Li outro dia no DN que a mania de juntar lixo em casa é sintoma de uma doença chamada Síndrome de Diógenes, que começa por se manifestar com o hábito exagerado de nunca deitar nada fora e que depois, sobretudo na velhice, acaba por se converter numa fixação patológica que gera acumulações impressionantes de lixo. O artigo dava muitos detalhes, casos impressionantes, associados ao abandono e à degradação, uma das muitas formas por que se manifesta a miséria humana.
Aquele artigo quebrou o clima pachorrento com que se anunciava o meu domingo. A verdade é que eu já andava há que tempos a adiar a arrumação de uns armários que teimavam em não fechar completamente, para não falar das gavetas mais escondidas ou que exigem que suba a um escadote para tirar de lá o que se “arruma” quando não há paciência para mais.
Pois nem é tarde nem é cedo, pensei eu, e deitei mãos à obra.
Gastei um dia inteirinho em que a família estava fora e resisti heroicamente ao livrinho que me sorria do sofá, a tentar-me a novo adiamento da tarefa. Mal fraquejava, deitando uma olhadela sorrateira ao livro, logo me lembrava do artigo do jornal e pronto, vamos então subir ao escadote.
O facto é que, naquela azáfama, amontoei um considerável número de objectos de que já nem me lembrava que existiam cá em casa, outros tantos que já ninguém pensava em utilizar, ainda outros cuja necessidade era um absoluto mistério…enfim, não seria propriamente lixo, no sentido do tal artigo que me traumatizou, mas com os anos a passarem poderiam muito bem vir a enquadrar uma perspectiva alargada da tal mania.
Ora eu detesto manias, ou seja, combato ferozmente as atitudes que parecem não ter lógica, digamos que me tenho na conta de uma pessoa prática. E aquele monte de coisas inúteis, supérfluas ou fora de uso deixou-me estupefacta, sobretudo porque tenho a vaga consciência de ter sido pouco rigorosa, de ter cedido ao sentimento ao guardar ainda umas coisinhas que me lembravam isto e aquilo, outras porque receio a fúria conservadora das minhas filhas por lhes ir tirar relíquias que ainda só sobrevivem porque não é na casa delas que atafulham os espaços. Bem vistas as coisas, não fosse eu uma sentimental, ainda teria ido borda fora muito mais tralha.
Mas o pior de tudo é que, à medida que ia tornando a minha casa mais espaçosa, não consegui evitar um pensamento crítico quanto à ligeireza com que compramos coisas inúteis ou cuja valia não vai além do momento em que nos atraiu a atenção e nos deu prazer comprar.
O que as minhas arrumações me mostraram não foi, felizmente, o tal síndrome terrível, mas que já encontrei marcas sérias de puro consumismo, isso é bem verdade…
Vou ver se me lembro disso, e do trabalhão que tive a seleccionar mil coisas, sempre que parar numa montra. Até porque gosto de ter domingos descansados, sem o caos das coisas desalojadas do seu esconderijo espalhadas à minha volta. Mas enfim, como diria uma amiga minha, que é compradora compulsiva, antes isso que uma depressão!
Aquele artigo quebrou o clima pachorrento com que se anunciava o meu domingo. A verdade é que eu já andava há que tempos a adiar a arrumação de uns armários que teimavam em não fechar completamente, para não falar das gavetas mais escondidas ou que exigem que suba a um escadote para tirar de lá o que se “arruma” quando não há paciência para mais.
Pois nem é tarde nem é cedo, pensei eu, e deitei mãos à obra.
Gastei um dia inteirinho em que a família estava fora e resisti heroicamente ao livrinho que me sorria do sofá, a tentar-me a novo adiamento da tarefa. Mal fraquejava, deitando uma olhadela sorrateira ao livro, logo me lembrava do artigo do jornal e pronto, vamos então subir ao escadote.
O facto é que, naquela azáfama, amontoei um considerável número de objectos de que já nem me lembrava que existiam cá em casa, outros tantos que já ninguém pensava em utilizar, ainda outros cuja necessidade era um absoluto mistério…enfim, não seria propriamente lixo, no sentido do tal artigo que me traumatizou, mas com os anos a passarem poderiam muito bem vir a enquadrar uma perspectiva alargada da tal mania.
