sábado, 11 de agosto de 2007

“Viajar com um bacilo”…

Foi noticiado que um autocarro com uma passageira, sofrendo de uma forma grave de tuberculose multiresistente, partiu de Portugal com destino a França, no passado 28 de Maio, tendo parado 17 vezes em território nacional.
As autoridades de saúde francesas lançaram o alerta, tendo as equivalentes portuguesas tomado as necessárias medidas com o objectivo de identificar e rastrear os contactos. Para o efeito, a comunicação social procedeu, e bem, à divulgação do apelo. Ao fazê-lo, permitiu que as pessoas, que usaram aquele meio de transporte, possam ser objecto de estudo e vigilância clínicas.
Esta história, fez-me recordar o recente caso de Andrew Speaker, o norte-americano que sofre de uma forma particularmente grave de tuberculose muito resistente (XDR-TB). O doente, sabendo o que tinha, comprometeu-se a não viajar, para não por em risco a saúde de terceiros. Cumpriu? Não! Ao viajar por vários países colocou em risco a saúde de mais de seiscentos passageiros de diversos voos.
A tuberculose, apesar de todos os esforços efectuados no último século, continua a matar 1,7 milhões de pessoas todos os anos. A resistência à terapêutica, comum a muitas bactérias, aliada a deficientes medidas de controlo, podem causar verdadeiras dores de cabeça às diferentes comunidades com consequências sociais e económicas.
A tuberculose XDR é um caso muito sério para a qual não há arma para a tratar. Convém não esquecer que nas últimas décadas pouco se tem feito para descobrir novas terapêuticas e vacinas.
A medida mais eficiente, em termos de controlo de uma doença infecciosa com estas características, é a quarentena, velha de sete séculos!
O caso de Andrew Speaker ilustra que os princípios éticos de cooperação com a sociedade, não expor conscientemente outras pessoas, podem ser ignorados de forma ostensiva.
É fácil equacionar o que irá acontecer, em breve, ao serem confrontados os direitos da comunidade face ao direito do indivíduo doente. O pendor oscilará para os primeiros, prevendo-se a restrição da liberdade deste, caso não obedeça às regras a serem definidas. A corrente de colegas que exigem o internamento compulsivo de doentes que não cumprem com a terapêutica, mormente, a tomada de fármacos sob vigilância directa de profissionais de saúde, começa a colher elementos a seu favor.
Esperemos que sejam feitos mais investimentos de forma a descobrir terapêuticas mais efectivas, a melhorar os mecanismos de vigilância e de diagnóstico das formas graves e, sobretudo, evitar que os doentes tipo Andrew Speaker ponham, conscientemente, em risco a saúde de qualquer um de nós.
Há um último ponto que gostaria de referir e que resultou da leitura de “O Regresso do Paladino" do escritor mexicano Antonio Sarabia, quando descreve uma cerimónia macabra de segregação do leproso, verdadeiro funeral em vida do suspeito de doença, numa capela presidida por um padre, durante a Idade Média. As medidas legislativas, a serem produzidas, deverão tomar em linha de conta princípios amplamente contemplados em cartas e declarações universais, evitando a criação de novas medidas de segregação, alimentando o terrível estigma, que ainda vigora entre nós, sempre que a alguém é diagnosticado tuberculose…

9 comentários:

  1. Só uma sugestão Sr. Professor MC

    Reconheço a actualidade do problema, mas seria pedir muito que nos presenteasse com um post sobre a feniletilamina.

    Reconheço a existência de doentes muito difíceis de tratar, têm muitos truques na "manga", pelo sim pelo não convém mesmo confirmar as tomas...

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  2. Caro Professor,
    em O Regresso do Paladino. Onde é contada a aventura de um cavaleiro francês,que, no século XIV, depois de ser expulso da corte de Filipe, o Belo, procura refúgio em Granada ainda muçulmana. O autor esqueceu-se de referir que a cura para a lepra, Já no Século XII era do conhecimento dos médicos árabes. Os médicos de Saladino, já conheciam a cura para o mal que vitimou o rei cristão de Jerusalem, o qual enviou o monge-cavaleiro Morgennes da Ordem dos Hospitalários, em busca dessa cura.

