sexta-feira, 27 de junho de 2008

Desequilíbrio externo em forte agravamento - Programão "vira" delírio?

Foram divulgados na 3.ª Feira os dados provisórios das contas externas para o período Jan-Abril/2008, os quais mostram um forte agravamento do défice com o exterior, apesar da economia se encontrar praticamente estagnada (ou mesmo em recessão).
Assim, o défice da balança corrente evidencia um aumento de 41,75% em relação a idêntico período do ano passado (de € 4.678 milhões para € 6.631 milhões), sugerindo que no final do ano pode ficar bem acima de 12% do PIB.
O défice na rubrica dos rendimentos - o que melhor evidencia a nossa dependência financeira externa - subiu 36,3% (de € 1.959 milhões para € 2.671 milhões) e, a manter-se este ritmo, atingirá no final do ano a bela cifra de € 10.000 milhões, ou seja 6% do PIB.
Com este nível de dependência financeira do exterior, que deverá acentuar-se ainda mais nos próximos anos, o problema do financiamento de todos os sectores institucionais - Famílias, Empresas, Estado – está a transformar-se num pesadelo, o qual se precipitou com a crise dos mercados financeiros e de crédito.

Nada têm de surpreendente, assim, as notícias que vão chegando sobre:
- As dificuldades crescentes de milhares de famílias resultantes do excesso de endividamento;
- A ruptura financeira de dezenas e dezenas de Municípios (mais de 70 segundo notícia recente);
- A asfixia financeira das Universidades e Politécnicos, algumas das quais passaram a afectar ao pagamento de salários as verbas que lhes foram atribuídas para outras finalidades, numa clara violação da lei de execução orçamental a que ninguém parece dar atenção (ou preferem fazer de conta que nada se passa);
- As crescentes dívidas do sector da saúde à indústria farmacêutica e a uma miríade de outros credores, bem como a crescente a falta de médicos e a pressão sobre estes para que não prescrevam fármacos mais caros, a que se assiste nos hospitais públicos cuja gestão se vai tornando cada vez mais precária;
- O crescimento imparável das dívidas das empresas públicas, resultante de explorações fortemente deficitárias, em especial na área dos transportes (além dos já referidos hospitais), colocando o problema de saber como e quando vai o Estado assumir essas dívidas – que em grande parte já garante através do mecanismo do aval e que ascendem a muitos milhares de milhões de euros, provavelmente mais de 15 mil milhões.

O que neste contexto financeiro quase dantesco impressiona, e muito, é a insistência no Programão de obras públicas.
Visto a esta luz, o Programão começa a transformar-se num perfeito delírio - já nem haverá dinheiro para lançar essas obras, avançar à revelia destes sérios avisos é acto de perfeita insanidade...
Custa-me acreditar que não haja no Governo e noutros órgãos de soberania pessoas que não sejam capazes de ver o problema potencialmente insolúvel que estamos na iminência de criar a nós próprios...
Parece pois incontornável e urgente, nesta altura dos acontecimentos, uma reflexão nacional sobre este tema.

7 comentários:

  1. O Programão é a solução. É, aliás, um conjunto de medidas que a história vai classificar como milagre económico e que melhor se adequa ao envolvimento cultural português.

    Senão vejamos, temos uma fracção com um numerador e um denominador.

    Para baixar a fracção, ou baixamos o numerador, ou subimos o denominador.

    Para baixar o numerador é preciso trabalhar bem.

    Para subir o denominador, é só preciso pedir dinheiro emprestado.

    Como trabalhar (e aqui é também de louvar o multiculturalismo do governo) é bom para o preto, pedimos dinheiro emprestado.

    No futuro, dívida só será problema se formos um país independente, porque se não formos já não é problema nosso, é problema dos espanhóis, dos alemães ou de quem mandar nisto.

    Com tudo isto, ainda há quem confie nos relatórios de OCDE que dizem que nós não temos literacia matemática. Invejosos, é o que eles são todos!

