segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Acertar o passo - II

O post anterior vem a propósito de pelo menos duas das propostas que me apercebi terem sido feitas pelo novo líder do PSD no encerramento do Congresso: (i) a extinção do Tribunal Constitucional (TC) e a translação dos seus poderes para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ); e (ii) a regionalização.
São duas ideias – chamemos-lhe bondosamente assim – que notoriamente não foram amadurecidas como o deveriam ser para constituirem parte de uma nova catequese partidária anunciada no Congresso que prometeu uma vida nova.
A alocação dos poderes de fiscalização abstracta da Constituição no STJ faz pouco sentido como o haverão de demonstrar vozes do próprio PSD, e outras independentes, se dentro de dias a coisa não cair esquecida no arquivo sem fundo das propostas inconsequentes.
Estou aqui particularmente à vontade porque desde 1982 que discordo do actual modelo. Luis Filipe Menezes detectou – com inteira razão – uma grave disfunção do sistema ao dizer o que até agora todos calaram: existe excessiva partidarização do TC.
No entanto, o problema não está na existência do Tribunal. Está sim nas regras de nomeação dos juízes que consentem que alguém que foi nomeado juiz hoje, daqui a um mês esteja sem pinga de rebuço a defender com grande vigor no Governo o projecto de um partido.
A mesma ligeireza se nota na "proposta" de regionalização. Esquece-se que o PSD avançou com um modelo em 2002-2003 substanciamente diferente daquele que se pressente que a nova direcção do PSD prefere. Abandonou-o? Admito que haja razões para o fazer, pois já me convenci que a descentralização feita pela via da criação de entes supramunicipais não pega de estaca. Ou está suficientemente enraizada ou pura e simplesmente não vinga.
Porém, se abandonou o modelo que levou a letra de lei, se quer agora erguer uma bandeira que ajudou a derrubar no referendo, espera-se que explique o que mudou entretanto no País. Ou, pelo menos, que factores contribuíram para tal mudança de convicções. Julgo honestamente não ser exercício de grande complexidade.
Espera-se, assim, que se densifiquem as propostas para que ganhe definitivo corpo a ideia de que temos alternativa feita não de vagos propósitos e de discursos inflamados, mas de soluções que, para serem sustentadas e aceites, têm de ser suficientemente reflectidas.
Com imediatismo e superficialidade não vejo que o PSD lá vá.

8 comentários:

  1. Boa análise, caro Ferreira de Almeida!...

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  2. Caro JM Ferreira de Almeida,

    Quanto ao TC, genericamente, partilho esta sua análise. Já no que toca às suas considerações sobre a Regionalização, aqui ... estou muito pouco de acordo.

    Como sabe Sá Carneiro era um fervoroso adepto das regiões administrativas. Marcelo que também se intitulava de regionalista diz que, na altura, impôs o referendo pelo facto de não concordar com o modelo das 8 regiões. Assim sendo, não entendo onde é que foi desencantar esta ideia que o PSD é contra a regionalização. Acredito que alguns sectores do PSD sejam contra a Regionalização mas essa parte, que até é minoritária, não pode, nem vai, impor a sua vontade. E então o argumento, de se ser contra a Regionalização pelo simples facto de isso poder vir a benefeciar a agenda política do PS, é,no mínimo, pouco sensato, pois muito á frente da "guerra" partidária deve estar o interesse do país.

    É sabido que o PSD só se constituirá alternativa ao PS, não por ter uma posição sistemáticamente contária ao PS, mas, outrossim, se for credível aos olhos do país.

    Se for consensual que a instituição das autarquias intermédias podem vir a dar maior eficácia á administração pública, que estas serão financiadas, em larga medida, com verbas subtraídas à actual administração central, tudo isto numa lógica de sinal menos e nunca por nunca para somar mais despesa pública, sinceramente, não vejo porque não avançar.

    Cumprimentos,

    Regionalização
    .

