Leio a notícia no Diário Económico de hoje e fico perplexa. O título, “Revolução wikinómica em curso”, é para mim indecifrável, tive que ler tudo para perceber do que se tratava.
Há então um novo guru americano, Don Topscott, cujo livro foi o mais vendido na Amazon.com do ano passado, que veio cá vender o seu produto. E que nos diz ele? Pois profetiza, com base em muitos e atentos estudos, que o futuro próximo, o da geração dos actuais jovens adultos, é a “geração das multidões inteligentes” porque, graças à miraculosa, instântanea e omnipotente tecnologia digital, todo o conhecimento está à distância de um “clic”.
Dominado o meio virtual, na prática os nossos pés deixam de estar na terra, livramo-nos do peso desta matéria que nos limita – ah!, a desmaterialização, esse sonho tornado realidade, até agora só abrangia os papéis mas eis que tudo é desmaterializável – e pronto, eis-nos livres como uns passarinhos! Quando quisermos saber alguma coisa, o meio virtual tem. Quando precisamos de ajuda, pedimos ao meio virtual, outras virtuais criaturas hão-de responder e o problema evapora-se. Não precisamos de chefes para nada, sabemos tanto ou mais que eles, conforme a destreza em navegar no virtual, podemos gastar muito menos tempo a trabalhar porque está tudo escrito algures num ponto do universo ali mesmo à mão de semear. O guru chama-lhes “comunidades colaborativas” e aponta como grande avanço que “o talento pode estar fora da empresa” porque, digo eu, tudo passa a estar disponível em todo o lado…
Deixemos agora de lado a minúcia de o homem querer vender a Portugal essa chave mágica da entrada no seu negócio, a “nGenera Innovation Network” e de, ao que parece, a coisa estar bem encaminhada.
O que me impressionou foi a conclusão entusiástica com que ele repeliu as sensatas reticências de Luís Nazaré e de Vítor Bento quanto ao esplendor dessa anarquia virtual nas empresas e na sociedade.”Acordem”, disse ele, “há sabedoria nas multidões, tudo nesta revolução contribui para a qualidade de vida e para sociedades mais felizes”.
Quem sou eu para duvidar de tanta revolução, de tanta virtualidade e da inevitabilidade do que este visionário nos avança. Mas permito-me ter as maiores dúvidas quanto a essa questão da felicidade.
Deixemos agora de lado a minúcia de o homem querer vender a Portugal essa chave mágica da entrada no seu negócio, a “nGenera Innovation Network” e de, ao que parece, a coisa estar bem encaminhada.
O que me impressionou foi a conclusão entusiástica com que ele repeliu as sensatas reticências de Luís Nazaré e de Vítor Bento quanto ao esplendor dessa anarquia virtual nas empresas e na sociedade.”Acordem”, disse ele, “há sabedoria nas multidões, tudo nesta revolução contribui para a qualidade de vida e para sociedades mais felizes”.
Quem sou eu para duvidar de tanta revolução, de tanta virtualidade e da inevitabilidade do que este visionário nos avança. Mas permito-me ter as maiores dúvidas quanto a essa questão da felicidade.
Um mundo em que ninguém precisa de ver ninguém, em que todos “contactam”com todos mas ninguém precisa em concreto de outras pessoas, qualquer um serve? Uma multidão prestável e anónima a responder ao mail lançado para o etéreo e os talentos espalhados aos sete ventos como uma mercadoria vulgar? Não.Tudo isso será verdade, menos a felicidade que lhe associam. Invoco a meu favor o Senhor Julião, um simples jardineiro que mal teve tempo de me ensinar os rudimentos da jardinagem antes de morrer numa curva da estrada, abalroado, na sua Vespa, por um camião desgovernado.
O Senhor Julião falava das plantas com um carinho estranho, como se fossem seres vivos, dizia que “estavam angustiadas”, que “tinham fome”, que “não lhes posso dar a água que querem para não perderem resistência” e tudo florescia sob as suas mãos grossas e rudes. Eu tentava aprender mas logo concluí que aquilo era matéria vasta, nunca saberia tanto como ele, e um dia disse-lhe que tinha pena de saber tão pouco de um tema de que tanto gostava.
