sábado, 10 de maio de 2008

Preços dos cereais sobem...e leviandade política mostra-se

Os preços do milho - para além do trigo, do arroz, da soja e de outras matérias primas alimentares - também estão a bater records.
Ontem, atingiram USD 6,27 por “bushel” (medida igual a 36,4 litros, equivalente a pouco menos de 3 alqueires), registando uma subida de 75% em 12 meses (preço há 12 meses era USD 3,58).
Os analistas admitem a subida para USD 7,0 dentro de alguns meses.
Esta subida do preço do milho está a exercer grande pressão sobre os preços da carne e dos lacticínios em geral, na medida em que o milho é uma base importante da alimentação animal.
Na colheita de milho 2007/8 nos USA, a parcela afecta à produção de etanol foi de 33%, ou 4 mil milhões de “bushels”, quando em 2006/7 essa parcela tinha sido apenas de 22%, ou 3 mil milhões de “bushels”.
Devido à pressão das diferentes procuras, os stocks de milho nos USA estão ao nível mais baixo dos últimos 13 anos.
Perante estes problemas do encarecimento brutal dos bens alimentares (já nem falamos dos combustíveis) e da escassez em várias regiões do Mundo, consequência de um desequilíbrio estrutural entre oferta e procura - que se tem alguma tendência perceptível é no sentido de um agravamento nos próximos anos - o Ministro “responsável” pela pasta da Agricultura em Portugal terá declarado que se trata apenas de “um problema de preços”!
Como se os preços fossem um fenómeno abstracto e autónomo e existisse uma relação meramente acidental entre os preços e esse enorme desequilíbrio dos mercados agrícolas, provocado em boa medida pelo crescimento galopante da procura de bens alimentares nas economias emergentes…e da afectação de quotas crescentes das colheitas de cereais à produção dos biocombustíveis (etanol, biodiesel) que subsidiamos com os nossos impostos…
Como se esse problema dos preços fosse susceptível de solução à revelia do problema fundamental do desequilíbrio dos mercados…
Que bela demonstração de leviandade política! Ou será pior que leviandade?

11 comentários:

  1. Anónimo00:06

    Caro Tavares Moreira, penso que tenho uma explicação para os preços serm um fenómeno abstracto, etéreo, sem qualquer correspondencia com a realidade da oferta e da procura. Ora, queira acompanhar o meu pensamento.

    Já tinhamos aprendido há uns meses que a inflacção é um número abstracto, definido por decreto e independente dos preços. Essa lição foi ensinada e assimilada pelos membros do governo, pelos vistos. Ora, se a inflacção é um número como qualquer outro, independente dos preços ou seja do que for, parece-me perfeitamente lógico que também os preços sejam apenas um número, independente de quaisquer outros factores, nomeadamente das leis do mercado. Assim, a variação dos preços é um problema em si só e, tal como a inflacção, resolve-se o seu problema publicando um decreto que os ancore ao valor que quem escrever o decreto achar prudente!

    Isto, claro, é a minha modestissima opinião. 0:-) (smiley de santo) Que me diz?

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  2. Depois de ouvir o ministro da agricultura dizer que aquilo que era preciso era que se fizessem stocks para baixar os preços, acho que o problema do homem não é leviandade...

    Biocombustíveis é bom. Um dia vai ter que se devolver aqueles selvagens das tribos árabes de volta para o deserto. Por isso, a coisa até está no bom caminho. Do ponto de vista político é um problema de pobre porque vão ser os mesmos a morrer de fome e esses não são política. Só vai ser um problema político quando fôr um problema entre os ricos. Mas aí as coisas irão funcionar e ajustar.

    Por isso, este subida dos cereais parece-me algo transitório para nós, tão definitivo para os africanos como era antes e um belo caminho para os árabes, Chavez, Santos e outros amorzinhos deste mundo.

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  3. Caro Zuricher,

    Quer-me parecer que meu Amigo enveredou por uma via de análise quase perfeita: tem razão, eu próprio tenho dedicado algum tempo a essa reflexão, preços são uma coisa, inflação é outra.
    Sendo assim, resta-nos seleccionar um cabaz de bens cujos preços não subam (ou subam dentro do decretado), para disfrutarmos em pleno da felicidade que o milagre econômico português nos proporciona...
    Se esse cabaz for um conjunto vazio, isso é um problema totalmente secundário...O importante é consolidar nossa felicidade abstracta,e continuarmos a crer no milagre económico!

    Caro Tonibler,

    Análise social da mais perspicaz, meu Caro...brilhante como quase sempre!
    O Ministro fará stocks a partir de que realidade? Dos aterros sanitários?

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  4. Caro Tavares Moreira, boa tarde!

    Desculpe-me, mas discordo.

    Leio o seu comentário, e não tendo sido nomeado advogado de defesa do ministro, creio que a tese dele está certa. Se acreditarmos na eficiência do sistema de mercados livres e nos recursos técnicos dominados.

    O que é que eu quero dizer com isto?

