Sempre gostei de Matemática. Desde miúdo que as contas, os números, as análises quantitativas têm feito parte do meu dia-a-dia. Certamente por defeito de formação e por habituação – mas a verdade é que me sinto sempre mais confortável quando os “números” me ajudam (seja em opiniões, análises ou discursos) do que quando não posso a eles recorrer. Para além disso, penso que a Matemática (como outras disciplinas quantitativas) é fundamental para desenvolver a capacidade de raciocínio e o intelecto. Um país cujos recursos humanos tenham uma relação, digamos, “difícil” com a Matemática nunca terá, em meu entender, uma qualificação superior a outro em que tal não suceda. E, assim sendo, nunca poderá atingir um grau de desenvolvimento sustentado superior: é unanimemente reconhecido que, seja qual for o país em questão, não há factor de progresso que, a médio e longo prazo, se revele mais importante do que a qualificação da sua população.
Vem esta introdução a propósito da recente realização do exame nacional de Matemática do 12º ano, ao qual se submeteram cerca de 50 mil estudantes. Ora, é sabido que a Matemática é, para a maior parte da população portuguesa, incluindo os actuais estudantes, uma espécie de “bicho papão”, uma “dor de cabeça” que (quase) todos bem dispensavam. E que se reflecte num preocupante nível de iliteracia que os resultados do Programa Internacional para a Avaliação de Alunos (PISA), publicado pela OCDE de três em três anos confirmam (cá estão os números!...): na última edição, a de 2006, a média de conhecimentos a Matemática dos nossos alunos de 15 e 16 anos era de 466 pontos (média da OCDE: 498 pontos), e Portugal ocupava o 26º lugar do ranking (em 30 países), deixando atrás de si apenas a Itália, a Grécia, a Turquia e o México. Pior: o valor de 2006 era o mesmo de 2003, provando não ter existido qualquer progresso nesta matéria desde então.
Ora, quando, à saída do referido exame nacional de Matemática, as opiniões mais ouvidas entre os estudantes sobre a prova que tinham acabado de realizar eram “fácil”, “acessível”, “sem problemas de maior”, nem queria acreditar. Pior: os mesmos comentários eram semelhantes aos obtidos no fim de outras provas anteriormente realizadas – e a opinião dos alunos quanto à “facilidade” da prova era partilhada por professores e especialistas na matéria. Finalmente, a tendência dos resultados dos exames nacionais do 12º ano de Matemática nos últimos 3 anos é claramente ascendente: uma média de 6.9 valores (em 20) em 2005; 7.3 em 2006; 9.6 em 2007… e, quase apostaria que será registada uma forte subida em 2008. Assim, o que parece é que os conhecimentos de Matemática dos nossos estudantes do 12º ano estão a melhorar ano após ano. O que, claro, se reflectirá nos rankings internacionais. Mas que, infelizmente, não corresponde à verdade – como mostra a coincidência entre a melhoria das classificações e a “facilidade” que alunos, professores e especialistas encontraram nos exames.
Em Portugal passou-se, pois, a trabalhar para os rankings – o que é inaceitável, porque revela uma tentação de mascarar a qualidade do nosso ensino, bem como a qualificação dos nossos estudantes. Resultados melhores com exames reconhecidos como mais fáceis por todos não indiciam qualquer melhoria na qualificação e na competência futura dos recursos humanos – ainda que os rankings possam (erroneamente, já se vê) apontar para isso. Ora, mesmo tendo um sistema fiscal mais atractivo e competitivo (área que considero fundamental para progredirmos economicamente), uma legislação laboral mais flexível, uma justiça mais rápida, e uma Administração Pública mais desburocratizada em todas as vertentes, nunca conseguiremos atingir um elevado nível de desenvolvimento sustentável se a qualificação dos nossos recursos humanos não melhorar… e muito. O que, a avaliar pelo caminho escolhido, de facilidade e de aparência, não irá suceder.
Queremos ter melhores resultados?... Pois baixe-se o nível de exigência e torne-se os exames mais fáceis… e eis-nos a subir nos rankings!... Mais exigência e rigor no ensino e nas provas?... Não, isso nem pensar!...
Desgraçado do país que tem um Governo que aposta nas aparências para mascarar a realidade!... Uma verdadeira tragédia.
Nota: Este texto foi publicado na coluna "Seleccção Natural" no jornal "Sol" em Junho 28, 2008.
