sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Mesmo não sendo, é preciso parecer...

A lei sobre o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado aprovada por unanimidade pelo Parlamento – embora não sendo inédito, a aprovação de uma lei por unanimidade constitui um facto raro – foi vetada pelo Presidente da República.
As notícias sobre este assunto foram muito parcas e do partido do governo e dos partidos da oposição as reacções foram fracas, sem conteúdo, com uma quase apenas manifestação de respeito pela decisão do Presidente da República. A comunicação social não se “interessou” e as forças vivas da nossa política remeteram-se ao silêncio. Não estará longe da verdade dizer-se que este silêncio foi também “votado” por unanimidade. Convenhamos que esta lei trata matéria da maior relevância. Pois é, mas não teve honras mediáticas!
A propósito deste dossier, li o interessante artigo de opinião do Dr. Vitor Bento “A propósito de um veto”, ontem publicado no DE, no qual o autor, para além de manifestar a sua opinião sobre a decisão do Presidente da República e sobre a decisão do Parlamento, apresenta e explica o conceito de “groupthink” para explicar o que no seu entendimento terá conduzido os deputados a votarem esta lei por unanimidade:

(…) Foi muito sensata a decisão do Presidente da República de vetar a lei sobre o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, apesar de a mesma ter sido aprovada por unanimidade no Parlamento. Ao classificar de sensata a decisão do Presidente, estou obviamente a classificar de insensata a decisão do Parlamento. Mas isto não significa que, por isso, considere os deputados insensatos. Julgo que o que se terá passado é um exemplo típico do que o psicólogo social Irving Janis, classificou, em 1972, de ‘groupthink’ e que poderemos traduzir por “decisão em grupo”. Trata-se de um processo de discussão que pode ocorrer em grupos coesos (ou com um desígnio estratégico comum) e cujos membros refreiam as suas dissensões e o seu espírito crítico, em favor da unanimidade da decisão, sacrificando uma análise racional e realista das situações e conduzindo a decisões erradas ou irracionais, que, de outro modo, não seriam tomadas. Apimentando o conceito, é o que frequentemente acontece quando os membros de um grupo de decisão submetem as suas opiniões ao crivo do “politicamente correcto”, acabando por dizer apenas o que “parece bem dizer”. O exemplo habitualmente citado para ilustrar este conceito foi a decisão de J F Kennedy (com os seus conselheiros), em 1961, que conduziu à invasão da Baía dos Porcos em Cuba. No caso da lei em apreço terá havido mesmo, no Plenário, algumas vozes discordantes do conteúdo da lei – argumentando no sentido em que o Presidente viria mais tarde a chamar os deputados à razão – mas isso não viria a obstar à sua aprovação por unanimidade. Aliás, no campo da decisão política e entre nós, não é difícil encontrar vários outros exemplos deste vício decisório. Lembremo-nos, por exemplo, da lei das incompatibilidades aprovada à pressa e a quente, num ambiente de elevada demagogia, em meados de 1995. Ou as decisões sobre a remuneração dos políticos e dirigentes da Administração Pública. (…)

Groupthink”, um conceito a reter e uma palavra que vou definitivamente incluir no meu léxico. Na política, e não só, o que é politicamente correcto e o que parece bem dizer está cada vez mais na moda. Não é assim que devia ser, mas é cada vez mais assim…

10 comentários:

  1. Um bom exemplo de "groupthink" é a atribuição do adjectivo "sensato" à decisão do Presidente da República em desrespeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos e atropelando as regras mais básicas do estado de direito. Ainda por cima com o tipo de argumentos que fazem de Portugal um país adiado.

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  2. Com todo o respeito que Vitor Bento me merece não concordo com a perspectiva dele a propósito desta unanimidade parlamentar mas concordo com o veto do Presidente, embora discorde de alguns fundamentos.