E ele parou de “aconchegar” a terra à raiz da roseira e disse: “A natureza só deixa cada um saber algumas coisas. É para precisarmos uns dos outros, já viu a tristeza que era se todos soubessem de tudo? Éramos muito infelizes, assim sozinhos”.
Que pena o Senhor Julião não ter estado na conferência do guru.
O Senhor Julião falava das plantas com um carinho estranho, como se fossem seres vivos, dizia que “estavam angustiadas”, que “tinham fome”, que “não lhes posso dar a água que querem para não perderem resistência” e tudo florescia sob as suas mãos grossas e rudes. Eu tentava aprender mas logo concluí que aquilo era matéria vasta, nunca saberia tanto como ele, e um dia disse-lhe que tinha pena de saber tão pouco de um tema de que tanto gostava.
E ele parou de “aconchegar” a terra à raiz da roseira e disse: “A natureza só deixa cada um saber algumas coisas. É para precisarmos uns dos outros, já viu a tristeza que era se todos soubessem de tudo? Éramos muito infelizes, assim sozinhos”.
Que pena o Senhor Julião não ter estado na conferência do guru.
Belo e grandioso texto, cara Drª Suzana!
ResponderEliminarA figura do Sr. Julião, nele evocada é-me especialmente grata, na minha vivência no campo, tenho tido a felicidade de encontrar pessoas que são tal como o seu Julião, os últimos baluartes detentores dessa grandiosa ciência que é o entendimento das coisas simples e a sua relação com os ciclos naturais da terra e do tempo.
"Tudo isso será verdade, menos a felicidade que lhe associam." Esta frase, cara Suzana, encerra uma subtil
Lembro-me em criança, quando passava parte das férias escolares, na aldeia da minha mãe, perto da Serra daEstrela, da figura de um homem, chamado Zé Dias. Este Zé Dias, beberrão, possuia a característica dos antigos peregrinos e, montado na sua biciclete, percorria durante dias, por vezes, estradas, aldeias, lugares, com a única finalidade de conhecer. Quando voltava à aldeia, trazia sempre um rosário de histórias, muitas delas fantásticas, para contar. Porém, como o seu estado normal era de semi-embriaguês, àqueles relatos mais fantásticos, o povo que o escutava, dava sempre algum desconto. Uma das vezes o amigo Zé Dias que afirmava ainda ser primo da minha mãe (nada de estranho, naquela terra, todos são primos e primas)chegou à aldeia com uma novidade que soubera lá no cabo-do-mundo: Andava um grupo de saltibancos pelas aldeias a fazer uns espectáculos e burlavam as pessoas com notas falsas. Muitos se riram à farta com o teatro que o amigo Zá Dias montou para ilustrar o acontecimento, todos se riram muito, porque o "pau ainda vinha no ar" e depois, todos foram plácidamente recolher-se a suas casas e ao sossego das suas caminhas, deixando os seus cuidados descuidados.
Passados alguns dias, ainda estava de férias na aldeia, chega quase ao fim do dia o tal grupo. 2 carroças, puxadas por machos, miudos, homens, mulheres, tudo muito alegre, tocavam bombos, pandeiretas, dançavam e íam chamando o pessoal para o largo da aldeia, onde assentaram arraiais.
"Tudo isso será verdade, menos a felicidade que lhe associam."... Porque, como se perceberá fácilmente, naquela época, 100 escudos era uma nota que não chegava nunca ser vista pela mairia dos comuns habitantes daquela aldeia, por isso, o ilusionista, até podia tirar uma "pen" de dentro da caixinha de fósforos e entrega-la ao ex-dono da nota de 20 escudos, que ele aceitava-a como sendo uma nota de 100 esscudos.
