quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

"...até nos animaes mais ferozes produzem as suas perfeições admiraveis effeitos..."

Reconheço a imensa informação que os meios electrónicos, e em especial a rede, proporcionam. Mas se sou cada vez mais dependente do ciberespaço, continuo a gostar de sentir o papel. Gosto de livros. Em especial de livros antigos. Em tempos acessíveis, alguns deles, os mais raros, têm hoje preço de jóia. Inatingíveis...
Guardo, porém, uma ou outra preciosidade, achadas em casa de meus pais. Acho que herdei este gosto do meu pai, também ele viciado nos passeios pelas velhas livrarias da Baixa, quando aqui vínhamos nas férias de Verão visitar o avô a Campo de Ourique. Alguns exemplares já foram por mim adquiridos nos tempos em que a disponibilidade para correr alfarrabistas era outra. E de vez em vez entretenho-me a abri-los e a surpreender neles a enorme aceleração da história e do conhecimento.
"Raridades da Natureza", é um livro escrito por um tal Pedro Norberto de Aucourt e Padilha, "Cavaleiro professo na Ordem de Cristo, Fidalgo da casa Real e Escrivão da Camara de Sua Magestade na Mesa do Desembargo do Paço", em 1759. Da obra, o censor de serviço - um tal Frei Francisco de S. Luiz, Qualificador do Santo Oficio -, certificava que "nada contém contra a fé", condição para o indispensável Imprimatur.
O livro, que relata com afirmada objectividade científica a observação dos mais fantásticos fenómenos da natureza, tem descrições mirabolantes e explicações extraordinárias. No capítulo dedicado às "Monstruosidades", explica-se, convocando os clássicos, o seguinte:
"Passando às producções monstruosas, os primeiros monstros, que nomea
Aristoteles, são as mulheres, attendendo aos defeitos da sua natureza. Ha muita
gente, que por essa razão, e pelos damnos que nos causão, reputão as mulheres
por monstros; outros, e com mais civilidade, as avalião pelo mayor encanto dos
nossos sentidos, e pelo objecto mais digno da nossa admiração; e não he alheyo
do nosso assunto, o dizerse que até nos animaes mais ferozes produzem as suas
perfeições admiraveis effeitos; pois Santo Isidro nos refere do Rhinoceronte,
que sendo tão veloz na carreira, que já mais o podem apanhar; expondo-lhe alguma mulher com os peitos descubertos, tanto que a vê, se chega para ella, e fica tão domestico, que sem resistencia o prendem, e entregão aos caçadores; como fez Dalila a Sansão
".

6 comentários:

  1. Caro Ferreira de Almeida,
    Uma coisa é bem certa, um bom livro nas mãos,lendo de pagina em pagina e acompanhando a sua história, Hummmm...Diga-me se há mais alguma coisa melhor?

    Pedro Sérgio (Palmela)

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  2. Anónimo00:07

    É de facto uma excelente companhia, caro Pedro Sérgio. A par de muitas outras coisas boas que a vida nos dá.

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  3. Caro Ferreira de Almeida,

    Neste caso, só refiro uma coisa boa da vida, materialista, que é o livro, sobre as outras coisas boas da vida que há,dou razão e que existe, mas muitos não sabem aprecia-las.

    Um abraço.

    Pedro Sérgio (Palmela)

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  4. Se bem percebi o Sr Aucourt e Padilha, as mulheres são monstros até descobrirem os peitos....Bem...Hum...Pois...

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  5. Caro Ferreira de Almeida:
    Cada vez me convenço mais que Aristóteles foi muito, muito grande: para além de grande filósofo, também foi grande humorista!... Ou talvez falasse mesmo a sério, ainda afectado pelas enormes penas que Antipa infligiu a Sócrates!...

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  6. Caro Ferreira de Almeida

    Tendo a "mania" de vasculhar e adquirir livros anigos, confesso que me despertou muito interesse esta obra. Tenho que dar uma vista de olhos (se me conceder esse privilégio), e se de facto for de encontro ao que espero ainda sou capaz de arranjar maneira de fac similar a obra e disponibizá-la aos nossos leitores... Claro, tudo depende do dono!

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