Ora eu detesto manias, ou seja, combato ferozmente as atitudes que parecem não ter lógica, digamos que me tenho na conta de uma pessoa prática. E aquele monte de coisas inúteis, supérfluas ou fora de uso deixou-me estupefacta, sobretudo porque tenho a vaga consciência de ter sido pouco rigorosa, de ter cedido ao sentimento ao guardar ainda umas coisinhas que me lembravam isto e aquilo, outras porque receio a fúria conservadora das minhas filhas por lhes ir tirar relíquias que ainda só sobrevivem porque não é na casa delas que atafulham os espaços. Bem vistas as coisas, não fosse eu uma sentimental, ainda teria ido borda fora muito mais tralha.
Mas o pior de tudo é que, à medida que ia tornando a minha casa mais espaçosa, não consegui evitar um pensamento crítico quanto à ligeireza com que compramos coisas inúteis ou cuja valia não vai além do momento em que nos atraiu a atenção e nos deu prazer comprar.
O que as minhas arrumações me mostraram não foi, felizmente, o tal síndrome terrível, mas que já encontrei marcas sérias de puro consumismo, isso é bem verdade…
Vou ver se me lembro disso, e do trabalhão que tive a seleccionar mil coisas, sempre que parar numa montra. Até porque gosto de ter domingos descansados, sem o caos das coisas desalojadas do seu esconderijo espalhadas à minha volta. Mas enfim, como diria uma amiga minha, que é compradora compulsiva, antes isso que uma depressão!
"Guarda o que não presta, acharás o que precisas"
ResponderEliminarEste é um ditado popular que ouvi variadíssimas vezes os mais velhos referirem.
No entanto cara Drª. Suzana, conforme os anos passam, sentimos maior afecto pelos objectos, sobretudos daqueles que têm a "faculdade" de nos trazer à memória, momentos, fases da vida ultrapassadas com maior dificuldade e que, por isso mesmo nos ficaram gravadas.
Na minha garagem, dediquei um cantinho-museu-loja-de-utilidades, onde vou acumulando partes de interruptores, fichas electricas, peças de electrodomésticos, parafusos, etc. de aprelhos que se estragam. Esta acumulação visa o objectivo de ter peças subressalentes para reparar algum aparelho que se avarie. Na verdade, posso dizer que já encontrei ali, no meio daquele lixo, aquilo de que precisei, mesmo assim não deixo por vezes, de fazer uma limpeza e deito fora aquilo que me parece não venha a ter utilidade.
De resto, os objectos, as fotografias, etc, não constituem para mim elementos especiais, que provoquem nostalgia ou saudade.
Habitualmente quando vejo uma foto minha mais jovem, até acho piada ao meu ar elegante, simpático, cabeludo e, porque não dizer?... atraente, pois claro. eheheh. Era um borracho e isso possibilitou-me acumular algumas amizades muito queridas das quais guardo excelentes memórias.
Resumindo, (sé é que nesta vida alguma coisa se pode efectivamente resumir) acumular lixo, pode efectivamente ser um síndrome, mas acumular amizades, é um bem para a alma!
;)
Valha-me Jesus santíssimo...outro síndroma? Guarde-se. Os afectos como as memórias. Das, nas coisas.
ResponderEliminarSuzana
ResponderEliminarMuitas das coisas que guardo, embora reconhecendo que são inúteis porque não servem para nada, a não ser para ocupar e desarrumar espaço, têm uma carga afectiva que com o passar do tempo parece que vai aumentando, aumentando também a resistência para as dispensar.
Muitas coisas que guardo, que comprei ou que me foram oferecidas, têm sempre uma história associada, por pequena que seja, e são como que uma memória "viva" da vida percorrida.
É por isso muito difícil catalogá-las de "lixo", dando-lhes o destino que o lixo deve ter. É por isso, que, embora tenha vontade de as deitar fora, não me consigo livrar de certas coisas. Acabo por ter a sensação de uma certa injustiça e vem-me à ideia, se as tratar como "lixo", de estar a ser "mal agradecida".
Aqui há tempos fiz uma boa arrumação na minha arrecadação. Não tive coragem de deitar fora os cadernos de trabalhos de casa e de apontamentos dos meus tempos de estudante do liceu e da universidade. Bem sei que não servem para nada, mas fiquei muito contente por, de novo, os arrumar e acondicionar para não ganharem ferrugem!
Deve ser uma mania, mas assusta-me a ideia de sofrer do Síndrome de Diógenes.
Cara Dra. Suzana Toscano:
ResponderEliminarHá coisas realmente espantosas! Nunca pensei que o “coleccionismo” de objectos inúteis configurasse um síndrome com o nome de Diógenes.
De facto, só nos apercebemos das coisas inúteis que guardamos, quando deitamos mãos à obra.