ResponderEliminarO Sr. Decidido era o cabo da guarda e regedor da aldeia, mais arguto, mais informado, pois o homem possuia uma galena onde ouvia diáriamente o noticiário e alguma música e recebia jornais. Quando ouviu a história contada pelo Zé Dias, ficou logo com a "pulga atrás da orelha" e, na altura em que o espectáculo dos saltimbancos culminou com a fantástica aparição da nota de 100 escudos em substituição da de 20 que um deslumbrado entregou ao mágico, o Sr. Decidido saíu do anonimato, pegou na nova nota, inspeccionou-a, puxou o ilusionista para trás do "palco" e proferiu a sentença mágica... ou devolves imediatamente a nota ao dono e saem já da aldeia, ou telefono para Seia e vam já aí a guarda prende-los a todos. E não é que se operou um verdadeiro número de magia?
Com a pressa de saírem dali, os saltimbancos até se esqueceram de levar consigo o móbil do crime.
ResponderEliminarNo entanto, e pasme-se... no dia seguinte, chegou aos ouvidos do Regedor que o Toino da Eira andava a espalhar pelo povo que ele lhe tinha ficado com a notita de 100 escudos.
Mas o Decidido que não o era só de nome, foi logo à procura do Toino, encontrou-o na tasca do Loureiro e depois de lhe chamar burro com todas as letras e de lhe esfregar a nota falsa no focinho, perguntou-lhe se ele sabia distinguir uma couve de um nabo.
Não sei se o Toino percebeu a pergunta, mas calou-se e calaram-se todos os presentes. Nestes casos, é que a autoridade tem de actuar e demonstrar porque razão o é.
Cara Suzana:
ResponderEliminarO Sr. Julião era um sábio.
O guru americano, um ignorante.
E há sempre notáveis que se põem a jeito para ouvir patacoadas como as referidas.
Só não percebo por que razão é que o homem não confia nas suas teorias da "comunidade colaborativa" e teve que vir a Lisboa vendê-las de viva voz!...
De tão convicto que parece estar, este cibernauta vive certamente já uma nova realidade: é rico devido a tantos downloads do seu livro!
ResponderEliminarAgora a sério. Até concordo com muito daquilo que ele diz… No entanto, se eu estivesse presente aquando da conferência em Lisboa, perguntar-lhe-ia como é que ele acredita tanto num mundo que se pode desmoronar com um simples apagão…
"Guru" ainda é elogioso ou já é, definitivamente, depreciativo?
ResponderEliminarE que pena, Suzana, o guru americano não ter confessado que, para conhecer a terra e nela cultivar as flores, o Senhor Julião não é substituível pelas "Wikis".
ResponderEliminarCertamente que a geração internet vai mudar, ou melhor já mudou, o modo de funcionamento das empresas, a maneira como se organizam, o relacionamento que se estabelece entre as pessoas, etc., mas não creio que a felicidade possa estar dependente do espaço cibernauta. Os homens terão esta percepção e serão capazes de moderar esta nova vaga, que em muito tem beneficiado a nossa qualidade de vida, mas que apenas contribui com uma parte para dar sentido à vida...
Caro Bartolomeu, com a sua história tão divertida pôs o dedo na ferida, a charlatanice está muitas vezes escondida sob a capa destes anúncios fantásticos, é um perigo real, sem dúvida. Galinha gorda por pouco dinheiro... e o pior é que às vezes o dinheiro envolvido é muito e a galinha é tuberculosa!
ResponderEliminarCaro Jotac, esse comentário é fulminante, de facto esta construção universal é tão frágil!
Caro Tonibler, guru é o modo como ele é apresentado, um visionário que vem cá chamar-nos estúpidos a todos e ceguinhos aos que se atrevem a duvidar de todas as maravilhas que apresenta. Se fosse mais modesto era apenas um consultor...
Margarida,o problema é que se pretende substituir essa relação pessoal pelo "contacto" cibernético, desvaloriza-se essa interacção e as pessoas estão mais isoladas e cada um, em si mesmo, não conta nada. Depois falam do crescendo das depressões, não é para admirar!