quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Delegados de alimentos, de vinhos, de chás, de sapatos....

A medicalização da sociedade é uma realidade altamente preocupante que poderá acabar mais tarde ou mais cedo por rotular cada um de nós como doente ou portador de uma ou mais anomalias. Logo, teremos que nos “submeter”, como quem diz, em muitos casos, à “ditadura” das terapêuticas e das medidas preventivas. Há quem ganhe com isto? Ai não que não há! E o negócio é mesmo de muitos e muitos milhões!
De tempos a tempos reduz-se o limiar de anormalidade de alguns parâmetros, porque se concluiu (cientificamente) que desta maneira seria possível prevenir com mais alcance certas doenças. Parafraseando um reclame que aparecia há algum tempo na televisão com velhinhas a comentar: - “Eu ainda sou do tempo em que...”, também eu sou do tempo em que o colesterol, por exemplo, só era considerado elevado a partir dos 260 mg%. Depois, o limiar da anormalidade baixou para os 240 mg%, porque se concluiu que os que estavam naquele intervalo também corriam riscos de virem a sofrer doenças cardiovasculares. Passado uns anos nova descida, desta feita para os 220 mg%. Argumento? O mesmo que já descrevi para a primeira redução. Com o tempo concluiu-se que deveria baixar-se ainda mais, desta feita para os 200 mg%. Razão? A já citada. Em seguida propuseram os 190 mg%, sempre com o mesmo argumento científico que é inquestionavelmente correcto. Há de facto um risco acrescido. Pode não ser muito por aí além, mas existe e não é difícil de provar. Tudo leva a pensar que qualquer dia baixem para os 175 ou 170 mg% invocando sempre os mesmos argumentos. O que é certo é que cada vez que baixam o limiar de “anormalidade” apanham catrefadas crescentes de pessoas com anomalias. E depois? Depois é só puxar por meia dúzia de neurónios para concluirmos que os “rotulados” como hipercolesterolémicos terão que fazer terapêuticas farmacológicas, dietéticas ou exercício. Terapêuticas não faltam.
Foi anunciado que em breve podemos vir a ter profissionais idênticos aos da informação médica a ensinar, a esclarecer e a motivar os médicos a “prescreverem” ou a aconselharem, como preferirem, os nutracêuticos, alimentos que fazem bem à saúde, baixam o colesterol, melhoram o funcionamento digestivo, protegem os consumidores disto e daquilo, enfim uma interessante área de negócio.
Pergunto, se os industriais das águas medicinais também não irão no mesmo sentido ensinando, esclarecendo ou motivando os médicos a aconselhar a água X ou Y com ou sem aditivos. Mas, já agora, também não é de excluir a hipótese de delegados de informação vinícola aparecerem para “ensinar, esclarecer ou motivar” os médicos a aconselharem um determinado vinho da colheita especial de determinado ano, porque está cientificamente comprovado ter efeitos protectores cardiovasculares de forma muito superior a qualquer rival! Claro que as cervejeiras não deixariam de treinar pessoal com o mesmo objectivo, o mesmo acontecendo com os industriais dos tomates, dos lacticínios, dos alhos e até das cebolas!
Assim, um dia destes, poderemos ouvir a funcionária do serviço a anunciar que está na sala um senhor delegado. – Ai está? É delegado de quê? Fármacos, iogurtes, chás, vinhos, cervejas, tomates, chocolates ou águas? – Nenhum desses! Não?! - É delegado de sapatos senhor doutor. - De sapatos?! – Sim senhor! Parece que tem uns especiais que evitam calos e não atormentam os joanetes. – Mande-o entrar já...

4 comentários:

  1. Caro Professor, quando é que chegarão os delegados dos consumidores? A sua impressiva descrição deste novo "mercado" fez-me lembrar uma expressão com que o meu pai resumia o excesso de gente a opinar sobre um assunto: "pássaros, passarinhos e passarões, aves de gaiolas e mochos"...

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  2. Caro Prof. Massano Cardoso, fico ansioso que a indústria textil consiga desenvolver uma liga especial de fibras que estimulem e activem a capacidade de raciocínio, de modéstia e respeito para ser utilizada na confecção de chapéus, bonés e lenços de cabeça e depois enviem uns delegados convincentes a S. Bento e outros importantes locais de decisão.
    Ah, e que não se esqueçam das cores variadas e... observando os rigores da moda.
    ;))

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  3. Caro Professor Massano Cardoso:

    Mesmo a propósito!.
    Há muito que aquele anúncio da tvi relativo à promoção daquele livro que parece ter o remédio para todas as curas, me anda a fazer confusão. Não será publicidade enganosa?
    Agora a melhor foi ontem: estão a desenvolver estudos para o fabrico de sapatos com cheiro a lavanda e a pinho, e ainda por cima com a vantagem de serem antifúgicos !?

    O Professor por acaso não quer revelar os números do totoloto!...

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  4. Mas não vão ficar por aqui...
    Esperem pela volta!

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