    Tentando ser sucinto, e não repetindo o que já tanto tem sido dito acerca das causas dos aumentos de preços, estes aumentos vão, seguramente, aumentar a oferta de cereais a médio prazo. Não há restrições de recursos naturais nem de meios tecnológicos que impeçam que ocorram aumentos de oferta.

    Não acredito, de modo algum, nos receios neo malthusianos, o reequilíbrio será reposto, e desta crise poderão decorrer algumas alterações que já deveriam ter ocorrido e, foi essa falta que justifica em grande parte o actual estado de coisas: a reforma da PAC, a liberalização dos mercados de alimentos, por exemplo.

    Outra coisa bem distinta, e dessa o ministro não falou, tem sido a crónica incapacidade do ministério (com este e com todos os outros ministros anteriores) de colocar os seus milhares de funcionários ao serviço da agricultura, das pescas, do desenvolvimento rural, em Portugal.

    Creio conhecer um pouco do assunto porque nasci no meio e vivi grande parte da minha carreira profissional num sector ligado às florestas, e nunca percebi o que faz tanta gente naquele mi(n)istério em Lisboa e arredores.

    A activiade deste ministro (e de todos os que o antecederam nas décadas mais recentes) têm-se notabilizado por negociar subsídios junto da UE para entregar a parte de leão a meia dúzia de compadres.

    Alterar radicalmente as condições em que se processa a actividade agrícola em Portugal, a começar pela estrutura fundiária, exigindo da propriedade a eficiência económica que ela for capaz de dar, nenhum o fez.

    Apontar para acções que possam reduzir a nossa dependência alimentar implicaria adoptar algumas medidas politicamente incorrectas. Estou certo que se este ministro tivesse tentado algumas seria cilindrado, dentro e fora do governo.

    Porque quando alguma coisa tentou alterar saltaram-lhe logo os procuradores da falsa moral em cima.Quando disse que tinha gente a mais no ministério, que poderia dispensar, logo apareceram os advogados dos interesses instalados a berrar aqui d´el rei, o tipo quer acabar com aquele centro de investigação que tanto tem dado ao país.

    O que é que deu?

    Ninguém respondeu.

    De modo que, para concluir, pergunto: O que é que este Ministro deveria fazer para resolver a escassez de alimentos que estruturalmente tem figurado na nossa balança comercial?

    Porque a curto prazo, o problema não tem solução: Uma seara de milho, de arroz, de centeio ou trigo, em Portugal é de produção anual. Quem pensa que a coisa se resolve da noite para o dia nunca plantou batatas.

    A curto prazo, o mais que se pode fazer é pagar um preço mais alto.

    Lamentavelmente, o Ministro desta vez tem razão.

    Salvo melhor opinião.

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  5. Caríssimo Rui Fonseca,

    No seu estilo muito próprio, meu Amigo lá teria de vir fazer a defesa de S. Exa,só lhe fica bem e tem o dia ganho!
    Quanto à objectividade da questão, limito-me a citar aquele que me parece ser o silogismo mais significativo da sua tese: " ...não há restrições de recursos naturais nem de meios tecnológicos que impeçam que ocorram aumentos da oferta...".
    Tem o cuidado louvável, a seguir, de esclarecer que estes aumentos da oferta não se produzem no curto prazo, seus efeitos só poderão materializar-se no médio prazo...
    Noto, como aspecto mais curioso desta tese, que meu Amigo assume, tacitamente, que a procura permanece estática, à espera do aumento da oferta, para que tenhamos o tal reequilíbrio do mercado, ambicionado por S. Exa e subscrito por Rui Fonseca...
    Como é isso possível?!!!
    Quem lhe garante, mesmo que venha a verificar-se - como é natural - uma reacção positiva da oferta, que o crescimento da procura durante e até esse aumento se materializar, não será muito superior, continuando o mercado fortemente desequilibrado, anos a fio?
    E quem lhe garante, por força da crescente afectação das colheitas de cereais à produção de biocombustíveis, que não existem restrições ao crescimento da oferta para fins alimentares?
    Num post aqui editado não há muito tempo, citei o exemplo da produção de milho da região de Viana do Castelo se encontrar em grande parte tomada por compradores espanhois que destinam esse milho para a produção de biocombustíveis...este exemplo não lhe sugere que a oferta de cereais para alimentação pode mesmo vir a diminuir ainda, pelo menos no curto prazo enquanto os biocombustíveis pagarem melhor?
    Atentou no exemplo do trigo nos USA, maior produtor mundial de cereais?
    Quer melhor exemplo do que esse?

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  6. Tavares Moreira,
    Caro Amigo,

    Não penso de modo algum que a procura se mantenha estática esperando pelo aumento da oferta.
    O que penso é que existem recursos naturais e técnicos capazes de permitir o reequilíbrio a médio prazo.

    A questão dos biocombustíveis, que o meu paciente Amigo vê como um factor desequilibrador representa, ao que parece, uma parte muito minoritária na procura global. E nem terá, segundo contas feitas, grande possibilidade de vingar. Afinal de contas as refinarias também consomem energia e aquela que é necessária para a produção de biocombustíveis a partir do milho é bastante elevada e torna esta fonte energétiva não competitiva. De qualquer modo, a escassez está mais do lado do arroz (que não é utilizado na produção de biocombustíveis).

