sábado, 10 de maio de 2008

Chumbar é assim tão mau?

Bem sei que o assunto está estafado, já estamos cansados de ouvir falar nele. O pior é se rapidamente não passamos a falar dele pelas boas razões, com orgulho e satisfação. O assunto é, mais uma vez, a educação.
Ideologia do igualitarismo? Trabalhar para a estatística? Mas qual é afinal a razão porque a ministra da educação é contra os exames? Porque é que é contra o “chumbo”?
Não creio que alguma coisa se resolva, se nada mais for feito pela qualidade do nosso ensino, com afirmações como esta recentemente proferida “Facilitismo é chumbar, rigor e exigência é fazer com que todos aprendam”. A ministra da educação considera que o chumbo é um “mecanismo retrógrado e antigo” e lembra que foi introduzido quando o sistema educativo se organizava para seleccionar e separar. Agora que o ensino é universal, que todos, embora desiguais, têm acesso à escola, todos têm que ser iguais lá dentro e à saída!?
Quando olhamos para as taxas de insucesso registadas no País, quem o diz é a OCDE, não podemos deixar de concluir que a qualidade do ensino não é boa, que ao trabalho se sobrepõe o facilitismo, que aos hábitos de disciplina e exigência se sobrepõe o laxismo, que ao gosto de ensinar e aprender se sobrepõem a rotina e o entretimento e por aí fora!
Segundo a OCDE (citado na imprensa “No More Failures”) a taxa de retenção/desistência no Básico foi de 10% – correspondente a 95.047 casos – enquanto que no Secundário a taxa ascendeu a 24,6%, ou seja, 53.587 estudantes. Números avassaladores, difíceis, é certo, de combater, mas que nos envergonham e que teimamos em não conseguir ultrapassar. Segundo o mesmo relatório, cada aluno (Básico e Secundário) custa 5.000 euros por ano. Feitas as contas a factura directa do insucesso escolar custa aos portugueses a módica quantia de 743 milhões de euros por ano. Se lhe juntarmos os "chumbos" que normalmente se sucedem à primeira experiência e os males associados – défice de qualificações, impreparação e ignorância, cidadãos com capacidade reduzida de gerar riqueza, incapacidade de recuperação e por aí fora - compreendemos que continuamos a comprometer o futuro. Os custos económicos e sociais são exponenciais!
Qualquer pessoa com um mínimo de inteligência e de bom senso compreende que os “chumbos” deveriam acabar porque prejudicam o presente e o futuro, mas que não devem esconder a falta de aproveitamento. Infelizmente há também muita gente que se habituou ao facilitismo e que fica muito contente quando houve os nossos responsáveis políticos fazerem a apologia de que o “chumbo” traumatiza os “meninos”, que prejudica a sua formação e desenvolvimento.
Enfim, mais do que discursos, o importante mesmo são as políticas prosseguidas para elevar a qualidade do ensino, na qual se incluem os professores, os modelos de gestão e autonomia das escolas, os currículos, as técnicas de trabalho, de estudo e de provas de aproveitamento, os mecanismos de intervenção para ajuda e recuperação dos alunos que têm dificuldades, as alternativas de encaminhamento profissional, etc. "Chumbar" é um mal necessário e nas actuais circunstâncias, em que não é possível de um dia para o outro sermos a Finlândia, que os nossos governantes tanto gostam de citar, o melhor é mesmo fazer exames e só passa quem sabe!

8 comentários:

  1. Cara Margarida
    Quem acompanha um pouco o que se passa no ensino, não pode ter dúvidas de que mais uma vez, é politicamente desejável para o governo, deixar uma boa imagem, ainda que falsa como Judas, junto de Bruxelas,isto é, que tudo funciona de tal maneira bem que tudo e todos, obtêm aprovação académica, quer se queira quer não. Que todos temos direito a ter as mesmas oportunidades e as mesmas hipóteses é evidente que nem se discute, agora colocar na mesma cesta os que são bons e os que são maus, os que trabalham e os que preguiçam,os que estudam e os que vivem à base de habilidades e de cunhas, aí começa a demagogia e sobretudo a injustiça e a intrujice na perspectiva social, com reflexos graves no próprio mercado de trabalho, em matéria de recursos humanos.Ao contrário do que a ministra parece pensar, a opinião dela é tudo menos democrática.

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  2. Cara Margarida,

    Qualquer pessoa de bom senso compreende que já se passou fronteira em que a produção pública de educação tinha salvação. Já não tem. Agora é desmantelar com o mínimo de impacto para os miúdos e começar a dar as escolas a quem as queira gerir com chumbos, sem chumbos, a falar português, a falar finlandês,...Chega, nem mais um funcionário público nas escolas! E os políticos devem ser recebidos como traficantes de heroína.
    O objectivo é que os miúdos saibam. Não é empregar professores, construir escolas, "formar cidadãos", tirar telemóveis, ...
    Há uma coisa destinada ao estado, uma folha A4, com perguntas de um lado e de outro, para que os alunos respondam. Que o faça sem revogar a lei de Lavoisier nem confundir a lei da gravidade com a gravidade da lei. O resto já demonstrou não saber fazer, chega.

