Comemoraram-se, em 6 de Fevereiro, os 400 anos do nascimento do Padre António Vieira, uma das figuras mais notáveis da história portuguesa: missionário, mestre da língua, diplomata. Foi um pioneiro da defesa dos direitos humanos, como agora se diz, pregando e promovendo acções contra a escravatura, a exploração dos índios do Brasil, ou as perseguições aos judeus. Criticou severamente a Inquisição e só por protecção papal conseguiu não ser condenado. É talvez o maior escritor português de todos os tempos.
Deixa-se um excerto do Sermão do Espírito Santo, pregado em São Luís do Maranhão, onde é admirável o ritmo, a acentuação, o movimento e a musicalidade do discurso, para não falar já na admirável alegoria de que se serve para sublimar a educação dos índios:
“…Vede o que faz em uma pedra a arte. Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe, e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar…”
E ainda outro, poderoso e actual como poucos, do Sermão de S. António aos Peixes:
"...O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem...Não é tudo isto verdade? Ainda mal!..."
Deixa-se um excerto do Sermão do Espírito Santo, pregado em São Luís do Maranhão, onde é admirável o ritmo, a acentuação, o movimento e a musicalidade do discurso, para não falar já na admirável alegoria de que se serve para sublimar a educação dos índios:
“…Vede o que faz em uma pedra a arte. Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe, e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar…”
E ainda outro, poderoso e actual como poucos, do Sermão de S. António aos Peixes:
"...O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem...Não é tudo isto verdade? Ainda mal!..."
As comemorações foram mínimas, para tão grande figura. O que atesta a nossa pequenez!...
A homenagem do Quarta República ao Padre António Vieira.
Boa noite,
ResponderEliminarInfelizmente, perante semelhante figura, tudo o que se faça será sempre mínimo.
No entanto desta vez até houve um enorme esforço para que tal não acontecesse e parece-me que, em parte, foi conseguido. Se mais não se ouviu, não foi por falta de empenho em divulgá-lo, mas sim pela pouca adesão dos media ao assunto (e apenas dos media porque a afluência de público foi notável!).
Mesmo tendo sido a semana que passou a mais completa em termos de iniciativas haverá ainda, até 2009, uma completíssima agenda da qual se destaca o justo e tardio tributo da cidade de Lisboa a Vieira com a colocação de uma estátua. A obra está a cargo da Santa Casa da Misericórdia e ainda não tem data definida para a sua inauguração, mas é certo que irá acontecer.
Da nossa parte fizémos aquilo a que nos propusémos e se mais não fizémos foi porque a disponibilidade tinha limites e os recursos foram escassos. Aqui fica o site destas comemorações que se encerram na 5ª feira e que contém os links para outras entidades que promovem durante este ano a figura ímpar de Vieira (em particular as comemorações oficiais que têm um programa onde se concentram todas as iniciativas já concretizadas e as que ainda aí vêem).
Um abraço!
Sem dúvida nenhuma, caro Dr. Pinho Cardão, uma merecida homenagem, ou melhor, uma merecida referência, porque o homem, quando grande homenagei-se a si mesmo pela obra que deixa construída.
ResponderEliminarAntónio Vieira foi, um dos raros Portugueses que pensou a realidade da sociedade do seu tempo e tentou, atraves da palavra, do discurso oratório, indicar-lhe o rumo que a libertasse... de si mesma.
Pensar, todos pensam; filosofam aqueles que pensam coerentemente, dizia Agostinho da Silva.
Porém, sempre é necessário possuir coragem e arrojo para filosofar e entregar de mãos e peito abertos essa filosofia a todos quantos a queiram aceitar. E António Vieira possuiu a coerência interna que fez com que fosse aceite na sua época, pois os seus sermões foram aqueles que mais auditores reuniram e, que as suas palavres e ideias perdurassem até aos nossos dias, mantendo-se intactamente actuais.
Muto bem recordado, Pinho Cardão, seria imperdoável que no 4R não houvesse uma referência a esta efeméride - meu Amigo nos redime desse labéu e bem haja por isso!
ResponderEliminarAntónio Vieira será, na minha (muito) modesta opinião uma das mais altas figuras da nossa história - um humanista de visão e de coragem muito raras, um missionário da fé e do bem, enfrentando dificuldades montanhosas para defender os mais fracos e desprotegidos do seu tempo.
Teve a percepção de que a expulsão dos judeus seria um erro histórico - que hoje estamos a pagar ainda muito caro - e contra ela se bateu.
Defendeu até ao limite das suas forças os índios brasileiros e os seus direitos a uma existência própria e digna, o que naquele tempo seria, imagino, uma heresia escandalosa...
E foi um dos máximos expoentes na utilização da língua portuguesa, escrevendo dezenas de sermões que constituem hoje uma das mais brilhantes colecções de prosa portuguesa.
É uma figura que merece da actual geração de portugueses o maior respeito e admiração, ocupa um dos mais distintos capítulos do nosso acervo cultural multisecular.
O facto de os nossos media lhe darem hoje relativamente pouca atenção é normal e compreensível: os nossos media cultivam o medíocre e o mesquinho, a figura de António Vieira projecta-se num plano tão distante desse...nada tem que ver com isso...
Caro Rui:
ResponderEliminarObrigado pelos seus esclarecimentos.
De facto, bateu num ponto central, que é a do "esquecimento" normal da comunicação social das iniciativas que têm a ver com os grandes valores da nossa história. Muita da comunicação social é infelizmente inculta e valora mais e dá todo o espaço a escritores madíocres, mas da moda, do que aos valores autênticos e imorredouros, como António Vieira.
Apesar de ter estado fora do país nessa semana, quando cheguei, dei uma vista de olhos pelos jornais e os destaques não só não eram grandes, como me pareceram envergonhados. é a nossa sina!...
E parabéns aos Promotores das Comemorações pelo esforço feito!...
Caros Bartolomeu e Tavares Moreira:
Os vossos comentários deram brilho ao meu pobre texto!...
Good News, no News.
ResponderEliminarComo diria o próprio: "O verdadeiro saber, é de saber reconhecer a verdade, ainda que seja filha de outros olhos, ou de outro entendimento".
Quem estava alerta captou bem que existiam iniciativas. Por exemplo, no Sábado, duranto todo o dia, mais de 500 pessoas se interessaram pelas reflexões sobre os desafios de Vieira 4 séculos depois. Quem lá esteve, certamente que o recordará como um dos grandes e sérios debates deste ano sobre o nosso país.
Ainda não reparou que, sob o ponto de vista do politicamente correcto,em especial no campo multiculturalista o Padre Vieira não é um bom exemplo?(só bom para indios...)Como aliás todos os nossos outros antepassados?Tábua raza, apagar a fotografia é o que está a dar...
ResponderEliminarVou copiar parte da citação que já uma vez publiquei numa fase "apagada" do meu blog.
Hum!
ResponderEliminarNão parece um bom princípio olhar o passado com os olhos do presente.
Indique-me outro que tenha, como ele, lutado pelos "Direito Fundamentais". Apenas um!
Foram só os índios? Não o fez pelos escravos? Nada mau para o século XVII...
E qual é exactamente o problema de não ser um bom exemplo do ponto de vista do "politicamente correcto"?