    Por outro lado não vejo como em economias de mercado se possa proibir os produtores de milho de aproveitarem as melhores ofertas.

    Todos sabemos que os preços dos bens alimentares têm sido mantidos na Europa à custa de subsídios e de restrições às importações de países do terceiro mundo. Este enviesamento do mercado teria, mais tarde ou mais cedo, de lhe provocar entorses dolorosos.

    Não defendi, portanto, o ministro nem esse era o meu propósito. Aliás fiz alguns reparos acção do actual titular e dos anteriores.
    O que disse foi que coincido com ele naquilo que pode ser feito no curto prazo dada a a situação a que se chegou: Intervir na medida em que for necessário no sentido de garantir o abastecimento das quantidades necessárias e obstar o açambarcamento. O instrumento de intervenção é oo preço.

    A curto prazo não vejo que possa ser feito algo diferente.

    Pode?

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  7. Caro Dr. Tavares Moreira
    É previsível que os países emergentes aprofundem o caminho do crescimento económico. A ser assim é inevitável o crescente aumento do consumo de bens primários, sobretudo energia e bens alimentares.
    No imediato vai acentuar-se o desequilíbrio entre a oferta e a procura, com um impacto imediato nos preços de amplitude que no passado não previmos e que suponho temos alguma dificuldade em perspectivar num futuro não longínquo.
    A prazo, com o aumento do preço do petróleo, haverá condições para viabilizar muitas das energias alternativas, assim como o novo paradigma alimentar obrigará à valorização da produção agrícola.
    Seria bom, sim, que o Ministro da Agricultura nos elucidasse sobre o que pensa sobre o novo paradigma alimentar e que políticas defende para o resolver! O resto já nós sabemos, que a situação é muito preocupante, em particular, para um país como o nosso em que não cultivamos o que comemos.

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  8. O pior é que este encapotar permanente por parte das entidades está a produzir efeitos. Os preços alimentares já dispararam e as pessoas só agora se começaram a aperceber que os preços dispararam. Este clima de euforia incompreensível, está a minar o bolso dos portugueses.

    No outro dia, assistia a uma discussão que um bar de uma escola já quase não dava lucro e até então era uma bela fonte de receita. Entretanto, aperceberam-se que foram os preços de alguns bens que tinham disparado.

    o que acontece é que as famílias mais cerenciadas são quem mais sofre com tudo isto. Começamos a caminhar para um caminho profundo e grave porque mais tarde ou mais cedo, alguém vai ter de contar ao país a verdade do panorama internacional e que este período tem vindo a mostrar-se mais longo do que esperado.

    A ver vamos como reagem as entidades governamentais. Promovem aumentos 2,1% (segundo eles, que acompanha a taxa de inflação) e a inflação na zona euro é de 3,6%.

    Caminhamos alegremente para o abismo...

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  9. André,

    "Promovem aumentos 2,1% (segundo eles, que acompanha a taxa de inflação) e a inflação na zona euro é de 3,6%."

    Se aumentassem 3,6% resolviam o assunto?

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  10. Caro TM,
    .
    A propósito de ilusionismo estatístico, talvez aprecie a leitura de

    http://www.mindfully.org/Reform/2008/Pollyanna-Creep-Economy1may08.htm

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  11. Ilustre Rui Fonseca,

    Relativamente à questão de defender ou não o Ministro, não vou insistir, limitando-me a alinhar as suas três frases em que o tema é abordado:
    1ª)"...e não tendo sido nomeado advogado de defesa do Ministro, creio que a tese dele está certa".
    2ª)"Lamentavelmente, o Ministro desta vez tem razão".
    3ª)" Não defendi, portanto, o Ministro nem esse era o meu propósito".
    Tudo isto é "Rui Fonseca dixit", insisto.
    A partir daqui que mais poderei acrescentar, meu Caro: encontrome num estado de alma pouco ou nada propiciador de qualquer tentativa de tréplica...desisto.
    Quanto à magna questão das políticas agrícolas, sugiro-lhe, para melhor esclarecimento,a leitura do interessantíssimo artigo de fundo publicado na edição de hoje do Financial Times, pág. 9, "World's farming policies stuck in a rut".

    Cara Margarida,

    Muito bem, coloca a questão no ponto essencial, não vale a pena gastar muita prosa...que orientações têm os políticos, numa perspectiva estrutural, para a crise alimentar que nos bate à porta. Para dizer que é um problema de preços, não precisamos de ministros...

    Caro André,

    Cuidado, meu Caro, a inflação de 2,1% é algo de sagrado...por isso os preços terão de BAIXAR até final do ano!
    Para sua informação, se os preços ficassem APENAS congelados desde Maio até final do ano - hipótese mesmo assim bastante ousada - a inflação média em 2008 seria...2,7%ou seja um nível claramente fora da lei!

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