Numa das muitas conferências que sempre acontecem por alturas das presidências comunitárias - desta feita sobre a importância da chamada "justiça electrónica" - um dos participantes (o Engº Mira Amaral) avança com a prognose de que a reforma da justiça em Portugal pode aumentar a taxa de crescimento económico "entre 0,5 e 1 ponto percentual ao ano", aproveitando para elogiar o Secretário de Estado da Justiça pelas medidas que tem dinamizado neste sentido. Contas feitas, a crer na profecia, bastaria estender a reforma por uns dez anos e teríamos aí a receita para, somente por este factor, a economia portuguesa crescer entre 5 e 10 pontos percentuais!
Não sei bem a que "reforma da justiça" se refere o Engº Mira Amaral. Mas essa é outra questão cuja análise ocuparia muitas linhas.O que noto é que quem avança com estas quantificações raramente revela em que dados se baseia, que contas é que fez para chegar à previsão e que critérios utilizou.
No caso concreto, não sei se existe algum estudo que a avalize. Existindo, valeria a pena entender os presuspostos de que partiu, os dados em que se fundou.
Aliás, Portugal está nesta matéria em linha com a Europa na tendência para tudo quantificar.
Percebo a importância dos prognósticos. Mas também me habituei a perceber que números existem para todos os gostos. E entendo - e cada vez mais portugueses entendem - o jeito que dão ao discurso político, em especial ao discurso do Governo.
O quotidiano vai-se infelizmente encarregando de revelar a realidade para além dos números.
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O que antecede não significa que duvide da importância de uma justiça célere e eficaz no desenvolvimento social e económico do País. Mas é bom que se tenha consciência que os meios electrónicos não são a panaceia para os males de que o sistema judiciário padece. Antes fossem. Os problemas são muito mais profundos e não encontram somente as suas causas nas acções e omissões do Estado. Aí é que a teoria económica pode dar um bom contributo: é que de bem escasso a justiça passou a serviço banal (sem que, paradoxalmente, se tenha democratizado). E é neste fenómeno que reside a explicação para a crise que se instalou há décadas e que poucos responsáveis têm tido a capacidade de compreender.
Então, de acordo com o Eng. Mira Amaral, se baixarmos os impostos sobre o rendimento de 0.5% a 1%, compensamos os custos da ineficiência da justiça? Brilhante!
ResponderEliminar(Já repararam que dizer "x por cento" não tem o impacto de previsão económica que dizer "x pontos percentuais"? Um sujeito que diz "um por cento" não deve perceber nada de economia...)
Caro JMFA,
ResponderEliminarDepois de ler as notícias do dia, percebi o elogio de Mira Amaral à "reforma da justiça". Certamente ele estaria a falar na qualidade administrador da Novabase que já deve ter vendido uns projectos de "reforma da justiça" na forma de tabelas de bases de dados. E os jornais devem ter-se esquecido de mencionar que era nessa qualidade que o Eng. Mira Amaral estaria a falar. Se fosse o Pereira Coutinho a falar, diria que a reforma se faria com Volkswagens...
Estratégia de comunicação, Caro Ferreira de Almeida!...
ResponderEliminarCreio que muito poucos se perguntarão sobre a forma como se estimou aquele valor. Provavelmente, nem sequer foi estimado. Mas que interessa isso, perante o impacto da comunicação? A partir de agora, vamos ter a citação permanente do número do Eng. Mira Amaral como verdade indiscutível. E assim se criam mitos!...
Claro que uma justiça eficaz e célere é absolutamente necessária para o bom andamento das empresas e da economia. É intolerável que se arrastem processos, mais ou menos importantes, de há vinte anos a esta parte.
Não meu caro Tonibler. Creio que o senhor Engº Mira Amaral falará na conferência na qualidade de dirigente do Forum para a Competividade.
ResponderEliminarNão lançaria, pois, esses processos de intenção...
Ao economista compete compreender os fenómenos (acções, factos) económicos e sociais quantificando causas e consequências. Não lhe sendo possível fazê-lo da forma experimental a que recorrem as chamadas ciências exactas,tenta descortinar tendências através de modelos mais ou menos complexos.
ResponderEliminarÉ fácil perceber que um dos factores de repulsão do investimento em Portugal é a lentidão da Justiça e, consequentemente, a propensão para o não estrito cumprimento dos contratos. Todos sabemos que é assim, avaliações feitas com resultados publicados demonstram que este é, geralmente, um dos aspectos considerados mais negativos das externalidades do investimento em Portugal. Muito mais do que a tributação fiscal.
Sendo assim, o economista, tenta quantificar o efeito desta condicionante.
Não sei como é que Mira Amaral chegou aos números que divulgou nem quais os métodos utilizados.
Admita-se que estejam errados, mas é uma má admissão. Só há uma forma correcta de contrapor: pôr em causa o método ou apresentar outros resultados de forma que possam ser escrutinados.
Uma coisa tenho por adquirida há muito: Os portugueses, em geral, fogem dos números como o Diabo da cruz.São incómodos. Talvez seja esta atitude uma das razões do elevado grau da nossa irresponsabilidade colectiva.
No caso da Justiça, tenho para mim, por verificação empírica durante muitos anos, que é demasiado elevada.
Caro JMFA,
ResponderEliminarNem eu disse que lançou. E o Eng. Mira Amaral certamente saberá separar as águas e fazer o devido "disclamer".
Caro Ferreira d'Almeida,partilho da sua desconfiança geral quanto aos números e percentagens que estão sempre a dar como certas mil e uma teorias e as suas contrárias. Pode acontecer que estejam certas, convém é que chegue a explicação, os números, só por si, permitem muitas leituras.
ResponderEliminarClaro que o fará, Tonibler. Ambos sabemos que assim será.
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