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  3. Cara Chevalier de Pas

    Com muito gosto. Dê-me algum tempo para pensar. Sintetizar um tema destes não é fácil.

    Caro Bartolomeu

    Vejo que gosta deste período e das vivências da época. Agradeço a informação que nos deu relativamente ao episódio que nos contou.
    O tal cavaleiro francês foi mesmo em busca de tratamento, socorrendo-se de um físico judeu que vivia em Granada.
    Quanto à medicina árabe de então, reconheço que tinham um avanço substancial.

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  4. gostaria de discutir essa temática com a chevalier e o seu ponto de vista .chevalier e se me mandasse um mail?

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  5. A sua "visão" está muito certa caro professor, só não esá completamente certa, porque, para além deste periodo, todas as épocas passadas me interessam. Isto porque, na minha "visão", o presente, assenta naquilo que foi o passado, e do que dele chegou ao nossos conhecimento. Tal como Einstein nos deixou provado, o futuro, a acontecer, será o resultado matemático de uma equação onde um dos dados do enunciado é o passado.
    Depois, pelo meio vão aparecendo personagens como o médico otorrinolaringologista cujo centenário do nascimento em S. Martinho da Anta se comemora hoje.
    O Sr. Professor conheceu pessoalmente Miguel Torga?

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  6. Caro Bartolomeu.
    Quantas vezes me cruzei com ele! Quantas! Enquanto descia a Couraça de Lisboa de manhã, ao deslocar-se para o seu consultório, eu subia-a indo para o velho hospital!
    Pessoalmente não.
    Desde muito novo que leio e releio a maior parte da sua obra. Gosto imenso.
    Recordo um episódio que me tocou e me encheu de orgulho. Há muitos anos, em Santiago de Compostela, realizou-se um congresso de Cardiologia Luso-Espanhol, onde fui apresentar um trabalho. Era um jovem interno. Na cerimónia de abertura, o presidente do congresso fez a sua conferência de abertura. Às tantas, conta a seguinte história: um dia agarrou no seu filho, meteram-se no carro e rumaram a Coimbra. Quando chegaram ao Largo da Portagem, apontou um edifício e disse para o filho que era ali que trabalhava o maior escritor de língua portuguesa que um galego não podia nem devia ignorar e futuro prémio Nobel. Não foi. Mas que importa? Para nós será sempre um Grande.

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  7. Fico-lhe muito agradecido pela partilha, caro professor.
    :)

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  8. Também me impressionou essa notícia e achei muito interessante que se tenha decidido avisar os que seguiam no mesmo autocarro para poderem tomar as necessárias medidas. Mas, ao mesmo tempo, como poderão as pessoas proteger-se de todos os contágios possíveis, quantas e quantas vezes se viajará ao mesmo tempo, ou se estará no mesmo sítio com pessoas contaminadas? Não vamos ficar todos um bocado paranóicos, ou passar a exigir-se que se ande com um certificado de saúde no bolso? Com a capacidade da medicina detectar hoje as mais variadas doenças perigosas e com a divulgação que os media conseguem fazer, acabaremos por estar quase todos de quarentena, ou por estarmos doentes ou por querer conservar uma ilhota de saúde...Também me lembrou o livro de Saramago Ensaio Sobre a Cegueira, um livro terrível que tive dificuldade em ler na íntegra, em que os cegos eram cada vez mais, os locais onde os fechavam estavam cheios, a certa altura eram quase todos cegos e os que viam e podiam andar livremente eram tão poucos...O medo é uma coisa terrível e os seus efeitos são os mesmo que na idade média. Quando toca à sobrevivência...

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  9. Não se pode evitar a protecção total, como é óbvio.
    Os riscos são reais e exigem medidas que ainda não estão esgotadas. Uma vigilância epidemiológica mais efectiva; tratamentos adequados, de forma a evitar a crescente resistência a antimicrobianos, investigação de novos fármacos, transmissão de informação em tempo útil, aconselhamento correcto dos doentes, medidas legislativas mais consentâneas com a realidade.
    Não esquecer que a velocidade de contacto entre humanos se processa hoje setecentas vezes mais rápida do que há pouco mais de dois séculos. O planeta está a “encolher” de forma muito significativa.
    O medo é real, e o que se avizinha não é nada agradável…

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