domingo, 10 de fevereiro de 2008

A "reforma" da música: porquê esta reforma?


Porque é que o governo quer acabar com os Conservatórios de Música? Porque é que o governo quer acabar com o Ensino especializado da Música? Porquê esta "reforma"?
É louvável que o governo queira introduzir nas escolas públicas do 1º ciclo do ensino básico a iniciação musical. É louvável o ensino da “música para todos”! Quer fazê-lo integrando a iniciação musical no novo regime de actividades educativas estabelecido para o 1º ciclo do ensino básico. O ministério da educação instituiu em 2006 as "Actividades de Enriquecimento Curricular" (AEC) nas escolas do 1º ciclo, alargando o seu horário de funcionamento até às 17h30. Com esta medida pretende o ministério da educação promover a escola integrada facultando às crianças actividades complementares à educação básica que enriqueçam as suas competências, designadamente actividades artísticas, físicas e desportivas e línguas estrangeiras.
Há muito que a iniciação musical deveria integrar os currículos do 1º ciclo, atentas a importância que é reconhecida à música no desenvolvimento harmonioso da criança e o papel que a música assume na formação cultural de qualquer pessoa.
Com a inclusão da iniciação musical nas escolas públicas do 1º ciclo nos moldes anunciados estaremos em presença de um regime de ensino colectivo, de uma formação genérica e certamente com uma carga horária diminuta, em contraposição ao ensino especializado da música que tem sido meritória e reconhecidamente assegurado pelos Conservatórios.
Com esta “reforma” o governo inviabiliza o ensino do 1º ciclo da música nos Conservatórios, impedindo o ensino especializado de oferecer um ensino de qualidade que visa o desenvolvimento da criança na idade ideal para o início da formação como instrumentista.
Com esta “reforma” os actuais e os futuros alunos dos seis aos nove anos, se quiserem continuar a contactar com a música, terão que frequentar as actividades de enriquecimento curricular, o que representa passar de um currículo de seis horas semanais com estudo individual de instrumento, orquestra, formação musical, coro e expressão dramática para uma actividade de currículo ainda desconhecido e com um grau de exigência muito inferior. E também não se sabe quem são e onde estão os profissionais que vão assegurar a iniciação musical nas escolas do 1º ciclo?

Se os Pais destas crianças quiserem que os seus filhos continuem a receber a mesma formação musical que os Conservatórios hoje asseguram, terão que os inscrever numa escola privada, para deixarem de pagar uma propina anual da escola pública (no Conservatório de Lisboa é de 45€) e passarem a pagar mensalidades significativas.
A coberto de uma pseudo “democratização” do ensino da música serão favorecidas as famílias com maior capacidade económica para proporcionarem aos seus filhos o ensino especializado da música em detrimento das famílias mais desfavorecidas que não podem pagar propinas privadas.
Trata-se de uma “reforma” altamente discriminatória em nome de uma “democratização” que engrossará a estatística artística do 1º ciclo, em nome de uma engenharia financeira cujo objectivo é poupar dinheiro. Assim se decapita o já frágil ensino especializado da música, tornando cada vez mais difícil a formação de músicos profissionais.
No meio desta desconcertante “reforma” pergunto-me onde está o ministro da cultura? Ou será que a música nada tem que ver com a cultura? Talvez tenha deixado de ter e eu não tenha dado por isso! E pergunto-me, também, porque razão a “música para todos” tem que destruir a música especializada para alguns? Será que o ensino generalizado (iniciação musical no 1º ciclo) não pode conviver com o ensino especializado (nos Conservatórios)? Onde é que está o problema?
Se a ministra da educação gosta de ir ouvir a Orquestra da Fundação Gulbenkian, que eu também gosto, deveria saber que os seus músicos aprenderam a música no ensino especializado ainda mal tinham saído do berço!

3 comentários:

  1. CaraMargarida
    Sou dos tais que sempre teve esperança que o 25 de Abril abrisse uma ampla iniciativa tendente à culturização, minima que fosse, deste povo que,para lá dos saberes da sua profissão, encontrava-se nessa altura e continua a encontra-se, muito infelizmente, num estado verdadeiramente incipiente no tocante à cultura de uma maneira geral. Sonhei que através de vias adequadamente estudadas, se pudesse dar uma volta ao problema de estarmos, mais uma vez, na cauda da europa. Estádios de futebol para o europeu de 2004, lá isso fizeram e muitos, decorrentes de uma "sensata" resolução do governo de então, tendo na circunstância, a governação sido coadjuvada por uns visionários que, ou por negócios, ou por honrarias políticas, ajudaram à missa e de que maneira ! Só gostava, para terminar, que alguém me explicasse a razão deste cenário, relativo à educação musical, estar integralmente adjudicado ao ministério da educação nacional. Então e o ministério da cultura? Percebo, não é conveniente organicamente existir colaboração nestes aspectos, por força da exigência de comando único. Mas eu pergunto-me então, saloiamente é claro, para que serve o nosso inefável primeiro ministro com que o diabo nos presentiou? Julguei que esta história da coordenação ao nível dos departamentos do estado,era da sua exclusiva competência. E, como ter a batuta da propaganda e tratar da sua imagem, dá-lhe na realidade muito trabalho,"lá se vai a sua disponibilidade para intervir" onde devia e é chamado. Hoje na música, amanhã ?....... E assim continuamos a aboborar alegramente.

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  2. Cara Margarida,
    Esta é uma medida que se insere na lógica de contenção orçamental que o neo-liberalismo impõe como agenda política da globalização.
    O Ensino, tal como a Saúde e a Segurança Social passarão a ser pagos pelos utentes e o papel do Estado passará a ser apenas o de Avaliador das concessões que entretanto serão entregues à iniciativa privada.
    Não faz sentido esperar que o Ensino Artístico tenha um regime preferencial.

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  3. Caro antoniodasiscas
    Pois tem muita razão quando questiona porque é que a educação musical, que já teve a tutela da
    Cultura, está dependente da tutela da Educação!
    É que a cultura ensina-se na escola. Como tal não se compreende o porquê do silêncio da Cultura nesta polémica gerada com o fim do ensino especializado da música no 1º ciclo.

    Caro FSantos
    Seja muito bem vindo!
    Pois tem também muita razão. Ingenuidade daqueles que pensam que a Educação Artística não escaparia à visão orçamental, que comanda as pseudo reformas do Estado!

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