quinta-feira, 13 de setembro de 2007

“Rua da Adega”...

Ao longo da vida tenho ouvido as mais disparatadas explicações sobre certas doenças e a sua relação com o álcool. Algumas são mesmo divertidas, outras nem por isso.
Todo o cuidado na passagem de atestados médicos para efeitos de condução é pouco. Sabemos que muitos condutores, sobretudo os mais idosos, apresentam algumas limitações com efeitos nefastos para si e para os outros.
Um utente, esquecendo-se de renovar a carta, solicitou-me um atestado, porque fazia 65 anos. Não o conhecia. Entabulei a necessária conversa, enquanto analisava a sua ficha clínica. Foi então que lhe perguntei como estava o fígado. Respondeu-me que devia estar bem. – Mas não bebe, pois não? – Oh senhor doutor, para lhe ser sincero digo que quando a comida é “seca” bebo um copito. Mas só um! Ainda hoje almocei grão com bacalhau. Ora um prato destes “obriga-nos” a beber um copo. Mas quando a comida não é “seca” passo um ou dois dias sem beber. – O senhor não devia beber nada, porque as análises que fez há pouco tempo mostram alterações do fígado. Ficou sério, rematando: - Isso senhor doutor é culpa do sargento! – Do sargento?! – Claro! Foi em 1963. – Em 1963?! – Na altura tinha acabado de ficar apurado para a tropa, mas não queria ir para a Guerra. Então, um sargento disse-me o que deveria fazer: solicitar ao hospital militar exames médicos, dizendo que sofria do fígado, mas para isso tinha que o fazer “inchar”. – “Inchar” o fígado?! Como? – Respondeu-me com ar meio aborrecido: - Tomando todos os dias, durante uma semana, uma gemada feita com seis ovos, seguida de meio litro de aguardente. No último dia, já no hospital, bebi três quartos de litro. Ia morrendo! De manhã a cama estava toda suja. O médico descobriu a marosca e disse-me que se não me apresentasse no quartel ainda ia preso. Regressei logo. Em seguida fui para a guerra durante 28 meses. Para provar a veracidade da afirmação arregaça a manga do braço direito mostrando uma tatuagem de “África”.
Enquanto o exame decorria, a conversa continuou com as histórias da guerra, do vinhito pouco graduado que se fazia lá em casa e no imperativo em o beber, mas só quando as comidas fossem “secas”.
Comecei a preencher o atestado médico, ao mesmo tempo que lhe chamava a atenção para os cuidados a ter com a condução e o álcool. – Não há perigo! Eu bebo só um copito... Acto contínuo, interrompendo-o, lancei-lhe: - Quando as comidas forem “secas”! - Claro! E a seguir faço uma sesta. – Pois, pois!
Muito bem! - Tenho aqui o seu bilhete de identidade, mas preciso da sua morada. Onde vive? – Em tal parte, na Rua da Adega. – Rua da Adega?! - Mesmo a propósito...

6 comentários:

  1. Caro Professor Massano Cardoso
    E teve muita sorte em não ir desta para melhor, com os 42 ovos e os três litros e meio de aguardente!?
    E ainda por cima foi apanhado. De nada lhe valeu tamanha enormidade gastronómica.
    Depois do que passou, um copito para molhar uma comidita "seca" até tem graça!

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  2. Excelente... exame, caro professor, excelente descrição.
    A propósito do copito, lembrei-me do que se passou ha dias comigo, quando me desloquei ao Porto para assistir ao festival aereo do Red Bull e fui jantar uma "frandesinha" ao Capa Negra, (passo a públicidade). A hora já era um pouco adiantada e decidi pedir uma caneca de imperial para "demolhar" a francesinha. A sorte é que o olho arguto do funcionário que me atendeu, percebeu que uma caneca de imperial para um "mouro", não tem a mesma "mililitragem" que tem para um "murcõe". Vai daí alertou-me, olhe que as canecas são de litro. Apre... vim para jantar, não foi para tomar banho.
    Será que a capacidade do copito que o "seu" utente ingere, não anda lá pelo litrito, não?
    :))

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  3. Tadinho do senhor...
    "O pecado mora ao lado"

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  4. "Sssselente" caro Professor, "Ssselente"!

    Sabiam que comer no McDonald's, durante 1 mês, faz a mesma coisa ao fígado? Eu também não sabia, mas foi o que vi naquele filme chamado «Super Sized Me».

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  5. Temos que reconhecer que o homem era rijo! Conhe�o um que, para se livrar da tropa se fez passar por doido. andou a treinar muito tempo antes e na inspec�o mandaram-no para o hospital, fazer testes sobre testes, e ele sempre a apurar a t�cnica da loucura. passou meses a ser observado, a receitarem-lhe calmantes e, por fim, foi t�o convincente que se livrou mesmo da tropa. Acho � que nunca mais recuperou o tino...quando quer renovar a carta finge que regula bem dos miolos.

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