O meu netito, João António, com 3,5 meses, foi baptizado, recentemente, na magnífica Sé Nova de Coimbra. Fiquei muito agradado por ter participado em tão interessante cerimónia durante a qual o padre conseguiu uma simbiose única ao alternar os rituais com um informalismo amoroso, deixando transparecer uma ternura própria de quem tem uma alma grande.
O miúdo respondia-lhe com constantes sorrisos. Os dois “safados” pareciam que estavam a entender-se às mil maravilhas, ao ponto de aperceber do encanto produzido no sacerdote que não se coibiu, a certa altura, em fazer um pequeno discurso como se fosse a própria criança!
Sempre que fazia um gesto ritual, explicava-o. Ao ungi-lo, explicou que estava a fazer o mesmo sinal que Cristo fazia quando procedia à cura dos cegos. Acto contínuo, naquele belo templo, cheio de luz, de calor e de uma contagiante alegria para a qual contribuiu a inquietude da neta de quatro anos, talvez deslumbrada com o ambiente, recordei-me dos que não vêem.
Um episódio passado com um velho amigo, respeitável conversador da minha terra, há muitos anos, fez-me sentir a felicidade dos que conseguem voltar a ver. O homem, a quem a vida foi madrasta - roubou-lhe o único filho num acidente -, quase ficou cego, tendo acabado por ser operado às cataratas. Num Sábado à tarde entrou no meu consultório. Perguntei-lhe se estava doente. Respondeu que não. Tinha ido ali só para me dizer que tinha estado a chorar quase toda a tarde sentado no viaduto. – A chorar? – Sim! Mas de alegria! - Já não me recordava como o céu era tão azul e tão límpido. Além do mais até consegui ver a velha igreja de Óvoa ao longe! Veja lá! Regressei à minha juventude. Estou tão contente, oh doutor! E saiu cheio de felicidade. Pena foi que, passado muito pouco tempo, os seus olhos acordassem tingidos de amarelo, traduzindo uma grave doença que acabou por o vitimar algumas semanas mais tarde.
Regressando aos gestos curadores de Cristo, que o sacerdote imitava e explicava, e com todo o respeito pelos crentes, presumo que deveriam ser dirigidos mais à cegueira espiritual do que à orgânica. De qualquer modo não deixava de ser um “pequeno” gesto que hoje tem o seu equivalente ao alcance de muitos especialistas capazes de dar visão a quem não a tem. Verdadeiros “milagres” que, infelizmente, estão longe de atingir os mais necessitados que esperam e desesperam. As recentes idas a Cuba, promovidas por alguns autarcas, têm causado muita polémica. No entanto, podem e devem despoletar a actividade dos curadores nacionais e a intervenção dos responsáveis. São mais dispendiosas? Não se justifica ir tão longe quando temos pessoal competente? Não importa! O que interessa é que contribuam para a resolução dos problemas das pessoas de forma a sentirem a tal felicidade que o meu amigo desfrutou, embora por muito pouco tempo.
A primeira vez que vi o quadro de Pieter Brueghel, O Velho, “A Parábola dos Cegos”, ilustrando a passagem de S. Mateus (“quando um cego guia outro cego, ambos caiem no abismo”), fiquei incomodado. Agora, face ao que ocorre por aí, sinto uma estranha sensação de que cegos andam a conduzir outros cegos. Um pequeno gesto seria o suficiente para os por a ver. Falo, naturalmente, de muitos condutores que sofrem de “cataratas intelectuais”.
Escrevo esta pequena nota, porque ao sentar-me na preciosíssima sala dos actos da Faculdade de Ciência Médicas de Lisboa – onde não me canso de ir -, no decurso de mais uma prova académica, fiquei de frente face ao esplendoroso mural de Esculápio ladeado por duas alegorias. A da esquerda, representa Hipócrates a examinar um cego, com duas figuras femininas transportando os meios para o tratar, a da direita o agradecimento ao deus pela vida e saúde de uma criança...
O miúdo respondia-lhe com constantes sorrisos. Os dois “safados” pareciam que estavam a entender-se às mil maravilhas, ao ponto de aperceber do encanto produzido no sacerdote que não se coibiu, a certa altura, em fazer um pequeno discurso como se fosse a própria criança!