    Confuso? Eu explico:

    O caso da decisão tomada por Kennedy na "crise da Baía dos Porcos é, realmente, um exemplo paradigmático do "groupthink".

    Existem várias experiências, bastante curiosas, de verificação do efeito "groupthink" mas não penso que a unanimidade parlamentar
    observada na questão em causa tenha quaisquer contornos ajustáveis aquele feito.

    O "groupthink" pressupõe a submissão (inconsciente ou subconsciente) às posições de um líder e procura explicar, por exemplo, por que é que os generais alemães se curvaram quase sistematicamente perante o fuhrer.

    O efeito "groupthink" alastra em mancha de óleo e atingiu a maior parte da Alemanha no período que chocou a Guerra.

    Ora no caso das votações parlamentares o que se observa é, geralmente, uma atitude contrária, procurando os diferentes grupos tirar partido das eventuais vulnerabilidades dos outro grupos, nomeadamente dos que suportam o Governo.

    Neste caso do veto à Lei das Indemnizações por responsabilidade extracontratual do Estado, a unanimidade foi possível porque de um lado estão os cidadãos, que votam, e do outro o Estado, entidade abstracta que(quase) todos esconjuram mas a quem(quase) todos pedem abrigo debaixo do seu esburacado chapéu-de-chuva.

    Quando se diz que o Estado é (ou deve ser) uma pessoa de bem, usa-se uma fórmula politicamente correcta mas vazia de sentido. Porque o Estado são pessoas que nós podemos identificar e é nesse conjunto que estarão, ou não, estarão os fautores dos prejuízos causados aos cidadãos.

    O Presidente apresentou, tanto quanto julgo saber, três tipos de argumentos: bloqueamentos dos tribunais, fuga futura às responsabilidades por parte dos funcionários, despesas indomináveis.

    Não concordo com os dois primeiros, acho muito pertinente o último.

    Quem deve ser responsabilizado não deve ser o Estado mas os funcionários acusados e considerados culpados de negligência grave ou dolo.

    O Estado tem fraco poder negocial junto de alguns interlocutores. Sabemos todos que, por exemplo, as obras geridas pelo Estado custam geralmente o dobra e demoram o dobro do prazo, porque entre os valores das propostas e os valores pagos há uma torrente imparável de revisões de preços.

    Se for aberta a torneira de forma franca há muitos cambalachos que podem ser engendrados. A literatura policial está cheia de exemplos e a realidade excede sempre a ficção.

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  3. Caro Tonibler
    Será que o pensamento dominante instalado vai no sentido de entender que é sensata a decisão do Presidente da República (PR)? Não sei…
    Li a mensagem do PR que fundamenta a não promulgação do novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Não creio que esteja em causa o "desrespeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos e atropelando as regras mais básicas do estado de direito". No comunicado da PR pode ler-se: "Sem questionar a oportunidade da introdução de um novo modelo de responsabilidade civil extracontratual do Estado, o PR considera que várias soluções constantes do diploma podem ter consequências financeiras cuja razoabilidade, em termos de esforço fiscal dos contribuintes, é questionável, podendo também gerar uma sobrecarga sobre o aparelho judiciário e, ainda, colocar graves problemas de funcionamento da Administração Pública".
    Estou convicta que o actual regime que data de 1967 não responde à defesa dos interesses dos cidadãos e que portanto é inequívoca a necessidade de o alterar. As preocupações do PR são respeitáveis e poderão ser pertinentes numa lógica de eficácia e proporcionalidade da aplicação do novo regime.

