As notícias vindas hoje a público sobre a situação do grupo AdP poderiam e deveriam levar a tê-lo como um study case do universo empresarial público. É que a AdP não é um grupo empresarial qualquer. Pela sua dimensão (ver aqui o organograma), pelo seu volume de negócios, mas sobretudo pela essencialidade das actividades que desenvolve (águas, resíduos e energia) é seguramente o mais importante conglomerado de empresas dominadas pelo Estado.
Assente em legislação que definiu, num dos governos do Professor Cavaco Silva, o modelo de gestão de adução e tratamento para distribuição de água destinada ao consumo público, foi nos governos do Engenheiro António Guterres, mas sobretudo no tempo do Engenheiro Sócrates como Ministro do Ambiente e do Engenheiro Mário Lino como presidente da AdP que o grupo se consolidou muito à custa de um perfeito entendimento estratégico entre os dois.
Há muito que se reclama pela reestruturação deste modelo. Porque se num determinado momento foi importante - reconheça-se - a estratégia de apostar direcção centralizada da gestão da água em alta, com o sucesso medido pela elevada taxa de cobertura no abastecimento com qualidade, não se percebe que razões levam a manter fechado o sector ao mercado, mas também nalguns casos às autarquias com condições para uma gestão mais eficaz e mais próxima das necessidades das populações.
Não tenho dúvidas que ao PSD cabem as responsabilidades de, no tempo em que foi governo, ter hesitado em escolher o modelo sucessivo. Mas o PS já revelou que não tem interesse em mudar este centro de poder efectivo, que entre outras coisas acolhe muita da clientela partidária nos seus amplos quadros gestionários.
Em tempos, a desculpa para a falta de reestruturação do grupo através do envolvimento de outros players, era a ausência de transposição da Directiva-Quadro da Água. Essa ocorreu entretanto, sem que ninguém, literalmente ninguém, colocasse a questão.
O mesmo se diga das outras fileiras de negócio do grupo. O reforço da posição da AdP nas energias renováveis indicia que a estratégia não é a recondução do core do grupo às actividades com que se imaginou fazer dele o instrumento de satisfação otimizada de necessidades públicas, fornecendo um bem essencial com qualidade. Não. Os sinais vão no sentido oposto. De a AdP multiplicar os seus tentáculos, afirmando a presença do Estado onde o discurso oficial proclama as virtudes da iniciativa privada. Com bons resultados? Aí está o relatório do Tribunal de Contas para dar a resposta. Aí estão, revelados, alguns dos sintomas habituais da gestão ineficaz, insensível aos custos do desperdício. Aí estão, na sua plenitude, as mordomias injustificadas que só não são imorais porque (como dizia um autor) há muito que se perdeu o padrão da moralidade.
Outro aspecto que deveria merecer atenção é o que se passa com o negócio do tratamento e valorização dos resíduos, que há muito se esperava, por razões de pura racionalidade, que se autonomizasse e permitisse a cooperação de outros capitais e know-how. Mantém-se, sem dar sinais de descolar do grupo e sem que se perceba que vantagem advém para o interesse geral desta concentração de actividades.
Justificavam-se umas linhas sobre o flop da estratégia de internacionalização da AdP como das relações com as autarquias, principais clientes de algumas das empresas do grupo. Mas este também já vai longo, pelo que, se houver tempo e paciência, pode ser que abramos um terceiro post sobre o assunto.
a minha experiência profissional permitiu-me sempre acompanhar a questão da ADP. Envio dois artigos que escrevi no Jornal de Negócios na minha coluna de Opinião "Torre de Babel" que mantêm actulidade perante a situação ora desvendada da ADP e do mercado do ambiente.
ResponderEliminarE concordo plenamente com o efeito polvo da estrategia da ADP: energias renovaveis, mercado de carbono?
Jornal de Negócios
Torre de Babel –
Maria Teresa Goulão
A espinhosa liberalização do mercado do ambiente
Em 1993, o Governo de então desenhou a estratégia da empresarialização do sector do ambiente. Seguiu-se o Governo socialista e a criação, a um ritmo inaudito, de sociedades de capitais maioritariamente ou exclusivamente públicos. O Grupo ADP concebe, constrói, explora e gere sistemas de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos e industriais, e explora “numa mancha de óleo” outras “utilities”, sendo por isso hoje constituído por 63 empresas. Sucumbiu a ADP também á actractividade do mercado em baixa, apostando numa pantanosa “Aquapor” de capitais públicos que intervém no mercado em condições de concorrência e de transparência discutível.
O modelo inicialmente configurado, foi desvirtuado, sociedades que de instrumentais para garantir um novo e eficiente mercado, fomentado o desenvolvimento das capacidades nacionais, melhorando as nossas metas de atendimento e de qualidade, se transformaram em sociedades instrumentalizadas pela vontade de um accionista que nunca teve pudor de mostrar o seu ascendente e peso num mercado cada vez mais centralizado.
O Estado protagoniza, em simultâneo diversas funções sem haver entre elas uma clara e saudável separação: a de accionista maioritário, regulador, gestor, tutela política e administrativa, fiscalizador, legislador, investidor. Assistiu-se á pulverização e dispersão de empresas em todo o território, ignorando rentabilidades e eficiências, concorrência saudável, economias de escalas, indicadores de desempenho dos sistemas, e a avaliação da estratégia da gestão, muitas vezes executada por uma corte de gestores políticos.
