terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A crueldade da pobreza...

O Instituto de Estatística Nacional publicou ontem os resultados ao Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em 2007, comprovando os traços de persistência e de gravidade das desigualdades sociais em Portugal. A pobreza continua a ser um flagelo que a estatística não deixa esconder. A evolução dos indicadores é preocupante, na medida em que não há melhorias satisfatórias que comprovem que o desenvolvimento económico tenha sido suficiente e que as políticas sociais conduzidas ao longo dos últimos anos tenham sido eficazes na erradicação da pobreza.
Com efeito, a população em risco de pobreza estagnou em 18%, ou seja, são cerca de 2 milhões de portugueses que vivem com um rendimento mensal inferior a 379 euros. Segundo os dados divulgados, a distribuição dos rendimentos mantém uma acentuada desigualdade, em que o rendimento dos 20% da população com maior rendimento era 6,5% vezes o rendimento dos 20% da população com menor rendimento (em 2006, o diferencial situava-se em 6,8%). A diferença média europeia em relação a este indicador encontrava-se em 4,8%. Portugal persiste em ser um dos países da Europa com maiores desigualdades. Nos últimos dados do Eurostat, relativos a 2006, apenas a Letónia era mais desigual do que Portugal.
Os idosos são fortemente atingidos pela pobreza, situando-se a taxa de risco em 26%. Um outro dado preocupante diz-nos que 21% das pessoas com menos de 18 anos, grupo constituído pelas crianças e pelos jovens, se encontravam em risco de pobreza.
Um traço que tem vindo a marcar a pobreza em Portugal consiste nas elevadas taxas de risco de pobreza da população em situação de desemprego e da população empregada, seja por conta de outrem seja por conta própria, atingindo no primeiro grupo 32% e no segundo grupo 10%. Os baixos salários e a precariedade do emprego explicam que muitas pessoas que têm um emprego vivam no limiar da pobreza. A elevada taxa de risco de pobreza do desemprego mostra o forte impacto que a perda do emprego poderá ter no rendimento. O risco de pobreza dos desempregados é, aliás, superior ao verificado nos reformados que regista 23%. Todos estes dados dão-nos um retrato social muito negativo da situação económica que afecta a vida dos desempregados.
A crise económica que o País atravessa e as previsões sobre o seu agravamento em 2009 não auguram nada de positivo para os próximos tempos. Com a ameaça do aumento do desemprego em 2009, as medidas de apoio anunciadas recentemente pelo Governo correm o sério risco de não ser suficientes para impedir que o desemprego engrosse a população pobre.
Muito para além da crueza dos números das estatísticas e da constatação que de que existem 2 milhões de portugueses a viverem em condições “limite”, está a necessidade urgente de o País encontrar um rumo de desenvolvimento sustentável gerador de riqueza e de os nossos políticos se questionarem sobre a ineficácia das políticas redistributivas adoptadas.
Torna-se cada vez mais evidente (ou, para alguns, talvez não) que é escandalosa a desproporção que se verifica entre os problemas da pobreza e as medidas tomadas para os enfrentar, pelo simples facto de que não temos sido capazes de criar uma sociedade mais justa que possibilite a todas as pessoas desfrutarem da vida com dignidade, assegurando “o direito de participar no usufruto dos bens materiais e de fazer render a sua capacidade de trabalho”. Não o fazer revela uma enorme pobreza de espírito!

7 comentários:

  1. "não temos sido capazes de criar uma sociedade mais justa que possibilite a todas as pessoas desfrutarem da vida com dignidade, assegurando “o direito de participar no usufruto dos bens materiais e de fazer render a sua capacidade de trabalho”."

    Cem por cento de acordo.

    O que propõe que seja feito?

    Aumentar os impostos sobre os rendimentos mais elevados e aumentar o subsídio de desemprego?
    Ou criar o subsídio de emprego?
    Ou aumentar o aumentar o rendimento mínimo?

    Ou que outro meio de redução das desigualdades?

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  2. os seus post's são sempre muito apelativos, Dra. Margarida.

    Na esteira da pergunta colocada pelo comentador anterior Rui Fonseca:

    - O que fazer ?

    Bom ... como varinha mágica, não há .... era bom, era ...:-)

    Temos que pôr os pézinhos na terra ... ou n' ... areia....

    E se voltássemos à Economia Real ?
    Se pensássemos em produzir o que precisamos ?

    E se pensássemos em reduzir a despesa do Estado, doa a quem doer ?

    Por exº, começando por doer áqueles que maiores rendimentos retiram do Estado em termos de remuneração mensal, seja no activo, seja na aposentação.


    E se se começassem a colocar as pessoas que recebem subsídio de desemprego ou RSI nos serviços do Estado, onde há lacunas de pessoal, e também, nas empresas que se disponibilizassem para as aceitar ?

    E se se começassem a colocar os reclusos a trabalhar mesmo dentro dos estabelecimentos prisionais ?

