terça-feira, 11 de setembro de 2007

“Sindroma de status”...

A esperança de vida constitui, a par de muitos outros, um bom indicador do desenvolvimento de uma comunidade.
Quando Cristo andava pela terra, a esperança de vida rondava os 25 anos, mantendo-se praticamente inalterável até meados do século XIX, período em que começou a aumentar, atingindo os 40 anos no princípio do século XX. Desde então, nos povos mais desenvolvidos, tem sofrido um aumento substancial aproximando-se dos 80 anos, contrastando com os mais pobres. A diferença actual entre os dois mundos é da ordem dos 30 anos! Enquanto nos mais ricos a esperança de vida aumentou sete anos desde 1970-75, nos mais desfavorecidos, caso dos povos subsaarianos, o aumento foi apenas de quatro meses!
As causas destas diferenças são conhecidas, originando a criação de um novo síndroma, a “síndroma do status”, sinónimo de desigualdades sociais.
Acontece que esta síndroma não se verifica somente entre os países mais ricos e os mais pobres. Também, dentro do mesmo pais, é possível encontrá-la. Há mais de 25 anos, no famoso estudo Whitehall, o epidemiologista britânico, Professor Marmot, tinha chegado à conclusão de que o risco de morrer era quatro vezes superior nas camadas sociais mais baixas face às das classes mais elevadas.
Adoecer e morrer prematuramente tem a ver com as condições socioeconómicas, as quais estão associadas à pobreza, às más condições alimentares, às deficientes condições das habitações, às atitudes e comportamentos face aos diferentes tipos de factores de risco.
Durante muito tempo chamou-me a atenção o facto de muitos, mas mesmo muitos, filósofos e “homens do pensamento” viverem muitos anos, apesar das épocas em que se notabilizaram não serem profícuas em elevadas esperanças de vida! O contraste era tão flagrante, que acabei por admitir que a melhor maneira de atingir idades provectas era dedicar a vida ao “pensamento e à reflexão”. Quase que me apeteceu chamar de “efeito do filósofo” a este fenómeno de longevidade.
Mas tem que haver razões para isto tudo. De facto, passar a vida a fazer o que se quer não é para qualquer um, infelizmente. É preciso “empoderamento”!
O “empoderamento” (em inglês: empowerment) “é utilizado para designar um processo contínuo que fortalece a autoconfiança dos grupos populacionais desfavorecidos, os capacita para a articulação de seus interesses e para a participação na comunidade e que lhes facilita o acesso aos recursos disponíveis e o controle sobre estes”.
Há vários tipos de “empoderamento”. Um deles tem a ver com as necessidades materiais, permitindo, por exemplo, adquirir alimentos ou roupa para as crianças. Se não conseguirem não têm capacitação. A par deste tipo, outro, de origem psico-social, permite o controlo das suas vidas e, por fim, destacamos ainda um terceiro tipo, o empoderamento politico, ou seja ter “voz activa”.
Um pais como o nosso, em que dois milhões de pessoas vivem na pobreza, logo desprovidas de “empoderamento económico”, a que podemos associar ausência de “controlo das suas vidas” (neste caso serão muito mais dos que os dois milhões), e a dificuldade em usar a “voz” por motivos variados, “explica” muito da patologia que infelizmente grassa por aí.
Os responsáveis governamentais “esquecem-se” das chamadas terapêuticas políticas, descurando o campo da medicina social tão bem desenhado, há mais de 150 anos, por Virchow. O enfoque dado às medidas curativas, embora úteis, sem sombra de dúvida, não consegue ir ao cerne da questão. As desigualdades sociais que estão na base da “síndroma do status” têm que ser tomadas em consideração, de outro modo continuaremos a adoecer e a morrer de forma desigual impedindo o desfrutar de algo semelhante ao “efeito do filósofo”, mas com saúde...

1 comentário:

  1. Caríssimo Professor M.C., A matéria que recheia o seu excelente post é realmente interessante. Para mim, duplamente interessante, na medida em que, de uma forma não científica, tenho tambem reflectido muito acerca dos motivos e das causas que influenciam a longevidade. Também já me tinha aproximado da sua teoria acerca do "efeito do filósofo", porém numa direcção diferente, no que respeita ao efeito. Para mim, o filósofo, aquele que pensa e reflecte sobre o porquê da vida e o porquê da existência de cada ser individual, conclui invariávelmente que acima de nós existe algo que nos comanda, que direcciona os nossos passos e decisões, e que essas decisões, deveriam ser da exclusiva vontade de cada um, na medida em que somos seres pensantes e individuais.
    Ora essa conclusão, inconclusiva, leva o pensador a colocar-se no limbo do conhecimento de si próprio, uma vez que conhece a matéria, a sua origem e o modo como se transforma, mas desconhece completamente aquilo que a sujeita a regras incontroláveis e imprevisíveis.
    Reflexões semelhantes, levaram os pensadores a concluir que existe algo indefinível a alcançar... o empoderamento que conferirá ao homem o conhecimento de si mesmo e da finalidade da sua existência.
    Bastantes pensadores e filósofos concluiram que esse empoderamento é possível de conseguir, "treinando" a matéria e o espírito para atingir a posse do "nada".
    Daí a filosofia monástica de algumas ordens, cuja regra era precisamente o despojo de qualquer bem material, a favor daqueles que menos possuíam.

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