terça-feira, 2 de outubro de 2007

Entre a lei e o superior interesse da criança…

O programa Prós e Contras lançou esta noite um debate subordinado ao tema “Quem decide pelos mais pequenos?” Mais uma vez a discussão desenvolveu-se em torno da criança da Sertã, a Esmeralda, que está no centro de uma batalha judicial entre os pais adoptivos e o pai biológico pela guarda da menina.
Mantenho o que em 22 de Janeiro deste ano escrevi sobre este caso, justamente numa segunda-feira em que foi para o ar o programa Prós e Contras que debateu este mesmo caso (ler mais em: http://quartarepublica.blogspot.com/2007/01/entre-lei-e-o-corao.html#comments).
A criança deste processo acabou por se tornar uma vítima da guerra judicial que se instalou pela sua guarda. A Esmeralda com cinco anos e meio já estará em sofrimento, ao se ter apercebido que os laços afectivos que a unem aos pais adoptivos que a criaram e que a protegeram poderão ser cortados.
Custa a aceitar que seja possível branquear os laços afectivos que a criança desenvolveu junto dos seus pais e ignorar a sua saúde mental e emocional.
Ao ordenar a retirada da Esmeralda à família que a ensinou a crescer, que lhe deu amor e carinho, para a entregar a uma pessoa que lhe é totalmente estranha, o pai biológico, o Tribunal poderá estar, para fazer cumprir a lei, a aplicar um mau trato na criança de danos irreversíveis. Como alguém dizia no debate, poderá estar a ser cometido um “rapto” emocional.
Porquê castigar a criança pelos supostos atropelos à lei cometidos pelos pais adoptivos? É isto a defesa do superior interesse da criança? O Tribunal entende que é preciso penalizar os pais afectivos? Mas não haverá outra forma de o fazer?
Será que é legítimo dizer a uma criança que esqueça os seus cinco anos e meio de vida porque a partir de agora passará a ter que amar outra família?

8 comentários:

  1. Eu estou a ver o programa e há uma coisa que ainda não entendi. Qual é exactamente o objectivo de termos um sistema de justiça? Há uma razão pela qual nós, povo, pagamos a juízes, magistrados, oficiais..? Por acaso, só por uma questão de curiosidade, gostava de ter uma ideia disto. Já não pedia uma resposta, só uma ideia por alto...

    ResponderEliminar
  2. Caro Tonibler, o direito tenta objectivar, na medida do possível, as situações que decorrem da vida em sociedade, criando regras que permitam uma convivência pacífica. Enfim, assim por alto, como diz. Ubi civitas, ibi jus (ai,o meu latim já não está muito treinado, espero estar a ser fiel). No confronto de interesses que a lei protege e tem que avaliar, o juíz tem que intervir com isenção e independência, sendo que muitas vezes os factores emocionais em jogo não permitem uma solução que reponha a perfeição da situação. às vezes há direito mas não há justiça, outras vezes a justiça impõe ou imporia, alguns atropelos ao direito. Quando se recorre à justiça, já está o caldo entornado, há apenas que repor, na medida do possível, a situação que existiria se tivesse sido tudo perfeito. Na medida do possível, ou seja, se for possível. No caso concreto da Esmeralda, várias vezes tenho pensado que não gostaria de ser eu o juíz que tem que decidir. Os pais (biológico e adoptivos) não conseguem entender-se, a criança está no meio, pedemào aplicador da lei que objective o caso e decida. Já o rei Salomão teve o mesmo problema e a mesma dificuldade - divida-se a criança ao meio!, ditou ele, que podia tudo e nem tinha outra lei se não o dever de decidir como entendesse justo. Não foi capaz de avaliar, dividiu entre ambos o que era indivisível ou seja, então ficam ambos sem a criança, já que nenhum dos dois prova quem a quer verdadeiramente. E foi quem mais gostava da criança que decidiu, ele só provocou a escolha. O Salomão de hoje, impedido de puxar da espada e de ditar a lei a seu bel prazer, recorre a psicólogos, prisões, tentativas reversíveis. Os pais recorrem a psicólogos, à opinião pública,às emoções solidárias. Não gostaria de ser eu a decidir, nem gostaria também de estar no lugar de nenhum dos protagonistas.A justiça é feita por homens (e mulheres, claro), a lei também, por isso é sempre imperfeita.