O sector do ambiente é estratégico para o país e tem potencialidades de desenvolvimento na exploração da cadeia de valor que lhe está associada e que hoje se encontra desaproveitada , constituindo uma verdadeira reserva de novas oportunidade de negócio num sector produtivo de bens transaccionáveis.
Os negócios da área do ambiente – como em tantas outras áreas - não podem ser dominados por interesses puramente financeiros que os olham como aplicações rentáveis de capital, antes têm que ser encarados por verdadeiros “empresários da indústria” capazes de gerar valor na produção de bens e serviços transaccionáveis, reforçando o tecido empresarial nacional e a nossa economia.
A função reguladora tem que sair das trevas onde tem estado, e tem um papel fulcral ao nível da regulação estrutural do sector, no funcionamento do mercado, nas regras da contratação, na defesa dos interesses dos consumidores e na promoção da qualidade do serviço prestados pelas entidades gestoras. Resta agora aguardar que o IRAR se venha a configurar como um organismo verdadeiramente independente, intervindo também junto das entidades da administração local que gerem directamente os sistemas.
Os caminhos a seguir para a reestrutuação do sector do ambiente mostram-se tortuosos. Os desafios são muitos: elevados investimentos a realizar, a nova directiva de água para consumo, a revisão - que também tarda da “lei da água”. Há já um cenário descrito no Relatório da Roland Berger. Precisamos de reflectir sobre a valia dessa solução e configurar outras alternativas. Não temos é tempo para mais ziguezagues.
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Jornal de Negócios
Torre de Babel –
Maria Teresa Goulão
Jornal de Negócios
Torre de Babel – 20 de Maio de 2004
Maria Teresa Goulão
Adp. Águas de Portugal : the day after tomorow
Esta semana fica a conhecer alguns aspectos relativos à configuração do modelo de reestruturação do sector das águas. Neste momento o Grupo ADP tem um total de 67 participadas em diversas áreas de negócios: concebe, constrói, explora e gere sistemas de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos industriais e especiais. A “Aquapor”, “sub-holding” que opera em baixa, em condições de concorrência e de transparência discutível é outro activo que a ADP não resistiu em deter e reforçar a sua posição no mercado.
A empresarialização do sector foi da responsabilidade do Governo do Prof. Cavaco Silva, com Teresa Gouveia como Ministra do Ambiente, em 1993. Mas utilizando o mesmo modelo jurídico-constitucional, o Grupo AdP foi tecendo uma teia ao longo do território, numa posição cada vez mais estatizante. A ADP, arrisco a dizer, tornou-se uma predadora do mercado.
Assistiu-se à pulverização e dispersão de empresas em todo o território, ignorando rentabilidades, eficiências e concorrência saudável. Desprezaram-se economias de escalas e indicadores de desempenho dos sistemas, não sendo conhecidas a avaliação de resultados da gestão executada por uma corte de gestores políticos que pululavam de empresa em empresa.
De facto, era expectável que a nossa necessidade de convergência ambiental com os nossos parceiros comunitários, com a melhoria das nossas metas de atendimento e de qualidade de serviço, desenvolvessem um mercado mais eficiente e as competências nacionais, fortalecesse a malha industrial, mobilizasse a intervenção de entidades financeiras e estimulasse a investigação nacional, ou seja, se revelasse um terreno fértil para um processo competitivo de procura de oportunidades.
O modelo agora apresentado pressupõe a realização de operações de concentração entre sistemas multimunicipais e a integração vertical com os sistemas em baixa e a sua eventual concessão ao sector privado. Uma boa notícia.
Por outro lado, o Estado protagoniza, em simultâneo diversas funções sem haver entre elas uma saudável separação: a de accionista maioritário, regulador, gestor, sócio dos municípios, tutela política e administrativa, fiscalizador, legislador, investidor. Esta mistura é perigosa e promíscua. Parece que também aqui haverá alterações. A função regulatória deve ser reforçada e tornada independente, no respeito pelas regras da concorrência e da defesa dos interesses dos consumidores e da promoção da qualidade do serviço prestados pelas entidades gestoras.
O sector do ambiente é estratégico para o país e tem potencialidades de desenvolvimento na exploração da cadeia de valor que lhe está associada e que hoje se encontra desaproveitada. Constitui uma verdadeira reserva de novas oportunidade de negócio num sector produtivo de bens e serviços transaccionáveis, de molde a reforçar o tecido empresarial nacional e a nossa economia, não podendo por isso ser dominado por interesses puramente financeiros que o olham redutoramente como aplicações rentáveis de capital.
Neste contexto, a ADP Internacional tem um papel estratégico. Os investimentos internacionais concentrados nesta empresa vão ser autonomizados em face do impacte negativo nas contas. De facto, os investimentos feitos no Brasil revelaram uma sustentabilidade financeira díficil e de complexo retorno.
È aqui mesmo que está a vantagem. comparativa da AdP: autonomizada, como um veículo de internacionalização das empresas portuguesas, que alavanque um vasto mercado de bens e serviços concorrenciais em termos de custos, de qualidade, de diferenciação e de inovação: os estudos e projectos, fiscalização, operações e manutenção, transferência de tecnologia e de saber. Em mercados tradicionais, comos os Palop´s, mas também no Magrebe, na Europa do Leste.
E temos aqui também uma outra oportunidade. Os mecanismos do Protocolo de Quioto – Implementação Conjunta e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo permitem ganhos para as empresas portuguesas que investirem naqueles mercados. Não podemos passar ao lado destas oportunidades: O Banco Mundial e o BERD estão a apoiar projectos, não se conhecendo um único projecto desenvolvido por interesses portugueses.
Maria Teresa Goulão