Sobre esta matéria, vou contar-lhe a minha experiência pessoal.
Num período de oito anos mudei três vezes de casa e, só na última mudança, feita acerca de um mês, tomei consciência de que tinha meia dúzia de caixotes cheios de inutilidades que andavam às bolandas, de casa em casa, sem serem abertos. É verdade! Combinamos então que nesta nova casa só havia lugar apenas, para o que fosse útil. E assim é. E, ainda não dei pela falta das coisas que, comprovadamente, eram dispensáveis para nós, e agora são indispensáveis para outros!
Aprendi com esta mudança que se deve comprar apenas aquilo que realmente nos faz falta, seja uma simples gravata ou um par de sapatos, e dar-lhe uso até ao fim.
É claro que o conceito do “fim da coisa”, varia de acordo com os padrões de exigência de cada um, como é óbvio. Dito por outras palavras (como se calhar diria um tecnocrata à mesa de um café), deve-se amortizar os respectivos bens, dando-lhes o uso necessário. Terminado esse “uso”, alguém mais irá descobrir uma nova utilidade.
Bem sei que o hábito de guardar e conservar é uma questão cultural, pois víamos esse gesto, vezes sem conta, nos nossos avós e pais, que só utilizavam as coisas apenas em ocasiões mais “apropriadas”, como nos dias especiais, chegando eles próprios a não fruírem do prazer de utilizar essas mesmas coisas…
Tudo isto é compreensível à luz daqueles tempos, em que os bens de casa, assim como as roupas de vestir, eram muito dispendiosos. Tudo era feito para durar e passar à geração seguinte, e até mesmo os livros escolares, podiam vir a ser utilizados pelos irmãos mais novos…
Hoje é muito diferente. As casas são feitas por medida e muito funcionais; o sótão é aquele espaço de três metros quadrados na esteira; a cave é aquele espaço de seis metros quadrados para o automóvel. Não há no novo conceito de casa alguma dependência para as coisas inúteis. Como a Dra. Suzana, noutra altura, já aqui disse, tudo está ou parece estar à distância de um simples clik...
Nesta última mudança descobri, ainda, que é muito agradável abrir um armário ou um roupeiro, e ver que tudo está organizado, que há espaço, que há cor, e que tudo o que ali está ainda tem uso, que cheira a lavagens constantes…
Chiça! Eu hoje estou mesmo chato! Prometo não voltar a contar a minha “vidinha”.
Queridas amigas, garanto-vos, estais longe, longíssimo de adquirir o síndrome de Diógenes.
ResponderEliminarEm primeiro lugar, porque ainda sois jovens, demasiado jovens e o mesmo síndro-me manifesta-se sobretudo nos idosos.
Depois, porque não sois pessoas que se fechem em si mesmas, sois sobretudo senhoras de um espírito abertíssimo, curioso, atento às evoluções da sociedade e voltado para o advir.
E ainda porque sois conscientes da vossa higiene pessoal, não descurais o banho, as unhas, o cabelo, assim como demonstrais uma preocupação saudável e sóbria na escolha das toilettes que compõem a vossa apresentação.
Por tudo isto e ainda porque, aqueles que sofrem do síndrome de Diógenes acumulam lixo e não somente objectos que deixaram de ser usados, apesar de, mantê-los, acaba por ser o mesmo que os usar, apenas de um modo diferente daquele para que foram concebidos, por tudo isto, tenho o grato prazer de vos anunciar que ao final do dia, podereis pousar calmamente as vossas insignes cabeças no travesseiro e adormecer com os anjos.
Caro Bartolomeu
ResponderEliminarBelíssima prosa! Obrigada, porque me de retirou de cima o grande "pesadelo" do Síndrome de Diógenes!
Só mesmo o caro Bartolomeu para nos tirar as angústias de já estarmos com a mania de guardar tudo. E vem mesmo a tempo porque, como bem lembra a Margarida, neste afã de nos livrarmos da maleita, lá iam recordações e tudo, depois é o arrependimento ou então passados uns tempos andammos que nem umas baratas tontas à procura "daquilo" que entretanto deitámos fora.
ResponderEliminarMas o que aqui nos conta o caro Jotac é também digno de muita atenção. Essa capacidade de mudar radicalmente, de por casa nova, recheio incluido, requer muita coragem e um saudável desprendemento porque afinal, bem vistas as coisas, o que foi importante fica gravado na memória, o resto são só lembranças... E, já agora, caro Jotac, muitas felicidades nesse novo ninho!
Muito obrigado, Dra. Suzana Toscano.
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