francês.
A participação nessa zona económica e monetária tem a vantagem de impor alguma disciplina financeira nos países participantes, cuja balança de pagamentos conjunta se apresenta equilibrada segundo me informaram.
É claro que no caso da Guiné-Bissau, cujo Orçamento é financiado em mais de 70% pela ajuda externa, a disciplina financeira é mais do que forçada. Em caso de indisciplina, não há dinheiro...Os salários dos funcionários públicos chegaram a ter mais de um ano de atraso, agora estão quase em dia.
Aspecto mais negativo neste breve apontamento de reportagem é a rápida perda de influência de Portugal na economia do País, apesar da generosidade da nossa ajuda financeira pública e das habituais proclamações oficiais, nomeadamente aquando das reuniões da CPLP.
A hora é dos espanhóis e dos marroquinos, que têm claramente uma percepção da importância estratégica de assumir posições naquela zona de África.
E ainda vão acabar por falar francês ou castelhano. Pobre país o nosso...
ResponderEliminarQuase me apetece falar do milagre de Bissau ao ler o seu post!
ResponderEliminarPois caro Tavares Moreira estive na Guiné há cerca de 5 ou 6 anos (?), duas semanas antes da queda de Kumba Yalá, e do periodo de "pre-guerra" que ali se viveu, logo depois, seguindo-se a outros iguais pouco tempo antes. Bissau era indescritivel. A luz, a àgua, as ruas, ( se áquilo se podiam chamar ruas, e falo das principais) o parque automovel,incluindo os taxis, era miserável, exceptuando meia duzia de viaturas do governo ou da presidencia, oferecidos por países orientais, e de outra meia duzia de técnicos ou investidores estrangeiros, porque poucos eram, - Bissau era o caos! O melhor hotel, na estrada do aeroporto,fechara e destruido em parte pela guerra anterior, que levou à queda de Nino. O melhor, ou unico, era o velho 24 de setembro, tambem sem qualquer tipo de qualidade minima, onde faltava de tudo. Por vezes até a comida, a roupa de cama, ou a luz. Esta faltava em muitos serviços pois os geradores não tinham gasóleo. A TV parava de emitir pela mesma razão, regularmente. Restaurantes, impensavel. Os melhores haviam sido de portugueses, mas esses tinham quase todos regressado a Portugal ou procurado outros destinos, fugindo da guerra permanente e da falta de expectativas. Ordenados não havia. Nessa altura os funcionarios publicos não recebiam há 1o, 11 ou mais meses. Os armazens, fabricas,etc. abandonados. Turistas - nos dias que lá estive, vi 2 ou 3, daqueles que gostam do "exótico", mas tambem pouco dinheiro gastam.
No resto do país, que pude percorrer, quase de lés a lés, tudo era degradação! A que fora a bela cidade de Bafatá em desmoronamento, os postos de atravessamento dos rios, as jangadas, as aldeias, os transportes publicos, umas velha carrinhas, para 15 pessoas onde viajavam 30, para alem dos animais, mas que olhavamos sempre pensando que ela se desmantelaria uns metros mais à frente!
Pergunto-me - que aconteceu então em tão pouco tempo? Sei que não fala de uma cidade europeia e a sua descrição tem em conta a situação deste pobre país africano. Mas não se tem ouvido falar de grandes investimentos, nem investidores, como e Angola. Havia chineses, então e bastantes, que apoiavam o país mas a ajuda financeira reduzia-se à construção de bairros sociais, de pouca qualidade, nos arredores, para serem ocupados por ex combatentes na maioria!
Só posso renovar a pergunta- e admitir , houve milagre de Nino Vieira? Creia que me criou a curiosidade. E vontade de lá voltar. Porque a Guiné, no seu interior, nas suas zonas litorais, que conseguiu há 4 ou 5 anos, chegar no ranking ao de país mais pobre do mundo é de uma beleza encantadora. Costumo dizer que ali foi o Paraíso.As suas gentes simpaticas, afectivas, acolhedoras. Fome não havia, porque a natureza dava para comer!
Quanto à Lingua, por toda a Guiné já não são muitos os que falam português. O ensino do português foi desaparecendo. Uma forte influencia do francês vizinho e o crioulo, esse sim dominante, em cada região visitada.
É seguramente o país lusofono (?)onde menos se fala português, mesmo entre governantes. E há a consci~encia disso. Um dia, perto da casa de Amilcar Cabral, num "ajuntamento" de naturais à volta de 2 brancos,eu e minha mulher, muitos tentavam falar connosco, mas quase ninguem entendia o português. Excepto um velho guineense que expressando-se lindamente, nos dizia: - "Senhores eu falo português. Eles não. E hei-de falar português até morrer!" Este emocionante momento, infelizmente não era vulgar!
Como o castelhano terá poucas hipoteses, o francês, apesar de ser lingua em queda no mundo, pode florescer ali.