Somos governados por um PM que terminou a licenciatura fazendo um exame por fax. Mais palavras para quê?
ResponderEliminarNuno Nasoni
Caro Miguel Frasquilho,
ResponderEliminarDo seu texto pode-se concluir que é condição necessária para o sucesso da matemática em Portugal a existência de exames de nível de dificuldade elevada.
Ora, se este ano foi fácil é porque no passado seriam mais difíceis, o que, pela sua lógica, nos deveria ter garantido outra posição no PISA.
E a verdade é que não garantiu...
O índice PISA não é afectado pela dificuldade dos exames e, por isso, não é para os rankings que se está a trabalhar. É só para mandar uns quantos números para cima de uma oposição que os "come" como se fossem doces...
ResponderEliminarsc
ResponderEliminar"Do seu texto pode-se concluir que é condição necessária para o sucesso da matemática em Portugal a existência de exames de nível de dificuldade elevada.
Ora, se este ano foi fácil é porque no passado seriam mais difíceis, o que, pela sua lógica, nos deveria ter garantido outra posição no PISA."
Com tais brilhantes conclusões, penso que este comentador teria graves problemas na resolução dos actuais exames de matemática.
Exames de nível de dificuldade elevada? Diga-me lá quando é que foi o último?
Se este ano foi fácil é porque no passado seriam mais difíceis? Não, este ano foram muito mais fáceis do que no ano passado. A comparação é entre fáceis e muito fáceis.
Exemplos:
2007 exame do 9º ano
Nº de pessoas (em milhares) que viu televisão num computador em Janeiro (680) e em Fevereiro (663) – enunciado.
Pergunta – determina a percentagem correspondente a esta diminuição.
Segundo o comentador sc esta é uma pergunta do tempo dos exames difíceis.
2008 exame 9º ano
Numa sala de cinema, a primeira fila tem 23 cadeiras. A segunda tem menos três cadeiras. A terceira fila tem menos três que a segunda e assim, sucessivamente, até à última que tem 8 cadeiras.
Pergunta – Quantas filas de cadeiras tem a sala de cinema.
Como penso que o comentador em questão terá alguns problemas na resolução deste verdadeiro quebra-cabeças, faço-lhe um desenho igual aos que muitos alunos fizeram para dar a resposta.
00000000000000000000000 -1ª
00000000000000000000 – 2ª
00000000000000000 – 3ª
00000000000000 – 4ª
00000000000 -5ª
00000000 -6ª
Se não estivéssemos a falar de um exame que culmina 9 (NOVE) anos de escolaridade, esta tragédia até teria graça.
Caro JM:
ResponderEliminarExemplar!...
No tempo em que andava na primária, esse problema de soma fazia-se na 3ª classe.
Sugiro consulta aos Cadernos de Problemas do Prof. Tomás de Barros, se bem me lembro do nome.
Assim continuando, um doutoramento futuro, "suma cum laude" deve equivaler mais ou menos a um bacharelato de há uns anos atrás...
Meu caro Miguel:
ResponderEliminarLeio a sua opinião sobre esta questão dos exames de matemática, questão de resto já aqui trazida várias vezes.
Nunca comentei este assunto que me causa alguma perplexidade.
Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber as conclusões a que os meus ex.mos amigos e comentadores na mesma onda, retiram.
Estou obviamente de acordo que não se deve cair no facilitismo nos exames. Estou ainda mais de acordo que cair no facilitismo para ficar bem na fotografia dos rankings, não faz qualquer sentido e deve ser obviamente criticado.
Mas já me custa perceber esta ideia que vejo perigosamente a consolidar-se de que essencial no processo ensino-aprendizagem são as avaliações.
Posso dar o meu testemunho pessoal com base em mais de 20 anos de docência. As avaliações para mim sempre foram um episódio. Nunca as considerei o objectivo. Deverão ser exigentes? Devem, pois! Mas tão exigentes como exigentes devem ser os critérios de ensino, tal como os critérios de aprendizagem.
Os exames devem servir para aferir os conhecimentos que foram trasmitidos/adquiridos ao longo do tempo lectivo.
Por isso, para mim, mais importante do que a exigência dos exames é a exigência no ensino.
Dou-vos também o meu testemunho de pai. O meu filho mais novo sofre hoje o drama de frequentar uma escola exigente no ensino e nada facilitista nas avaliações. Resultado: não consegue competir com os colegas que noutras escolas têm notas superiores às dele que é bom aluno, sentindo em risco a entrada na faculdade que escolheu.