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  2. 6 estrelas do Dubai para o caro tonibler !
    :)

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  3. Anónimo14:57

    Caro Tavares Moreira, sabe, este seu post é de extrema lucidez e deu-me imenso prazer ler. Pegando no que escreve quase no fim do seu post, a sua dificuldade em crer que não haja no Governo ou nos demais órgãos de soberania quem veja o potencial de problemas que tudo isto irá criar, sinceramente penso que sim, que efectivamente há quem perceba o alcance destas decisões e saiba o seu resultado. Porém há um incentivo muito forte para ir adiante: há alguma coisa que dê mais votos do que grandes obras públicas? Há algo que dê tanta projecção como obras faraónicas? Este é o incentivo.

    Pode perguntar-se agora o que sucederá quando as finanças públicas implodirem, quando uma qualquer empresa ou ente públicos, um belo dia disserem aos sindicatos bancários junto dos quais têm dívida que não têm dinheiro sequer para lhes pagar os juros, enfim, podem colocar-se várias questões. Mas isso fica muito mais longe do que as eleições de 2009 e, obviamente, o actual governo preocupa-se com uma coisa de cada vez, separando tudo muito bem separadinho como se nada se interligasse e vai fazendo navegação à vista. Resolve as coisas no momento, pontualmente, e conforme elas se apresentam. Portanto, quando as finanças públicas implodirem, pensarão nesse assunto. Neste momento há coisas mais importantes a ocupar o pensamento...

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  4. Caro Tavares Moreira

    A reflexão nacional é impossível porque exisge formação escolar básica e conheciemnto para discutir os assuntos.
    A reflexão é impossível, porque estamos aprisionados no consenso e no colete de fforças do politicamente correcto.
    A reflexão é impossível porque supõe pensar o impensável. Alguns exemplos:

    a) Foi equacionado e estudado o custo de desalojar os milhares de clandestinos que vivem em torno da Portela e aumentar o actual aeroporto em terrenos públicos?
    b) Foi equacionado e estudado o custo de fazer um tunel, em vez da ponte Chelas/Barreiro?
    c) Foi equacionado vender a actual frota dos ministérios e comprar veículos mais baratos para todos, de ministro a director geral?
    d) Foi equacionado uma sobre taxa de solidariedade, a onerar os rendimentos acima de € 62.000 anuais e dos rendimentos das empresas?
    e) Foi equacionado atrair um novo construtor de automóveis, com uma reserva de mercado de, pelos menos 30%, desde que construisse uma fábrica de veículos eléctricos?
    f) Foi equacionado apoiar uma empresa ( de capital português e com todos ou quase todos os grandes grupos económicos) distribuidora/fornecedora de estações de abastecimento de electricidade, ao mesmo tempo que se pede à Honda para se vir instalar em Portugal?

    Como vê, é... impensável

    Pena é que Israel e a Dinamarca estão a implementar a ideia e) e a Califórnia apenas está a implementar parte da ideia f).

    Cumprimentos
    Adriano Volframista

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  5. Caro Tavares Moreira,

    Se a balança de rendimentos tem um saldo negativo, isso significa que enviamos mais rendimento para o exterior do que aquele que recebemos, o que é positivo! Mostra um país um pouco mais desenvolvido. O que é realmente mau ser negativo na Balança Corrente são as de Mercadorias e de Serviços. Ter a de Rendimentos e a de Tranfs Correntes negativas é bom!

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  6. Caro Tonibler,

    Já tinha entendido que o Senhor passou para outro plano, bem mais sofisticado, de análise destes nossos pequeninos problemas...não tarda muito, estarei a segui-lo!

    Caro Zuricher,

    Asua análise/diagnóstico da problemática que ensaiei è simplesmente patética, embora eu não me encontre em condições de o contrariar...a ser como diz, estamos bem arranjados!

    caro Volframista,

    Tenho de reconhecer a pertinência das questões que suscita, para as quais, se bem me parece, jamais teremos resposta da classe política - de acordo, então?

    Caro Tiago Ramalho,

    Tenho de tirar-lhe o chapéu pela descoberta! Será o Senhor o mentor económico do Ideólogo do Betão? Olhe que se não é, bem parece...
    Ou será discípulo do nosso estimado Professor Ricardo Reis que em Agosto do ano passado prefaciava o desaparecimento em 30 dias da crise do crédito, para ele apenas e tão só uma crise passageira do mercado monetário?
    Importante o desenvolvimento de sua revolucionária tese...se os nossos credores externos puderem concordar com ela, pode crer que da minha parte nunca será levantada a menor objecção!

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