    Caro Rui Fonseca
    Admito que o conceito de "groupthink" tenha funcionado no caso da unanimidade da lei em questão.
    Do seu comentário há um parágrafo que pode explicar porque funcionou o conceito. Quando refere: "Neste caso do veto à Lei das Indemnizações por responsabilidade extracontratual do Estado, a unanimidade foi possível porque de um lado estão os cidadãos, que votam, e do outro o Estado, entidade abstracta que(quase) todos esconjuram mas a quem(quase) todos pedem abrigo debaixo do seu esburacado chapéu-de-chuva."
    Numa matéria tão melindrosa quem é que no momento da verdade, na votação, teria a ousadia política, no que seria considerado "politicamente incorrecto", de afirmar uma perspectiva contrária ao pensamento dominante? Quem estaria disposto a expressar no voto um ponto de vista que fosse depois catalogado como uma posição antidemocrática do tipo "contra os direitos dos cidadãos"? Na lei em questão, as divergências políticas quanto às repercussões das soluções adoptadas, que julgo existem, foram menorizadas face à vontade política de aprovar a nova lei em torno da qual o consenso político foi mais fácil de obter, tendo conduzido à unanimidade.

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  4. Cara Margarida
    Tenho para mim que seria muito mais interessante dissecar as razões avançadas pelo Sr. Presidente da Républica,que no seu entender justificam a sua atitude a de chumbar a lei em causa, cujo texto - não posso estar mais de acordo com uma opinão já exposta - não mereceu, pasme-se, da parte dos orgãos de informação,a qualquer nível,uma correcta e uma ampla abordagem em ordem a esclarecer serena e ajuizadamente a opinião pública, sobre as origens e as consequências sociais e políticas que estão na base da aprovação no parlamento e depois, do veto presidencial. No meu entender, não se podem por em causa, sejam quais forem as dificuldades com que se debate a gestão pública - e lá estamos nós a pensar sistematicamente na variável finanças, as obrigações do Estado no contexto em questão, sob pena de se subverterem e inquinarem os princípios que caracterizam um estado de direito,que é ou não é. Daí que, muito embora ache interessantíssimo o debate implantado, sobre as raizes do fenómeno social a que se resolveu chamar groupthink, só o considero com real objectividade no caso vertente, se servir para explicar a unanimidade do sentido de voto verificado no parlamento.

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  5. Elegante, este conceito de "groupthink".
    Recordo-me da discussão sobre incompatibilidades, em particular a de 1995.
    Na altura fez-me lembrar um leilão: um proponente faz uma "oferta", logo aparece outro a "cobrir"... Prolongou-se pela noite dentro e, no fim, como se diz em física, ficou um sistema com as "ligações congeladas", que foi um sarilho para desatar.
    Agora, julgo que terá havido défice de discussão: muita gente potencialmente abrangida pelo diploma devolvido ainda não se terá pronunciado sobre os respectivos efeitos.

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  6. Volto, porque reparo que o conceito de "groupthink" parece ser o tema central deste "post" e, por isso mesmo, gostaria de acrescentar mais algumas razões pelas quais me parece menos bem utilizado no contexto da unanimidade à volta da proposta que foi submetida à promulgação do PR.

    Um dos exemplos de experiência "groupthink" (a que poderíamos chamar sentido de rebanho) consistiu na convocação para uma sala de grupos heterogéneos de pessoas (duas ou três dezenas de cada vez, salvo erro) às quais era mostrado um quadro com linhas direitas, salvo uma que era ligeiramente, mas visivelmente, torta. Era perguntado um a um dos presentes na sala se as linhas eram todas direitas ou não. O primeiro a responder (era um membro do grupo de investigação) respondia afirmativamente. Concluiu-se, então, que consistentemente cerca de 80% dos cobaias respondiam de acordo com a primeira resposta.

    O "sentido do rebanho" não envolve considerações dos seus membros relativamente a quaisquer membros fora do grupo. Quando a questão da "Baía dos Porcos" foi discutida a resolução seguiu o discurso do primeiro interveniente, salvo erro, de Robert Kennedy. Não foi tomada em função de qualquer expectativa da opinião americana.