Mas Portugal continua a abandonar, em todo o lado, uma das suas maiores riquezas culturais: - a lingua! Com base no Brasil e o desenvolvimento de Angola e Moçambique, poderia ser, rapidamente, uma das primeiras e das mais faladas no Mundo, em pouco tempo, e podendo marcar presença fortissima nas principais organizações mundiais. Mas pouco fazemos por isso e pela manutenção das nossas memórias -da nossa Historia- por tantas paragens!
Que longo comentario....desculpem mas foi um regresso, pela mão de Tavares Moreira, a um País do qual tenho uma afectiva memória recente!
Dr. Tavares Moreira,
ResponderEliminarAo avançar na leitura da sua crónica fui desenvolvendo um sentimento de satisfação por saber que a cidade de Bissau se apresenta já com alguma dignidade, a lembrar, ressalvadas as necessárias diferenças provocadas pelos tempos mais modernos, o tempo que aí vivi durante dois anos. Foi em Bissau que fiz o meu primeiro exame da quarta classe, com direito a diploma, ao qual se seguiu um segundo exame quando regressei a Lisboa, para aqui iniciar o primeiro ano do antigo "ciclo preparatório".
Nessa época era uma cidade africana, pequena é certo, mas bonita e elegante, desenvolvendo-se em torno de uma avenida central muito arborizada e recortada. Os habitantes, sobretudo as mulheres, vestiam uns "panos" lindíssimos, que davam cor à cidade...
Fui muitas vezes à cidade de Bafatá, dei grandes passeios de barco e comi muitos e gostosos camarões gigantes que faziam a delícia de um almoço, lembro-me bem dos grandes crocodilos e não esqueço a beleza do pôr-do-sol. Enfim, haveria muitas coisas para recordar...
Tenho muito vivas na memória as gentes da Guiné, em especial as etnias Fula, Futa-Fula e Mandingas, que nos eram mais afectas.
As recordações da Guiné que guardo são muito afectuosas.
No final da leitura fica um sentimento de perda pela ausência de Portugal na Guiné. Ajudas financeiras e proclamações oficiais, afinal pouco ou nada representam em termos da nossa presença, em particular, da língua portuguesa.
Tinha que ser assim?
Caro Rui Vasco,
ResponderEliminarInteressante a sua descrição da Guiné pós guerra civil.
Pois fique sabendo que o Sheraton que o Senhor encontrou encerrado está a funcionar em pleno, chamando-se agora Bissau-Palace e é um excelente hotel.
Logo a seguir, no percurso para a cidade, encontra um hotel novo, o Lybia, investimento líbio, que será inaugurado no início do próximo ano e que tem um magnífico aspecto exterior.
Quanto ao 24 de Setembro, posso dizer-lhe que tomei lá três refeições de bastante qualidade.
Os taxis, como disse no POST, são o elemento mais surpreendente.
A praça de taxis de Bissau nada deve à de Lisboa, sem qualquer exagero, o que não parece crível mas é verdade!
Cara Margarida,
Quando voltar à Guiné- Bissau, espero que lá para o final do 1º trimestre de 2007, vou desafia-la a seguir viagem para que possa ser minha cicerone.
Aquilo que relata deixa-me entusiasmado, acredite!
Cumprimento, em primeiro lugar, o Senhor Dr. Tavares Moreira, a quem conheço pessoalmente e a quem se deve a interessante crónica da Guiné. Um dos também interessantes comentários que se lhe seguiram, da autoria de Rui Vasco, expõe nos últimos dois parágrafos preocupações – fundamentadas preocupações – sobre o abandono da língua portuguesa naquele país. Pode à vontade continuar a ser a língua oficial, que isso não impedirá o seu quase desaparecimento.
ResponderEliminarRefere Rui Vasco o Brasil, no mesmo texto. Que fique claro o seguinte: o país que dá a importância, ou o peso específico ao português é o Brasil, não é Portugal. Há 6 estados onde a língua falada e escrita é o português, e 2 estados onde o é parcialmente. Óptimo. Mas uns são mais importantes do que outros. Não é preciso dizer que o Brasil é mais importante no mundo do que São Tomé e Príncipe. O que é necessário não iludir é que o Brasil é efectivamente mais importante do que Portugal.
Quando vivi no Brasil, apercebi-me desta realidade. Sem complexos nenhuns. Ninguém ignorará que o inglês tem o esmagador peso que tem no planeta por causa dos Estados Unidos da América, não por causa do Reino Unido. Historicamente é a Inglaterra, historicamente é Portugal, historicamente é a Espanha, etc. Mas isso é historicamente. Todos concordamos que a língua portuguesa é um activo precioso, sobretudo se houver negócio pelo meio. Mas cabe sobretudo ao Brasil, com 170 milhões de habitantes, a responsabilidade de defender e revigorar a sua utilização.
O mundo anglo-saxónico é diferente, todos concordamos. Mas não é o Reino Unido quem vai gastar um dinheirão com acções culturais de inglês na Guiana anglófona (capital Georgetown) para depois serem os norte-americanos a beneficiarem muito mais. É ao contrário, é proporcional. É um investimento proporcional à capacidade do investidor.