quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A democratização dos conselheiros de imagem


Uma vez li algures que há pessoas que detestam fotografias porque entendem que é uma forma de lhes roubarem a alma. A imagem fixa o momento, uma expressão, um perfil, uma forma de vestir, um trejeito ou um defeito, e fica ali, presa, à mercê de quem queira devassá-la, vê-la à lupa ou interpretar um gesto fora do seu contexto. Em regra, quando olhamos as fotografias reparamos em muito mais do que nas caras que ali vemos, lembramos o que estávamos a fazer, porquê, quando, quem tirou o retrato e talvez mesmo de muitas histórias que julgávamos esquecidas e que a imagem nos devolve.
De certo modo, uma fotografia é irremediável, porque prende um momento entre milhões de momentos possíveis e é esse que é verdadeiro e que recria todos os outros até se desembocar nele e as pessoas são figurantes na paisagem ou na história que o documento ilustra.
Mas se, neste sentido, as fotografias podem roubar a alma, expondo ao olhar desconhecido o que só o fotografado pode realmente decifrar, também há fotografias que ajudam o próprio a desvendar a sua alma, a conhecer-se melhor porque se deixa captar pelo olhar de quem a observa para a fotografar.
Há dias estive em casa de uma amiga que tinha ido a uma sessão fotográfica em Londres, uma fotógrafa que faz álbuns de pessoas vulgares que querem ver como é que ficam quando se entregam nas mãos de quem sabe captar imagens. Não é ir tirar um retrato, é fazer-se fotografar só porque sim, porque a pessoa quer ver como é que os olhos de outra a podem descobrir para além do que ela própria encontra quando se vê ao espelho.
Passou dezenas de fotos em que mudava de roupa, de penteado, de maquilhagem e é incrível como surgia sempre como se fosse uma pessoa diferente, lindíssima quando a sua personalidade era sublinhada pela roupa certa e as poses que assumia com gosto, banal quando estava constrangida, quase feia se a luz lhe enchia a cara ou o cabelo ocultava a expressão dos olhos. A mesma pessoa com vários cambiantes e a máquina a prender o momento, olha aqui que bem que estás, meu Deus, nunca mais uses este vestido, afinal não és nada gorda, quando ris assim até se iluminam os olhos…Passámos um serão divertidíssimo, a discutir opiniões sobre o aspecto físico e a personalidade de uma pessoa que julgávamos conhecer tão bem e em quem afinal nunca nos tínhamos detido um momento a observar realmente com atenção.
Enfim, um caleidoscópio de como a mesma pessoa pode tirar o melhor partido de si própria, aprender a valorizar-se ou a combater o desleixo, um verdadeiro antídoto contra a falta de auto estima ou uma lição para os que não são gratos com a natureza.
Os efeitos “movie star” ao alcance de qualquer um, aí está uma revolução nos tratamentos para a depressão, a democratização dos conselheiros de imagem!

6 comentários:

  1. Posso entender este texto como uma homenagem ao Senhor Oliveira, que completa hoje um centenário de existência?
    A propósito de imágem... ha um exercício que pratico por vezes, não por narcisísmo nem com frequência, mas sim por curiosidade, vou descrever: Terminado o banho matinal, depois de secar a pele, coloco-me em frente ao espelho da casa de banho e observo. O quê? O dualísmo do meu corpo. É! Aliás, estou convencido que o ambicionado conhecimento interior, deve começar pelo físico, exterior.
    Estou a embrulhar tudo?
    Então vou tentar simplificar.
    Todos sabemos que genéticamente, somo o resultado da "fundição" de dois óvulos, um masculino, outro feminino... n'est pas?
    Ora bem, essa junção, pode ser observada exteriormente a olho nu, pode tambem ser conhecida interiormente de um forma abstracta.
    Vamos então focar a nossa atenção no exterior: começando pelo topo, verificamos que possuímos duas orelhas, dois olhos, duas fossas nazais, a dentição está simétricamente dividida (para aqueles que ainda possuem os dentes todos) a língua, perceb~-se fácilmente que é composta por 2 partes 1 esq. outra dta. o ombro esq. o dto.o braço esq. o dto. as poitrines, esq. dt.(até parece que voltei aos tempos de recruta)uma perna para a esqda, outra para a dta, até a ginitália é composta por 2 partes uma esquerda, outra direita.
    Ora bem, esta observação empírica, leva-me a concluir que: à imagem daquilo que observamos do nosso exterior, possuirá certamente o nosso interior metafísico, a sua natural dualidade, o que me leva a concluir que afinal aquilo que designamos por eu, é afinal, nós... ou seja... eu e este, ou melhor... me and my self.
    Bahhh!!!
    cala-te Bartolomeu, só dizes asneiras!