    ResponderEliminar
  3. Na verdade, o sistema é cego quando deveria ver e vidente quando deveria ser cego.

    ResponderEliminar
  4. Há algo que se pretende continuar a omitir, apesar de ser o aspeto central deste assunto: a Esmeralda tinha 3 (três) meses quando o pai biológico pede a sua devolução. Os pais adoptivos recusaram devolver a criança ao pai que a pedia sabendo que não tinham quaalquer direito de legal ou moral para o fazer.

    Dizer agora, passados cinco anos, que estão criados laços afetivos é o mesmo que dizer 'praticámos um crime, sabíamos que o estávamos e não queremos pagar por isso.'

    Penso que os pais 'afetivos', tanto quando a criança tinha meses, mas sobretudo agora, estão sobretudo a pensar em si mesmos e na felicidade que decorre de terem um filho. Não estão preocupados com um pai que desde os 3 meses reclama a filha; não estão preocupados com o direito que a criança tem de continuar a sua vida sob a proteção de um pai biológico que a reclama desde há anos.

    ResponderEliminar
  5. Caro Tonibler
    É suposto que o sistema de justiça promova a justiça. Os tribunais não funcionam. Não é uma afirmação leviana. É isto mesmo que se passa. Há quantos anos é que o caso Esmeralda anda de tribunal em tribunal, com recursos sucessivos, com mais avaliações e intervenções não menos eficientes da Segurança Social?
    Os juízes também erram é certo e a lei nem sempre está bem feita. Mas no caso da Esmeralda acumularam-se muitos erros, com sentenças e acórdãos contraditórios, em sentidos diferentes, numa vertigem judicial em que parece que o que está em apreciação são os direitos e as obrigações dos pais, de um lado os pais adoptivos e do outro lado o pai biológico; a mãe biológica parece que ficou de fora porque "deu" a criança e não a quer de volta.
    Ontem o que compreendi nos Prós e Contras é que tendo os pais adoptivos cometido (supostamente) irregularidades e atropelos à lei devem ser punidos por isso. Mas no meio está uma criança amada pelos pais com quem vive desde que nasceu, que neles reconhece a sua existência, de quem recebe e a quem dá amor e carinho. O seu mundo afectivo é este e não outro.
    Os pais adoptivos não são criminosos e proporcionam à sua filha tudo aquilo que gostaríamos que todas as crianças do mundo tivessem.
    Depois de tudo o que temos visto e tem sido dito, questiono-me sobre o que é o superior interesse da criança?
    Os interesses da Esmeralda não têm que ser convergentes com os direitos dos pais adoptivos e do pai biológico. Não são os interesses dos pais que estão a ser julgados, mas sim o superior interesse da criança. Mas não parece que assim tenha sucedido...
    No fim disto tudo, também me pergunto o que é anda a nossa justiça a fazer?

    Suzana
    Tem muita razão em tudo o que diz.
    Mas quando se cometem erros há sempre a possibilidade de os corrigir. Pode ser tarde. No caso da Esmeralda, depois do tempo infinitamente dispendido em julgamentos, sentenças, recursos, recuos e avanços, escasseia o tempo para que o tribunal atenda não à necessidade de culpabilizar e punir os pais adoptivos mas ao superior interesse da criança.

    Caro Joshua
    A lei quando aplicada cegamente é perigosa...