    Ora, neste caso da unanimidade observada à volta das indemnizações por reponsabilidade civil extracontratual do Estado, o factor determinante não foi a posição de quem falou primeiro mas as expectativas que todos os grupos políticos têm acerca da reacção dos cidadãos quando se trata obter favores, subsídios ou reembolsos do Estado.

    O que esta proposta tem de aliciante para essa unanimidade é que ninguém sabe quanto custarão as consequências da sua aplicação.

    Senão fosse essa opacidade o factor fundamental, Marques Mendes já teria proposto no Parlamento a redução dos impostos e todos os outros o teriam seguido para grande satisfação do meu Amigo Pinho Cardão (e minha, claro!)

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  7. Caro antoniodasiscas
    Mais uma vez uma matéria da maior relevância, em que está em causa a violação dos deveres do Estado no exercício das suas funções administrativas, jurisdicionais, políticas e legislativas e o direito de os cidadãos serem ressarcidos pelas perdas e danos causados, não suscitou o interesse da opinião pública. Ao nível político o "pacto" de unanimidade remeteu a discussão para um círculo fechado tendo o assunto apenas merecido alguma atenção da comunicação social no momento em que o diploma foi objecto de veto por parte do Presidente da República. Mas rapidamente a análise política centrou-se no tema da cooperação institucional entre Primeiro Ministro e Presidente da República.
    Concordo quando refere que "não se podem por em causa, sejam quais forem as dificuldades com que se debate a gestão pública - e lá estamos nós a pensar sistematicamente na variável finanças, as obrigações do Estado no contexto em questão, sob pena de se subverterem e inquinarem os princípios que caracterizam um estado de direito,que é ou não é."
    Este é um princípio geral irrefutável, que creio é comungado na sua essência pelos nossos deputados. Enquanto princípio não tem discussão; o que poderá ser ponderada é a delimitação das funções do Estado para efeitos de apuramento de responsabilidades extracontratuais decorrentes de actos ou omissões praticados lesivos dos direitos e interesses dos cidadãos.

    Caro just-in-time
    Estou de acordo com a sua nota de que terá havido falta de discussão, à qual acrescentaria ex-ante e ex-post. Ex-ante já lá vai e ex-post suponho que teremos que aguardar. A reacção anémica ao veto poderá ser explicada pelo facto de existir uma unanimidade. Será que se o diploma voltar a ser agendado no Parlamento para discussão e análise das questões levantadas pelo Presidente da República, se irá manter a serenidade da unanimidade ou vamos ter uma análise mais fria com vozes discordantes? Será que a "elegância" se vai manter?

    Caro Rui Fonseca
    Concordo que no caso da unanimidade em torno do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado não se aplica o "comportamento de rebanho" e não há distinção entre "investigadores" e "cobaias".
    Na verdade, quem poderiam ser as vozes discordantes da necessidade de defender os cidadãos dos abusos, arbitrariedades, omissões e prepotências do Estado? A reposta é nenhuma! Porque, de facto vivemos num Estado de direito e o Estado deve responder por acções ilícitas ou omissões que pratica e que prejudicam os direitos e interesses dos cidadãos. Mas quem é o Estado? Confunde-se com os dirigentes ou os funcionários? O que é a função política e legislativa do Estado? O que acontece se o legislador legislar num sentido? Pode um cidadão reclamar que deveria ter legislado noutro? As respostas não são indiferentes nos resultados, sejam financeiros sejam em termos do nível de litigância. Admito que são questões como estas que devem ser muito bem ponderadas, sob pena de subvertermos o princípio inicial.
    Será que o conceito de "groupthink" vai funcionar neste patamar de discussão?

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  8. Margarida:
    Será groupthink ou sinkgroup?
    Inclino-me mais para o segundo, quando penso na AR e no seu excepcional desempenho em benefício do País.
    Neste caso, apesar do muito respeito que me merecem as opiniões de V.B., tenho muitas dúvidas.

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  9. Dr. Tavares Moreira
    Não estará a ser demasiado "castigador"?

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