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  2. Realmente andam por aí fotógrafos a venderem imagens artisticamente obtidas do país e da nossa sociedade. "Fotógrafos profissionais"! Vendem-se muito bem e são baratas! Basta ver as sondagens! Em contrapartida, o PSD não larga a velha fotografia “à la minute”, retrato fiel e triste de uma realidade incomodativa mas que a maioria não quer ver, nem pintada...

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Susana, que texto bonito, delicado, estético, repousante...
    Parabéns!
    Eu incluo-me no grupo dos que não gostam (mas mesmo nada) de tirar fotografias...não porque ache que "me roubam a alma", mas porque acho que ma deturpam...
    Presunção? Talvez!

    Acho mais felizardos os nossos antepassados, anteriores à técnica fotográfica, porque se faziam pintar, na pose certa, com a roupa certa, no cenário certo...não se expunham ao instantâneo!!!

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  5. “(…) Mas se, neste sentido, as fotografias podem roubar a alma, expondo ao olhar desconhecido o que só o fotografado pode realmente decifrar, também há fotografias que ajudam o próprio a desvendar a sua alma, a conhecer-se melhor porque se deixa captar pelo olhar de quem a observa para a fotografar (…)”

    Cara Dra. Suzana Toscano:
    Excelente exercício introspectivo.
    Quando observo fotografias antigas e actuais, dou por mim a pensar umas vezes, que dou ares a pessoa ingénua, outras a pessoa má, e outras ainda a parvo. É verdade! Mas independentemente das imagens que me ocorrem, curiosamente influenciadas por episódios do dia ou registados na memória, tento sempre valorizar aquelas que melhor servem a minha auto-estima. Não se trata de colocar a melhor máscara, é antes o desejo de corrigir aquilo que acho menos bom, sem alterar no entanto a pessoa que sou.
    Os meus sinceros parabéns pela imagem que encima o post, e bem assim, pela “finura” do texto que revela, sem dúvida, uma pessoa com alma muito bonita.

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  6. caro Bartolomeu, não era uma homenagem a Manuel de Oliveira mas podia muito bem ser, eu é que não me lembrei! De facto, os filmes dele são lentos, não são imagens atropeladas em que o que se quer é ver o desenrolar da fita, são imagens de observação, de leitura atenta, exactamente o que se pode fazer com uma fotografia.
    Quanto à dualidade, é o mínimo, porque o que creio é que até temos várias personalidades mais ou menos ocultas, ou reprimidas (felizmente, a confusão que é quando alguém assume atitudes contraditórias!)
    Caro massano, e eu aqui com tanto cuidado em não politizar os temas!! ;))
    Clara, devia ser um grande frete ficar ali horas a fio sempre a fazer a mesma cara, uf, ainda bem que há hoje métodos mais expeditos de fixar as imagens - e mais baratos também, afinal toda a gente tem direito de ficar para a posteridade..
    Caro Jotac,é curioso o que acontece quando pensamos um pouco nas coisas que parecem só banais,já viu como o tema dá pano para mangas?

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