    ResponderEliminar
  6. Cara Suzana,

    A seguir à sua primeira frase (que é sobre o objectivo), o seu comentário é sobre o direito em si mesmo. E sempre que vejo levantadas estas questões, o resultado tende a ser esse, uma frase sobre o objectivo e 99 sobre o direito como bem social.
    Ontem não foi excepção e, em rigor, os juízes poderiam estar ali a debater sobre coisa nenhuma horas a fio repletos de razão. O único detalhe nisto é que eu não preciso destes juízes para nada.

    (e concordando com a Margarida...)
    Eu não preciso de um exército de inúteis que cumpre com todos os prazos e exigências legais para decidir sobre uma criança passados 5 anos. Mais valia que tivesse sido decidido à estalada. Parece-me inquestionável que se a questão tivesse sido decidida à estalada há 5 anos, a criança estava melhor hoje.

    Outra coisa: Tudo na vida é feito por homens e mulheres, mas só na justiça portuguesa é que isso é serve como handicap. O cabelo na sopa do restaurante é de um homem ou de uma mulher, mas não serve de desculpa para a sopa passar. As decisões dos juízes portugueses são as sopas mais cabeludas que o país produz mas, como são feitas por homens e mulheres, a sopa tem que passar. E da sopa para o vinho, cada vez que se vai à adega da justiça portuguesa (como diz bem a Margarida), pode sair tinto, verde, branco, rosê,...é o que a sorte decidir! Juízes, para quê?

    ResponderEliminar
  7. Caro Paulo Porto
    Seja muito bem vindo. O seu comentário chama a atenção para o aspecto das supostas irregularidades e atropelos à lei que os pais adoptivos da Esmeralda terão cometido ao longo do tempo da guarda da criança.
    Evidentemente que estes pais vivem felizes com a sua filha que não querem perder. Mas mais importante, a meu ver, é a felicidade da criança. O centro da atenção deve ser a Esmeralda, uma criança de cinco anos que apenas reconhece os pais com quem vive, de quem gosta e em quem tem confiança. Fico impressionada como é que um juiz decide retirar à criança todas as suas referências de vida, como se esta vida acabasse agora, obrigando uma criança de cinco anos a recomeçar tudo de novo. É, para a minha sensibilidade, uma mutilação monstruosa!
    Se a lei determina assim, o que ainda assim me custa a acreditar, pois então que se mude a lei.

    ResponderEliminar
  8. Caro Tonibler, quando os casos são resolvidos à estalada, é muito provável que vença o que tem mais força e não o que tem mais razão. Mas, às vezes, o problema desaparece, isso é verdade. Não conheço o caso Esmeralda a não ser pelo que leio de vez em quando nos jornais. Não confio em tudo o que vem nos jornais, sobretudo no que não vem, por isso não sei o que determinou esta sentença. Mas lembro-me que há uns tempos se descobriu uma criança que tinha sido raptada da maternidade, por uma mulher que não conseguia ter filhos. Voltou à famíla biológica, que vivia num tugúrio indescritível,com mais 6 ou 7 irmãos, o pai parecia meio tonto, houve solidariedade e fanfarra em todo o lado (sobretudo na televisão) quando a criança voltou "para casa". A única coisa que caiu mal foi a mãe estar na SIC no momento em que a criança ia chegar a casa, o pai nem atinava com o que estava a acontecer. Nessa altura, parece que a decisão foi pacífica e creio até que a raptora foi condenada a prisão, não me lembro ao certo.Onde é que estão as fronteiras, se não se seguir a lei,depois de avaliada profundamente a situação? Por isso há juízes, por isso há médicos, por isso há engenheiros, etc, para que cada um perceba do assunto para além do que o mero senso comum pode apreender. Neste caso, não ouvi falar em erros judiciários, nem em atrasos nos processos, antes em recursos, "desaparecimentos", exames e testes contra exames e testes. Provas sem fim, para que as dúvidas sejam o mínimo possível.Não sei se é justo ou injusto, sei que não posso, objectivamente, avaliar. De qualquer modo, não me parece um bom exemplo para invocar o mau funcionamento da justiça,(há certamente imensos) será um caso polémico, é tudo.

    ResponderEliminar