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  3. Quando um país tem um PM licenciado da forma como o nosso foi, pode-se esperar tudo. A vergonha deixou há muito de existir entre os nossos digníssimos representantes, democraticamente eleitos.
    E o povo aplaude, olhem lá que o moço, que não dava uma para a escola, afinal é um óptimo aluno, já vai para o Politécnico de Alguidares de Baixo ser doutor! Inveja é o que vós tendes, queriam que apenas os bons fossem tivessem o canudo não era? E aqueles que tendo fracos recursos e poucos apoios familiares, se esforçaram a estudar para serem alguém, mais valia estarem quietos e esperarem pelas novas oportunidades. Até lhes pagam para acabar o secundário...Bravo país este, e brava ministra esta, que numa legislatura resolve o problema de gerações sem fim! Afinal era tão fácil, é deixá-los a todos passar.

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  4. Além do mais, ganham-se estatísticas e poupam-se umas centenas de milhões do OE. É uma win-win situation! E ainda há quem critique...

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  5. Caro antoniodasiscas
    Igualdade de oportunidades e de acesso é um direito que deve ser garantido a todos. Defender que temos que ser todos iguais e impor a igualdade nos resultados é, para utilizar a sua expressão, tudo menos democrático. Além de tudo o mais não é possível e o resultado só pode ser o nivelamento por baixo!

    Caro Tonibler
    O seu comentário é o de uma pintura negra. Tem muita razão!Numa tela assim pincelar uns riscos com cores mais claras, mais luminosas, mais frescas, parece ser tempo deitado à rua! Como em muitas outras coisas em que de tanto remendo o pano já não tem arranjo, a solução seria a de começar tudo de novo. Infelizmente, não é possível...

    Caro Ruben
    Pois é, que ingratidão a nossa! Reprovar os meninos que não estudam ou que não têm capacidade de prosseguir os estudos ou tendo alguma possibilidade necessitam de apoios adicionais não é justo! Roubar-lhes a possibilidade de tirarem um curso na "farinha amparo" enquanto o País que paga impostos anda a fazer sacrifícios pelos seus filhos e os dos outros é muito injusto!
    Depois não nos queixemos...

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  6. Para ajudar ainda mais à festa, um vislumbre do que se passa no nível seguinte, ou seja, no tão glorificado Ensino Superior, pelos leitores do Abrupto.
    E para os mais desatentos, convém lembrar que actualmente, uma parte significativa dos professores provém dessas privadas e ESEs que pululam um pouco por todo o país fora. Medo...

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  7. Caro Ruben
    Vale a pena ler o texto.
    O lockdown na definição de "uma situação em que um determinado sistema ou situação (...) fecha todas as comunicações e aberturas com o exterior bloqueia" descreve muito bem uma parte importante do funcionamento do nosso país. No fundo o lockdown provoca um "défice de autenticidade", no fundo a ilusão ou a fantasia de que se ganha, de que as coisas vão bem, impedindo que se avance...

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  8. São provavelmente centenas os estudos desde os anos 70 que apontam, sistematicamente, para a ineficacia da retenção enquanto instrumento pedagógico.
    Inversamente, muito boas prátias de ensino que não passam pela reprovação (isto é, pela ameaça da 'exclusão' do aluno do ano/turma) estão difundidas pelos sistemas mais eficazes; demoram é, infelizmente, tempo a funcionarem bem, particularmente quando os mesmos que as usam estao habituadas a chumbar os alunos em vez de os ensinar com alternativas técnicas. Quando a 'exit' é facil, a 'voice' é ineficaz.

    Obviamente, a retenção é um instrumento de selecção muito eficaz. Aliás, o nosso sistema é, de um ponto de vista internacional, um 'textbook case': record de retençoes e record de abandono escolar. E, para a figura ficar completa, maus desempenhos nos estudos internacionais. Não percebo para que serve a retenção, do ponto de vista pedagógico - a não ser o atrasar da introdução de métodos que funcionem.

    Do ponto de vista da selecção social, claro, o método da retenção é imbativel.

    A OCDE, pelos vistos, deve liderar uma conspiração internacional pelo 'facilitismo'. A mesmo organização que, estranhamente, nos diz para liberalizar os mercados de trabalho e aumentar a nossa competitividade. Algo não deve bater certo aqui.

    Cumprimentos,
    Hugo Mendes

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