quinta-feira, 18 de setembro de 2008

“Desculpa”...

Fui educado a pedir desculpa sempre que cometia algum disparate ou asneira e, olhando para trás, foi coisa que nunca faltou. Mas não era fácil, as palavras teimavam em sair, as mãos ficavam molhadas e frias, arrepios subiam pela espinha, o peso na consciência fazia pender a cabeça, o peito ficava perro e uma vermelhidão afogueava as faces. Enquanto não ouvia o perdão, se é que ia ouvir, pensava eu, o tempo parecia uma canga de chumbo. Às vezes tinha que aceitar um responso, mas pelo tom da advertência já adivinhava o final feliz e, por isso, começava a ficar aliviado. Pronto! Já está! Durante algum tempo andava alinhado, mas depois saía novamente mais um disparate.
Com o tempo os disparates modificam-se, não deixando de ocorrer situações que às vezes exigem pedidos de desculpa. Quando acontece, sinto que é correcto proceder em conformidade, tentando explicar as razões subjacentes.
Pedir desculpa é um sinal de respeito e dignifica o responsável. No entanto, o uso da palavra começa a ser corriqueiro, chegando ao ponto de perder o seu verdadeiro significado. Um individuo qualquer bloqueia o nosso automóvel e, passado uma eternidade, aproxima-se com ar de parvo e meio-espantado lança a palavra mágica: - Desculpe! Já é diferente se pisarmos o calo de alguém, sem intenção: - Oh! Desculpe! Aleijei-o? Também se usa como forma muito cortês quando queremos abordar alguém, para pedir uma informação, por exemplo: - Desculpe. Pode-me dizer onde fica ...? Outras vezes é utilizada como moeda de troca. – Eu só lhe peço desculpa se ele (ou ela) me pagar o que me deve!
Também é utilizada quando a consciência colectiva sofre em virtude de actos e atitudes terríveis, como aconteceu com os representantes do povo alemão que tiveram, e bem, de pedir perdão pelos crimes praticados contra os judeus. Aqui, a desculpa toma uma dimensão especial e muito mais vasta. Por vezes a desculpa, apesar de tardia, é bem-vinda, dando a entender que não mais se irá repetir os acontecimentos que estiveram na sua base. Foi o que aconteceu com o anterior papa quando pediu perdão pelas atrocidades cometidas pela Inquisição em nome de Deus e o actual pelos abusos sexuais na Igreja Católica. A desculpa estende-se a outras áreas como a perseguição feita à ciência pela Igreja, quando pôs em causa alguns princípios, como foi o caso de Galileu. Agora, a Igreja Anglicana, 200 anos após o nascimento de Charles Darwin, acaba por pedir desculpa, através de uma declaração redigida pelo reverendo Malcolm Brown, ao iminente cientista, por terem tido uma atitude “excessivamente emocional” face à teoria da evolução.
As pessoas e as instituições cometem erros e os cristãos e a Igreja não são excepção. Não existe nada nas teorias de Darwin que contradiga os ensinamentos do cristianismo”.
Tantos anos depois é que tomam estas posições! Vale mais tarde do que nunca, diz o povo. Pois é, são desculpas a outro nível, muito diferente das desculpas próprias das crianças que, habitualmente, ficam embaraçadas, com a boca seca, as pernas a tremer, o suor a correr pelas costas, com dificuldade em respirar, à procura do tal buraquito que as “engolisse”. As crianças são férteis em disparates, mas têm o condão de aprender e de os corrigir, graças ao seu reconhecimento e ao pedido de desculpas. Quanto às instituições, enfim! Não acredito que tenham tanta capacidade de aprender quanto uma criança... Era bom!

1 comentário:

  1. Caro Professor Massano Cardoso
    Muito interessante reflectirmos sobre gestos tão aparentemente corriqueiros, tão banalizados que nem lhes notamos a importância, correndo até o risco de os desvirtuarmos.
    Pedir desculpa é um sinal, simultaneamente, de humildade e inteligência. Quando sentido é um acto de grande nobreza. Muitas vezes, depois do mal feito e de o mesmo já não ter reparação possível, a desculpa, porventura tardia, alivia o sofrimento e dá razão à dor. Assim, fornece um certo "conforto", seja pessoal, seja colectivo e pode abrir caminho a um melhor entendimento entre pessoas, instituições, povos e estados.

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