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  3. Anónimo13:36

    Meu caro AAF:
    Pelos vistos não me fiz entender.
    Não pretendi expressar, na nota que comentou, qualquer opinião pessoal sobre a regionalização.
    Não tenho necessidade de o manifestar aqui, de novo, mas se a minha convicção interessa para alguma coisa reafirmo a minha "fé" na descentralização.
    O que escrevi tem que ver com a necessidade de o PSD, se quiser apresentar-se como oposição com crédito junto dos eleitores, fundamentar as suas "novas" propostas políticas.
    Neste particular caso não basta dizer que agora sim, chegou a hora de sermos todos regionalistas. Não eramos no passado se não no discurso (ainda que me diga que Sá Carneiro o era e que Marcelo se confessou adepto, a verdade é que a marca que ficou foi a da oposição firme à proposta do PS chumbada em referendo), mas agora somos. Porquê? Porque sim!
    Ora, como o meu Amigo bem sabe a questão da regionalização não se reconduz a sermos a favor ou contra porque são de comum reconhecidas as vantagens da descentralização. A isso ninguém se opõe.
    Do que se trata é saber que modelo de descentralização é agora o preferido da nova liderança social-democrata. Não só que repartição territorial, mas que sistema de governo regional, que sistema de tutela (meramente verificativa da legalidade? de mérito? substitutiva em alguns casos? em quais?); qual o sistema financeiro; que relação com os municípios, ...
    Acresce que o PSD em 2002-2003 adoptou um modelo de regionalização apoiado em dinâmicas gregárias dos municípios. Entende agora que o modelo falhou? E entende-se que falhou porque o governo o fez falhar ou acredita-se que falharia ainda que apoiado?
    Esta reflexão tem de ser feita e tornada transparente para obter crédito qualquer que seja a proposta neste domínio. Para que não apareça aos olhos da opinião pública como resultante de um despertar de alguém diz para com os seus botões: "Humm... a partir de hoje vamos passar a ser regionalistas. Porque convém".

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  4. Não entendo o motivo pelo qual a criação de uma secção no STJ para avaliar a constituicionalidade dos diplomas, possa fazer pouco sentido.
    O que não faz sentido é a existência de um tribunal onde as pessoas estão lá por indicação política.
    Quer desenvolver o tema? Considero-o de particular interesse.
    Cumprimentos,
    Filipe de Arede Nunes

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  5. .
    Caro JM Ferreira de Almeida,

    Estou esclarecido sobre o seu posicionamento em relação a esta matéria da regionalização/descentralização.

    A chamada reforma Relvas como modelo de descentralização falhou em toda a linha. Essa pseudo reforma administrativa assente na proliferação de GAMs e Comunidades Urbanas, morreu. Todavia morreu, não porque alguem a matasse, mas porque era, simplesmente, inexequível.

    Cumprimentos,

    Regionalização
    .

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  6. Anónimo16:57

    Voltarei ao tema, sim, meu caro Filipe Nunes. Oportunamente.

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  7. Caro Ferreira de Almeida:
    Creio que foi o Prof. Costa Andrade que disse que o "problema" do Tribunal Constitucional não se colocaria na sua existência, mas porventura na "qualidade" dos juízes
    que dele fazem parte.
    Quanto a mim, é perfeitamente abstruso que em determinadas questões as votações sejam 6-5, com os juízes de esquerda a alinharem por um lado e os da direita por outro.
    Sendo assim, resultado idêntico se obteria num programa de televisão com composição ideológica similar. E até poderia logo haver um painel de comentadores para logo dissecarem a matéria em questão. Porque, no final de contas, em muitos casos contará mais a ideologia do que o direito. Assim sendo, as decisões dependerão das conotações políticas e não de princípios de direito. Fiz em tempos um post sobre este assunto e vou procurá-lo.

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  8. Anónimo10:08

    Meu caro Pinho Cardão, é evidente que o problema é o que muito bem assinala.
    Passaram 25 anos sobre o comentário que fiz, numa obra assinada com mais dois ilustres colegas (Isaltino Morais, JM Ferreira de Almeida e R. Leite Pinto, Constituição da República Portuguesa, Anotada e Comentada, Lisboa, Rei dos Livros, pp. 547-548), sobre o então artigo 284º da Constituição (composição do TC):
    "Dominada por preocupações conjunturais, a solução final não corresponde minimamente às propostas dos diversos partidos e coligações nem resultou por apelo ao direito comparado.
    Quanto a nós as críticas que foram, no Plenário da A.R. movidas à solução encontrada têm toda a razão de ser porque está em contradição (ou afasta-se) de princípios afirmados na Assembleia Constituinte e, mais recentemente, na I revisão da Constituição. Com efeito, esta solução ignora o sistema de governo adoptado, semi-presidencialista, ao dar a exclusividade da designação à Assembleia da República.
    (...) A escolha pode ser - e é, quase sempre - tida pelos parlamentar como uma questão política. No mínimo corre-se o risco de minoria e oposição pretenderem colocar representantes seus em funções que, pela sua natureza, exigem a maior imparcialidade.
    Enfim, mal se compreende que a solução final não tenha tido, também na devida conta, o reafirmado princípio do Estado de Direito que deveria conduzir a uma solução que colocasse o Tribunal Constitucional mais distante, e porque não dizê-lo, independente dos órgãos que fiscaliza, não bastando que a eleição dos seus membros na AR seja feita por maioria agravada de 2/3".
    25 anos volvidos, infelizmente a prognose revelou-se razoável.

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