Sempre que fazia um gesto ritual, explicava-o. Ao ungi-lo, explicou que estava a fazer o mesmo sinal que Cristo fazia quando procedia à cura dos cegos. Acto contínuo, naquele belo templo, cheio de luz, de calor e de uma contagiante alegria para a qual contribuiu a inquietude da neta de quatro anos, talvez deslumbrada com o ambiente, recordei-me dos que não vêem.
Um episódio passado com um velho amigo, respeitável conversador da minha terra, há muitos anos, fez-me sentir a felicidade dos que conseguem voltar a ver. O homem, a quem a vida foi madrasta - roubou-lhe o único filho num acidente -, quase ficou cego, tendo acabado por ser operado às cataratas. Num Sábado à tarde entrou no meu consultório. Perguntei-lhe se estava doente. Respondeu que não. Tinha ido ali só para me dizer que tinha estado a chorar quase toda a tarde sentado no viaduto. – A chorar? – Sim! Mas de alegria! - Já não me recordava como o céu era tão azul e tão límpido. Além do mais até consegui ver a velha igreja de Óvoa ao longe! Veja lá! Regressei à minha juventude. Estou tão contente, oh doutor! E saiu cheio de felicidade. Pena foi que, passado muito pouco tempo, os seus olhos acordassem tingidos de amarelo, traduzindo uma grave doença que acabou por o vitimar algumas semanas mais tarde.
Regressando aos gestos curadores de Cristo, que o sacerdote imitava e explicava, e com todo o respeito pelos crentes, presumo que deveriam ser dirigidos mais à cegueira espiritual do que à orgânica. De qualquer modo não deixava de ser um “pequeno” gesto que hoje tem o seu equivalente ao alcance de muitos especialistas capazes de dar visão a quem não a tem. Verdadeiros “milagres” que, infelizmente, estão longe de atingir os mais necessitados que esperam e desesperam. As recentes idas a Cuba, promovidas por alguns autarcas, têm causado muita polémica. No entanto, podem e devem despoletar a actividade dos curadores nacionais e a intervenção dos responsáveis. São mais dispendiosas? Não se justifica ir tão longe quando temos pessoal competente? Não importa! O que interessa é que contribuam para a resolução dos problemas das pessoas de forma a sentirem a tal felicidade que o meu amigo desfrutou, embora por muito pouco tempo.
A primeira vez que vi o quadro de Pieter Brueghel, O Velho, “A Parábola dos Cegos”, ilustrando a passagem de S. Mateus (“quando um cego guia outro cego, ambos caiem no abismo”), fiquei incomodado. Agora, face ao que ocorre por aí, sinto uma estranha sensação de que cegos andam a conduzir outros cegos. Um pequeno gesto seria o suficiente para os por a ver. Falo, naturalmente, de muitos condutores que sofrem de “cataratas intelectuais”.
Escrevo esta pequena nota, porque ao sentar-me na preciosíssima sala dos actos da Faculdade de Ciência Médicas de Lisboa – onde não me canso de ir -, no decurso de mais uma prova académica, fiquei de frente face ao esplendoroso mural de Esculápio ladeado por duas alegorias. A da esquerda, representa Hipócrates a examinar um cego, com duas figuras femininas transportando os meios para o tratar, a da direita o agradecimento ao deus pela vida e saúde de uma criança...
Para mim, caro Professor Massano Cardoso, ao contrário daquilo que afirma no últímo periodo, este, não se limita a ser "uma pequena nota", mas sim um grandioso texto.
ResponderEliminarÀ semelhança do padre que oficiou o baptismo, tambem aqui o caro Professor, conseguiu estabelecer magistralmente a simbiose entre aquilo que é humano e o que é espiritual. Entre o que é o sofrimento da alma e o sofrimento do corpo. Por fim, entre o que é a cegueira que o desleixo provoca e as fronteiras visionárias que a vontade humana pode transgredir.
A minha humilde vénia, caro Professor.
O seu a seu dono ! É da mais elementar justiça que eu me pronuncie, COM O DEVIDO RESPEITO, perante a leitura do seu post, Professor Salvador.
