segunda-feira, 10 de março de 2008

Heróis e vilões


E, então, o fascínio foi mais forte que o medo de trair esse seu mundo secreto e ele deixou-se cativar, acreditando que desta vez seria diferente, que não ficaria apenas a construir em silêncio as histórias do que podia ter sido.
Mas cedo descobriu que não teria coragem para correr esse risco, preferia as quimeras, os diálogos que construía, as certezas insípidas sem as quais se sentia perdido (
excerto de uma história banal…)

Há uma certa patologia neste alternar entre vencedores e falhados, nesta mania do mundo dito civilizado que tem agora como mote o culto dos “winners”. Não é só nos Óscares, ou nas Misses, em que se atrasa até quase à histeria o grito bárbaro “And the winner is…!!!” e rebentam todos em palmas, esquecendo naquele segundo os infelizes que passaram subitamente dos fulgores do palco para a sombra, não, o problema é que isso está transportado para a vida real e a mediania sumiu-se.
Ora, há uns largos anos atrás, quando eu ia, por curiosidade, assistir a umas aulas na faculdade de medicina, ouvi um velho catedrático dizer aos caloiros uma frase que me pareceu absurda, de tão óbvia que era. Dizia ele: “E vocês, quando tiverem que fazer um diagnóstico, não se esqueçam de que o que é normal, é normal, o que é raro, é raro!”
Pois o que me parece é que, duas décadas passadas sobre essa banalidade dita como uma verdade a ter em grande conta, o facto é que me parece que ele tinha toda a razão no aviso que fazia. Não sei se ainda é vivo, já era bastante velho na altura, mas seria muito oportuno que ele a tivesse escrito e publicado em letras garrafais.
Porque o facto é que hoje vivemos todos como se tivéssemos que ser heróis, a única coisa que não se tolera é que um pobre humano cometa os seus pecaditos e viva feliz na sua normalidade, sem gestos largos ou aventuras de estrondo, cumprindo a sua vidinha com conforto e harmonia sem estar sempre a cogitar na melhor forma de fazer mais e melhor até à derrota final.
Digo isto porque, se entre a gente jovem a procura do Santo Graal faz quase parte da sua essência e, por isso, estão geralmente em condições de correr alguns riscos – ou de adiar as suas escolhas mais estáveis – esta teoria dos corajosos desafiadores do destino contagia muitos cinquentões, também eles agora desejosos das aventuras que não viveram, das paixões que não foram capazes de despertar ou de acolher, e das glórias que lhes passaram ao lado.
Oiço com frequência testemunhos desmoralizados, o trabalho que não “preenche”, a mulher ou o marido que são “desinteressantes”, os filhos que “não lhes ligam nenhuma”, à reforma à porta e aí estão eles, cheios de ansiedade, a ver como podem dar uma volta à vida e partir para outra. E, se hesitam ao avaliar o que arriscam, logo se julgam indignos dos nossos tempos, uns falhados, em resumo…
Às vezes falam, com ímpeto, como se tivessem uma plateia a vê-los, falam de coragem para virar a vida de pernas para o ar, para insultar o chefe, para se despedir sem ter outra coisa melhor, talvez mesmo para partir com a vizinha do 7º ou experimentar aquela incrível liberdade de viver sozinho, num Tzero, sendo certo que não lhes ocorre o que é ficar sem emprego, que a dita loira seja pior que a legítima, ou que a loiça por lavar ao fim de uma semana possa ser uma grande contrariedade.
E, assim, essas pessoas acabam por perder o que tinham, sem nunca chegar a construir nada melhor, simplesmente porque não têm capacidade para fazer diferente, o que não quer dizer que sejam nulas. São normais, o padrão que inclui a maior parte das pessoas.
“A vida sem risco não vale a pena”, diz um filme qualquer e dizem muitos livros também, mas nem todos são heróis e, se “dos fracos não reza a história”, a verdade é que a maior parte não consta dos registos. Por alguma coisa há-de ser.

5 comentários:

  1. Cara Suzana, eu que sou quase cinquentona, digo-lhe com sinceridade, que por vezes sinto uma necessidade louca de mudar, de fazer diferente.

    O problema começa quando questionamos toda a nossa existência, passada e presente. E depois dizemos:
    - quero mais. Mas não sei bem o quê.

    São 7 da manhã, e no que eu estou a pensar logo de manhã, a uma segunda feira....

    É melhor voltar a colocar os meus pézinhos n' areia..... e preparar-me para ir trabalhar. É melhor, é.

    Um abraço e boa semana.

    ResponderEliminar
  2. Cara Suzana:
    A Pèzinhos completou o quase tudo da Suzana: "é melhor...preparar-me para ir trabalhar".
    E trabalhar bem, digo eu. Pois, se se tem que trabalhar, então trabalhe-se bem.
    E para quem quer "vencer", talvez seja o melhor caminho...

    ResponderEliminar
  3. Bem...o tema até que é bem interessante e profundo, mas, como a pézinhos diz "...-quero mais. Mas não sei o quê."
    E é assim mesmo... Só que eu encontrei uma forma simples de resolver este dilema. Gostavam de saber como?
    Nah...:)

    ResponderEliminar
  4. Suzana
    A questão está em dentro da normalidade procurarmos fazer melhor. Se o melhor for diferente porque não? Este é o padrão normal.
    Querer sair da normalidade para virar "vedeta" pode ser perigoso e além do mais não é para todos.
    Coisa diferente é aceitarmos desafios com conta e risco, pois se a coisa não correr bem bom será que as perdas não sejam muito grandes.
    É tudo uma questão de bom senso. Bom senso que falta a muita gente. Depois admiram-se!

    ResponderEliminar
  5. É isso mesmo Margarida, o que é preciso é tentar fazer melhor dentro da normalidade, isso é que é desejável e saudável, no sentido de sanidade de espírito, claro.
    A Cara Pezinhos também reduziu o assunto a isso mesmo, ir trabalhar, que remédio, de preferência com cara alegre e disposto a fazer o seu melhor, mas isso não quer dizer ficarmos pelas rotinas, aguentar o dia a dia sem esperar nada de emocionante. O que eu quiz referir é que há muita gente que ou 8 ou 80, ou bem que são radicais ou bem que se acham uns falhados.
    Caro JotaC, bem podia contar-nos, diga lá como é que muda "dentro da normalidade", como bem diz a Margarida! Eu tenho algumas ideias,algumas ponho em prática, um belo fim de semana improvisado, uma roupa diferente, nunca programar as coisas com muito rigor porque me apetece mudar de destino...Mas também pode ser mudar de casa, deitar fora os móveis velhos, comprar um cão ou, quem sabe, ir a um spa e deixar que façam de mim uma pessoa novinha em folha...Aceitam-se mais sugestões, podemos abrir uma coluna para combater o stress dos cinquentões inconformados mas normais!:))(escrever no 4r foi sem dúvida uma bela ideia, a propósito!")

    ResponderEliminar