Em tempos, dando-se conta disso, pediu para mudar de escola. Para uma onde a média, designdamente a matemática, é muito superior à da escola dele e para onde têm "migrado" aqueles que nos anos anteriores viram aí uma forma de melhorar as suas classificações. Sei eu, e felizmente sabe o meu filhote, que apesar de provavelmente vir a obter melhores notas, aprenderá menos. E decidimos, com o acordo dele, mantê-lo na escola que frequenta. Prefiro, preferimos, uma melhor preparação do que a garantia de melhores notas.
Finalmente. Para ser totalmente franco não vi os testes de matemática nem quaisquer outros, mas acredito que tenham sido fáceis ou pelo menos mais fáceis do que em anos transactos. Mas sendo assim, a grande questão é esta: será que é com testes mais difíceis que melhoraremos o nível da formação em matemática, ou esse objectivo obtém-se a montante com outra qualidade do ensino ministrado, o que pressupõe qualidade dos programas e exigência de competência científica e pedagógica de quem os ministra?
Caro JMFA,
ResponderEliminarSe me permite, nada disto que é focado por aqui representa a resolução do problema nem, como diz, testes mais difíceis resolviam o problema. Aquilo que o que aqui é focado é a forma como os serviços públicos resolvem os SEUS problemas deixando os problemas das crianças exactamente na mesma.
Porque, como é óbvo, aquilo que é preciso é ensino melhor e isso é com um bom programa e um bom professor, coisas que vamos continuar a não ter, apesar do enorme sucesso nos exames.
Caro JMFF,
ResponderEliminarSubscrevo, na íntegra, o seu comentário. E não resisto a dizer, com todo o carinho: é de PROFESSOR!
Mas tenho também de lhe agradecer, e não é só pela excelente qualidade do texto e das ideias. É que neste assunto já me começava a ver como o fiho daquele pai que, de regresso à aldeia depois de assistir ao juramento de bandeira do filho, disse ao amigo, todo orgulhoso: "olha que o meu filho era o único que ia com o passo certo!"
Afinal, sobre esta questão, há mais quem "queira" pensar como eu.
A exigência tem de ser uma atitude: todos os dias, e em tudo. E não podemos esquecer que a outra face da moeda da exigência é o rigor.
E é à luz desse rigor que me custa ver as pessoas a atirar todas as culpas dos problemas para os elos mais fracos que encontram, em cada momento. Neste caso os exames.
Sejamos também exigentes e rigorosos nas nossas análises
É que eu gosto mesmo de matemática, e custa-me vê-la ser tratada assim...
Não há nada como cada um escolher o exame que quer fazer. E há-os de vários níveis de dificuldade.
ResponderEliminarhttp://www.collegeboard.com/student/testing/sat/lc_two/math1c/prac/prac02.html?math1c
http://www.collegeboard.com/student/testing/sat/lc_two/math2c/prac/prac01.html?math2c
http://www.collegeboard.com/student/testing/ap/calculus_ab/samp.html?calcab
http://www.collegeboard.com/student/testing/ap/calculus_bc/samp.html?calcbc
http://www.collegeboard.com/student/testing/ap/statistics/samp.html?stats
É claro que estes exames não têm a mesma utilidade. Mas nem todos podem ir o MIT...
Excelente análise, Ferreira d'Almeida, às vezes faz falta um ponto de situação...
ResponderEliminarMeu caro José Mário,
ResponderEliminarO ponto aqui é que não se tem vindo a aumentar a qualidade do ensino ministrado - mas quer-se fazer crer que sim... como?... pois aumentando o grau de facilidade dos exames!... E isso, apesar de nos poder fazer subir em alguns rankings internacionais e melhorar as estatísticas dos resultados nacionais, não resolve rigorosamente nenhum dos nossos problemas da falta de qualificação de recursos humanos. Também concordo que a realização de exames não deve ser tudo na avaliação dos estudantes, mas deixo só a questão: pela vida fora não temos todos que fazer vários exames, a maior parte deles sem aviso?... Que melhor preparação se pode ter do que fazer "exames" enquanto se é estudante?!... Que profissionais queremos formar para amanhã?!... É que é do futuro do país que estamos a tratar... Se achamos que isso se resolve mascarando a realidade, então estamos conversados!...
Em futuras oportunidades voltarei ao assunto.