sexta-feira, 20 de julho de 2007

Gato escondido...com tudo de fora

1. Na AR foi ontem aprovado (só PS) um diploma que, ou estou bastante enganado ou vai dar ainda muito que falar daqui por alguns meses.
Trata-se do “novo sistema de financiamento da rede rodoviária nacional”, despesa pública pura e dura, a cargo das Estradas de Portugal e que pela via do mecanismo ontem consagrado em Lei vai sair do orçamento.

2. Por trás desta pomposa expressão “novo sistema de financiamento da rede rodoviária...”, o que está em causa é a desafectação de uma parte da receita do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) para constituir receita própria das Estradas de Portugal, agora convertida em entidade pública empresarial EPE, depois de ter sido serviço autónomo.

3. Trata-se de uma violação clara do princípio da “Não Consignação”, estipulado no artigo 7º da Lei de Enquadramento Orçamental: não pode afectar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas.
E não existe qualquer “razão especial” que pudesse ser invocada, ao abrigo da excepção prevista na alínea f) do nº2 daquele artigo, para justificar este desvio ao princípio.
Se fosse criada uma nova contribuição rodoviária, o assunto ainda poderia ser discutível.
Mas não é disso que se trata, do que se trata é de retirar uma parcela de receita ISP que já pertence ao orçamento.

4. Numa primeira leitura, reduzindo a receita do ISP em X e reduzindo a despesa com as estradas em X também, o saldo do orçamento ficaria na mesma.
Só que não é assim, pois a receita de ISP que é transferida para as Estradas de Portugal, vai permitir que esta EPE consiga fazer muito mais despesa do que a receita orçamental que lhe foi afecta, recorrendo a empréstimos bancários e outras engenharias financeiras.
Ou seja, com uma receita X retirada do ISP para ser afecta às Estradas de Portugal isso vai permitir a esta EPE realizar despesa 2X ou 3X, que deixa de ser despesa orçamental.

5.A questão foi abordada em debate ocorrido há dias em audição do Gov. BP em comissão especializada.
Ficou então a saber-se aquilo que já se tinha percebido: o objectivo desta operação é dotar as Estradas de Portugal de um nível de receitas próprias (+50% do total das suas receitas) que justifiquem a sua não inserção no chamado “perímetro orçamental”.
Mas isto, como o próprio Gov. BP foi obrigado a reconhecer, é uma operação muito difícil, que o Eurostat não deixará de analisar à lupa.
Mas até lá, “folgam as costas” que é como quem diz folga o Orçamento.

6. Estamos perante uma operação de desorçamentação em grande escala, não parece possível outra interpretação.
Mas nem é isso que mais preocupa.
7. O que mais preocupa é que se acumulam sinais de que o tão propalado “controlo” da despesa pública está a revelar-se pouco eficaz - e com a aproximação do período eleitoral esta situação dificilmente vai melhorar.
O anúncio recente de que o défice de 2007 não deverá ser melhor do que 3,3% do PIB inicialmente previsto - quando todos os países europeus estão conseguindo fazer muito melhor do que a respectiva previsão (a Alemanha talvez consiga mesmo saldo positivo, quando a previsão era deficit de 1,7% do PIB) - é mais um importante sinal.

8. Por isso o recurso a estes artifícios. Que irá dizer o Eurostat a este “gato com tudo de fora”?

6 comentários:

  1. Hum....Será que o Eurostat vai dizer "Parem de imitar os franceses! Só eles é que podem aldrabar as contas!"?
    Esta até nem me parece muito má, pelo menos é uma trafulhice legislada. Preocupam-me mais as outras.


    Por acaso não me parece mal essa coisa da consignação. Por exemplo, poderia haver uma lei que dissesse "todos os impostos que consigam sacar ao Tonibler servem para pagar os funcionários do ministério da educação".

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  2. Caro Tonibler:
    Nem seria o princípio do fim, mas mesmo o fim do fim do ME!...Virtuosa consignação essa!...

    Caro Tavares Moreira:
    O Eurostat ainda me parece o menos. O que me parece o mais é que o vazio ficará logo ocupado e outros serviços irão exigir a despesa que partiu.
    E ainda veremos qualquer dia as Estradas de Portugal privatizadas e nós a pagar impostos que lhe irão ser consignados!...

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  3. Com as receitas extraordinárias seguramente que o défice de 2007 nunca será inferior a 5% do PIB. Seguindo a marcha de 2006 aliás.

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  4. Já agora, porque razão não houve ninguém da oposição que hoje na Assembleia da República desmentisse o primeiro-ministro quanto ao valor do Défice? É que Sócrates até se pôa ajeito.
    Como tão bem demonstrou o Pinho Cardão o Défice de 2006 atingiu o valor de 5,3% sem contar-mos com a desorçamentação do défice do Instituto das estradas, que Tavares Moreira recordou, e que elevaria aquele défice para perto dos 6%. Isto com IVA de 21% e demais impostos. Recorde-se que o Défice em 2004 descontando as receitas extraordinárias não foi além dos 5,2%.
    O governo dá mostras de desespero na sua vã tentativa de controlo do Défice. As medidas a aplicar às transacções superiores a 15 mil euros, as receitas dos casinos e lotaria, são disso exemplo.

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  5. De facto, caro Ruy...
    E muito honrado pela lembrança de um meu post anterior...

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  6. Caro Tonibler,

    A sua elaborada mas resignada reacção leva-me a concluir que um fenómeno de cafrealização estará em marcha acelerada, mesmo entre os que estão mais atentos a estes episódios.
    Já chegamos ao ponto do "tanto se nos dá como se nos deu".
    Depois não podemos queixar-nos com a carga fiscal.
    Até parece que gostamos muito de pagar impostos, desejamos pagar ainda mais.
    Com esta resignação frente às práticas que conduzem ao aumento de impostos - não nos iludamos - não vamos longe.

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