Na era dos estudos, relatórios, pareceres, memorandos, investigações e teses começa a ser notório o papel de biombo que alguns deles desempenham. Com este Governo não há reforma, não há medida, não há hoje nenhuma decisão que seja no sentido de comprimir direitos sociais, tidos quase sempre no discurso oficial como "regalias" e "privilégios", que não surjam precedidas de um estudo que aponta para a sua inevitabilidade, cuidadosamente publicitado. Os estudos dão, nestes casos, um jeitão e são uma peça indispensável do marketing político. A divulgação de resultados de estudos com efeitos impactantes na vida das empresas, das famílias, dos grupos e dos cidadãos, ao terem honras de parangona nas primeiras páginas, criam um efeito dramático muito conveniente a quem compete tomar a decisão. Esta aparece aos olhos da opinião pública, depois de divulgado o estudo, como a solução técnica salvadora, sem outra que a iguale atento o diagnóstico e o prognóstico sombrio se tudo continuar como está; uma imposição irresistível do devir; ou como a razão sem a qual não existe "sustentabilidade" – essa palavra mágica que hoje em dia dá para justificar tudo e mais alguma coisa, ou, bem vistas as coisas, dispensar o decisor de explicar a racionalidade e a razoabilidade das medidas. Para além de transmitir aquela sensação de desresponsabilização do governante, heterodirigido pelas conclusões dos sábios que não governam mas sabem afinal muito mais do que ele dos assuntos da governação.
Sei bem das limitações deste modelo de Estado Social. Sei bem que a situação do País aconselha à contenção. Mas não creio que esta bateria de estudos recomendando o corte aqui, a redução além, o fim ou a compressão de direitos e garantias, crie um clima favorável à mobilização da sociedade civil para a aceitação de um novo paradigma de Estado. O que criam é a convicção geral de um determinismo que conduz a um inevitável sentimento de impotência e de pessimismo e à falta de confiança no papel da política e dos políticos.
Há, porém, um efeito positivo que reconheço aos estudos. O de começar a revelar o fosso que separa o discurso eleitoral da praxis política. O DN de hoje dá nota do relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Para além de revelar algo que todos os portugueses já sabem, isto é, que as políticas de saúde deste Governo revelam “pouca sensibilidade social”, permite a análise certeira com que o jornalista termina a peça sobre o referido estudo:
“O primeiro relatório da era Correia de Campos, apenas três meses após a tomada de posse do Governo, enaltecia a capacidade da tutela de centrar o discurso no cidadão, em vez de na gestão. Três relatórios depois, esta incapacidade é uma das críticas mais fortes do documento ao ministério de Correia de Campos”.
Sei bem das limitações deste modelo de Estado Social. Sei bem que a situação do País aconselha à contenção. Mas não creio que esta bateria de estudos recomendando o corte aqui, a redução além, o fim ou a compressão de direitos e garantias, crie um clima favorável à mobilização da sociedade civil para a aceitação de um novo paradigma de Estado. O que criam é a convicção geral de um determinismo que conduz a um inevitável sentimento de impotência e de pessimismo e à falta de confiança no papel da política e dos políticos.
Há, porém, um efeito positivo que reconheço aos estudos. O de começar a revelar o fosso que separa o discurso eleitoral da praxis política. O DN de hoje dá nota do relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Para além de revelar algo que todos os portugueses já sabem, isto é, que as políticas de saúde deste Governo revelam “pouca sensibilidade social”, permite a análise certeira com que o jornalista termina a peça sobre o referido estudo:
“O primeiro relatório da era Correia de Campos, apenas três meses após a tomada de posse do Governo, enaltecia a capacidade da tutela de centrar o discurso no cidadão, em vez de na gestão. Três relatórios depois, esta incapacidade é uma das críticas mais fortes do documento ao ministério de Correia de Campos”.
Já sabíamos da farsa, mas de vez em quando é bom saber que há sábios que usam material transparente nos biombos...
Caro Ferreira d'Almeida, já por várias vezes abordámos este tema da relação entre a política e a tecnica, e o fundamento de uma e de outra. A subversão do papel de cada uma, como bem refere, pode levar ao descrédito de uma e de outra. Há muitas graduações desta simbiose que, se for equilibrada, é essencial para a correcção, coerência e continuidade das políticas.Nos casos de poderes despóticos, basta a invocação do poder, e os fundamentos técnicos têm muito pouco relevo. Nos casos dos poderes fracos ou muito instáveis, o recuros aos fundamentos técnicos é dominante e, como diz, desresponsabilizador. Vi Há tempos uma conferência na Gulbenkian onde a questão foi muito bem tratada creio que por Eduardo Lourenço. Dizia ele que o conhecimento científico é, por natureza, autodestrutivo, porque é ao por-se permanentemente em dúvida que progride e inova. A política, por sua vez, tem que procurar a estabilidade, soluções duradouras e que mereçam o crédito e a confiança dos cidadãos, apoiando-se no conhecimento, sem dúvida, mas vendo para além do que ele trata, perspectivando as consequências numa amplitude muito maior, uma vez que trata de um campo diferente de acção. Ao misturar tudo, os políticos e os técnicos que se arvoram em políticos, caem no descrédito, porque as pessoas são levadas a areditar que, se as políticas foram erradas, foi porque os fundamentos técnicos estavam errados. É um problema muito geral, tratado a propósito do futuro das democracias...
ResponderEliminarCaro Ferreira de Almeida:
ResponderEliminarDiz que "já sabíamos da farsa, mas de vez em quando é bom saber que há sábios que usam material transparente nos biombos...". Pois há, só que a maioria o faz por incompetência ou distracção, já que são pagos precisamente para fazer tudo cada vez mais opaco, de modo a permitir que apareçam os ministeriais oráculos...