sexta-feira, 29 de agosto de 2008

“Discriminação”

Fala-se muito sobre os direitos dos seres humanos que, na prática, nem sempre são respeitados, independentemente da sociedade, da religião e do país. Em pleno século XXI, a escravatura continua a existir, o tráfico de seres humanos é uma realidade, a perseguição política e religiosa é uma constante, a exploração dos mais fracos é uma indústria em crescendo e certas formas de terrorismo social ganham contornos obscenos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirma, solenemente, no seu artigo primeiro, que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Princípio universal que deveria ser a marca da modernidade mas que tarda em se impor. Na mesma Declaração, o artigo sétimo afirma textualmente: “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
O nosso país também permite a discriminação, em várias áreas, dentro das quais se destaca a recusa em fazer seguros de vida – obrigatórios para a aquisição de bens indispensáveis -, por parte das seguradoras, a certas pessoas, por serem doentes ou portadoras de deficiência.
A Associação Portuguesa de Deficientes revela que nenhuma das reclamações apresentadas foram aceites em 2007.
O senhor Provedor da Justiça já condenou as “reiteradas práticas discriminatórias” das seguradoras.
Relatos de pessoas a quem foram recusados fazer qualquer seguro por serem portadoras de doenças infecciosas, oncológicas e outras constituem uma espécie de folclore para as seguradoras cuja atenção se centra nos mais “puros”, nos “mais saudáveis”, nos candidatos a longevos, “ávidas” em fazer exames a torto e a direito, a que não será estranho, num futuro próximo, centrar-se, inclusive, no próprio genoma. Um comportamento típico de uma forma de “eugenismo” social, “aceite”, despudoradamente, pela sociedade e pelo poder político.
Esquecem-se que a maioria irá sofrer, por exemplo, de uma qualquer forma de cancro. No entanto, nos tempos actuais, este problema deve ser considerado como um doença crónica que, na maioria dos casos, é tratável e, em muitos outros, até, curável. A situação actual vai originar que uma pessoa acabe por “apanhar” não um só cancro, mas, até, dois ou mais! É verdade! Ou seja, os tratamentos actuais permitem que um ser humano viva tanto ao ponto de não morrer dessa doença, como, inclusive ainda se arrisca a sofrer mais um ou dois. Começa a ser comum. Sendo assim, justificar-se-á a negação de um seguro de vida? E quanto a certas doenças infecciosas, os tratamentos permitem uma taxa de sobrevivência quase idêntica aos que não sofrem e, às vezes, paradoxo dos paradoxos, muitos doentes crónicos acabam por viver mais do que os ditos “saudáveis”.
A política de descriminação em vigor deve ser denunciada e combatida por todos os meios ao nosso dispor. Para esse efeito devemos obrigar o poder político para que tenha uma intervenção mais dura, mais repressiva contra as arbitrariedades de indústrias altamente lucrativas e que exprimem formas eugénicas lamentáveis.
No fundo, não devemos esquecer que já estamos doentes ou a caminho de o ser...

3 comentários:

  1. Anónimo13:51

    Professor, também ouvi essa notícia ontem da recusa das seguradoras em fazerem seguros de vida colaterais de empréstimos à habitação. Devo dizer que fiquei espantadissimo dado que nem sequer encontrei uma relação directa causa-efeito entre ser deficiente e morte prematura.

    Entretanto aprendi algo com o seu artigo que não pensava possivel! Apanhar dois cancros (ou três?) numa mesma vida? Sinceramente nem sabia que tal pudesse acontecer independentemente, ou seja, ter um, ficar curado, totalmente bem e anos mais tarde vir a ter outro. É um processo natural do envelhecimento humano ou mera fatalidade reservada aos mais azarados?

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  2. Os factores que estão na base do cancro são múltiplos, sendo muitos de natureza intrínseca. Este aspecto, aliado à maior longevidade e, também, aos próprios tratamentos que, paradoxalmente, não são inócuos, explicam este “novo” fenómeno. Não podemos dizer que seja um questão de “azar”, no conceito usual. É o resultado de um conjunto de factores.

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  3. Pois, esta é mais uma que resulta de termos governantes numa dinâmica de "inglês técnico".

    Há uns meses anunciaram e montaram um esquema ridículo de PPRs dentro da segurança social, como se não houvesse por aí, ao pontapé, esquemas (não menos ridículos) de PPRs em tudo quanto é seguradora. Como o estado vive de funcionários letrados em "inglês técnico" acharam que, melhor que fazer uma segurança social economicamente viável, era torná-la inviável pela repetição dos erros dos outros.

    Ou seja, o estado vai tentar substituir o resto do país em algo que o país não precisa.

    Aqui estamos perante uma clara função financeira do estado, que o estado se recusa fazer. Se as seguradoras recusam os os seguros aos doentes, então o estado cria carteiras de seguros pelo mesmo valor de prémio que inclua os doentes . Desta forma, só financia os doentes que realmente venham a exercer as coberturas (e não as suas apólices) e rouba (é esta a expressão) os clientes "bons" às seguradoras para o financiamento destas coberturas. Assim, as seguradoras, ou passam a reduzir os prémios aos "bons" ou a aceitar os "doentes".

    Para isto, seria preciso que existisse um funcionário que tivesse algum raciocínio matemático e vontade de servir o país, que deve ser mais difícil de encontrar que uma seguradora com ética.

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