    E se se começasse a exercer uma inspecção séria à Segurança e Higiene no Trabalho, seja nos Serviços Públicos, seja no Privado ?

    E se se começasse a resolver os graves problemas que afectam a Justiça, e que também são indirectamente um factor de bloqueio da nossa Economia, tendo em conta o número de processos pendentes, por exº, na área de cobrança de dívidas ?

    E se se acabasse com a imoralidade da lei do Arrendamento ?

    E se se começasse um programa de conservação do nosso valioso Património Histórico ?

    Há tanto por fazer....por isso, ficam aqui algumas ideias ...
    Não sei dizer de outra maneira.
    Espero que me tenha compreendido.

    Há uma máxima que me acompanha:

    Quando há vontade, arranjam-se muitas soluções.
    Quando há vontade, arranjam-se muitos problemas.



    Um Bom Dia para Si ... !


    um abraço

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  3. Acabei de ouvir o engenhoso Sócrates a vangloriar-se de a disparidade de rendimentos ter descido para 6,5 vezes, esquecendo-se de referir, claro, que continuamos a ser dos países mais desiguais da Europa. Mas isso não interessa nada...O que interessa é que hoje está elegantíssimo(?).

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  4. Cara Margarida
    Neste pobre país, cada vez que se levanta uma pedra aparece um lacrau!
    Com efeito, sempre que se aborda um aspecto socio-económico cujo interesse é de todos no cenário UE e cujos reflexos são de uma relevância incontornável, Portugal aparece sistematicamente mal colocado e por vezes escandalosamente desfocado da realidade política europeia.
    O problema é extremamente complexo, com múltiplas variáveis de todos os quadrantes a condicionarem as soluções a tomar, só que o tempo vai passando e tudo fica na mesma ou se agrava, as m ais das vezes. Em princípio, estamos antes de mais, face aos tradicionais problemas do investimento público e privado, este cada vez mais desamparado, haja em vista a conjuntura actual e subordinados a uma política fiscal toda ela atrabiliária e desconcertante em termos sociais.
    Depois, perante este espectáculo a que o texto da Cara Margarida se refere, não nos admiremos que apareçam convulsões sociais graves do género daquelas existentes na Grécia e que os resultados das próximas eleições sejam ainda mais preocupantes do que aqueles já apregoados.

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  5. Caro Rui Fonseca
    A única forma de reduzirmos as desigualdades sociais passa por sermos capazes de produzir riqueza, de encontrarmos um modelo de desenvolvimento sustentável. O elevado nível de pobreza que persistimos em manter é o espelho da pobreza da nossa economia.
    As situações de urgência social surgem normalmente em tempos de crise económica, pelo que nestes momentos temos que ter o discernimento de avaliar correctamente o reforço de apoios sociais que é necessário conceder, actuando, por exemplo, no subsídio de desemprego.
    Mas os problemas da nossa economia são estruturais. Destaco, entre outros, o peso do Estado na economia, o défice de educação e de qualificações profissionais, a falta de empreendedorismo, a falta de fileiras industriais capazes de acumular valor ao longo da cadeia de produção.
    É muitíssimo preocupante o peso excessivo do Estado na economia. Se não formos capazes de resolver este problema estaremos a desviar recursos da economia privada e a atrofiar o desenvolvimento.
    Cara Pézinhos n' Areia
    Agradeço os votos de um Bom Dia, que a esta hora já não posso retribuir, pois só agora consegui vir até aqui ao 4R.
    Vejo que tem os pezinhos bem assentes na terra! Todas as questões que levanta na longa lista que elaborou mostra bem a dimensão das muitas frentes que é preciso atacar. Muitas das medidas constam, há décadas, da lista. É uma constatação muito angustiante. Interrogo-me porque não fomos capazes, depois de tantos diagnósticos, de tantos erros, de tantas omissões, de tantas reformas e contra reformas, de adoptar essas medidas?
    Caro rxc
    Mais décima menos décima o certo é que temos 2 milhões de pobres. Esta é que é a realidade, que está cada vez mais visível. Nunca as estatísticas foram tão bem observadas e comprovadas como agora!
    Caro antoniodasiscas
    As desigualdades sociais, a falta de oportunidades de trabalho, a deterioração do rendimento das famílias, o mau funcionamento da justiça, o aumento do desemprego, são fenómenos, para citar apenas alguns, que estão a contribuir para a degradação social. A chamada de atenção para o que se passou na Grécia é oportuna porque entre nós o clima social é de insatisfação.

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  6. Em que dados estatísticos se baseiam para afirmar que o peso do Estado português na economia é maior do que o dos outros Estados europeus?

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  7. Caro António Fiúza
    Ficam aqui estes indicadores retirados do OE 2009:
    Despesa pública total (% do PIB) = 47,8%
    Despesa pública corrente (% do PIB) = 44,3%

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