ResponderEliminarVerifico, eu tb o faço amiúde, que há uma tendência para empurrarmos as culpas e as responsabilidades de tudo o que está errado, para os nossos políticos. É fácil. Pronto está resolvido. A culpa é da política.
É verdade que a alguns políticos que vão passando pelo hemiciclo, sobra-lhes em "cegueira", o que lhes falta em inteligência, e só lá estão porque ... Bem, nem é preiso estar a dizer porquê ! Todos sabemos.
No tema vertente, relevo um comentário publicado aqui, em boa altura, no 4R, que assinala uma situação exemplar, e muito bem !!!
Passo a citar o comentário, que retirei daqui:
http://quartarepublica.blogspot.com/2008/04/cuba-e-as-cataratas-dos-portugueses.html#comments
"Em 6 dias operou tanto como 5 !!! médicos num ano e por metade do preço cobrado na privada.
Em seis dias, um oftalmologista espanhol realizou 234 cirurgias a doentes com cataratas no Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, num processo que está a "indignar" a Ordem dos Médicos.
Os preços praticados são altamente concorrenciais, tendo sido esta a solução encontrada pelo hospital para combater a lista de espera. O paciente mais antigo já aguardava desde de Janeiro de 2007, tendo ultrapassado o prazo limite de espera de uma cirurgia. No ano passado chegaram a existir 616 novas propostas cirúrgicas em espera naquela unidade de saúde.
Os sete especialistas do serviço realizaram apenas 359 operações em 2007 (cerca de 50 por médico num ano). No final do ano passado, a lista de espera era de 384, e foi entretanto reduzida a 50 com a intervenção do médico espanhol.
A passagem pelo Barreiro durante o mês de Março - onde garante regressar nos próximos dois anos, embora o hospital não confirme - foi a segunda experiência em Portugal do oftalmologista José Antonio Lillo Bravo, detentor de duas clínicas na Extremadura espanhola - em Dom Benito (Badajoz) e Mérida. Entre 2000 e 2003 já havia realizado 1500 operações no Hospital de Santa Luzia, em Elvas, indiferente às "críticas" de que diz ter sido alvo dos colegas portugueses. "Eu percebo a preocupação deles e sei porque há listas de espera tão grandes em Portugal. É que por cada operação no privado cobram cerca de dois mil euros", diz ao DN o oftalmologista espanhol, inscrito na Ordem dos Médicos portuguesa, que cobrou 900 euros por cada operação realizada no Barreiro.
As 234 cirurgias realizadas no Barreiro, por um total de 210 mil euros, foi o limite possível sem haver necessidade de abrir concurso público internacional, sendo que o médico fez deslocar a sua equipa e ainda o microscópio e o facoemulsificador. O hospital disponibilizou somente um enfermeiro para prestar apoio."
Caro Professor, não haverá TAMBÉM alguns médicos OFTALMOLOGISTAS portugueses a sofrerem de "cataratas intelectuais e/ou profissionais" ?
Aceito pacificamente que, de forma pontual, o Estado Português suporte a portugueses, as despesas relativas a casos de doença, muito complexos que careçam de uma deslocação ao estrangeiro.
Não aceito que "magotes" de velhotes, se desloquem a Cuba, para este efeito. A classe médica portuguesa e o SNS tem capacidade para resolver este problema. É preciso é que haja vontade de o fazer.
O médico espanhol deu uma (enorme) bofetada com luva branca, nestes 7 médicos portugueses, que refere o comentário acima.
Cabe-nos a nós todos, enquanto cidadãos portugueses, profissionais, cada um na sua área de actividade, dar o seu melhor.
Não há varinha mágica política que resolva os problemas do País, se assim não fôr.
E tb não temos que ter vergonha em assumir os nossos erros, e seguir em frente.
Vamos ao trabalho !
os meus cumprimentos.
Acompanho. Um magnifico texto, Professor. Um daqueles que merece ser lido fora do circulo da 4R.
ResponderEliminarCara Pézinhos
ResponderEliminarMuito do que disse está contido naquilo que escrevi... Os condutores não são só os políticos, são os responsáveis, entre os quais se incluem, naturalmente, muitos colegas meus.
O facto de haver magotes a ir a Cuba teve o condão de despoletar toda esta polémica e espero, sinceramentente, que contribua para o tal combate à "cegueira"...