quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O País precisa do Estado, assim tem de ser!

Resposta à crise, opção pelo abismo? Que assim seja!


1.Tenho-me interrogado bastante, nos últimos dias, sobre o sentido das decisões que constituem a resposta “lusa” à crise económica que nos vai invadindo.
2. Esta crise, pela sua génese e seus impactos, tenderá a afectar mais intensamente dois grupos de países (como tem sido assinalado na imprensa especializada): (i) aqueles em que se desenvolveram maiores “bolhas especulativas” em particular no sector imobiliário e (ii) aqueles cujas economias se encontram mais endividadas.
3. No primeiro grupo encontram-se os USA, “mastermind” e epicentro da crise, o Reino Unido, a Irlanda e a Espanha. Em Portugal a bolha especulativa no sector imobiliário existiu – e por isso estamos a assistir a uma significativa quebra da procura e a uma correcção em baixa dos preços que não estão terminadas – mas não foi tão intensa como naquele grupo de países.
4. No segundo grupo, Portugal ocupa posição de destaque, na companhia de países como a Grécia, o Reino Unido e a Itália. Todos com níveis de endividamento muito elevados, no caso do Reino Unido um problema a juntar à fortíssima bolha especulativa no sector imobiliário.
5. Embora o Reino Unido pareça o país europeu mais afectado por esta crise, a verdade é que se encontra em melhor posição para lhe responder pois dispõe de instrumentos mais eficazes para contrariar os seus efeitos: tem moeda própria, que nos últimos meses já desvalorizou cerca de 30% em relação às principais divisas – por isso a chamada “recessão” irá provavelmente atingir mais intensamente esta economia em 2009, mas também lhe permitirá sair dela mais cedo do que os outros.
6. Martin Wolf escrevia há dias (19 de Novembro), no Financial Times, mais um interessantíssimo artigo “Why eurozone membership is still no answer for Britain” no qual lembrava que num mundo de incertezas uma economia necessita de mecanismos de ajustamento – sendo a taxa de câmbio o mais poderoso de todos esses mecanismos...
7. A economia portuguesa - Famílias, Empresas, Estado – está altamente endividada (e, não obstante, a endividar-se a ritmo frenético), enfrenta um grave problema de produtividade (sistematicamente mal explicado ou não pelos nossos “pensadores de serviço”), não dispõe de mecanismos de ajustamento amarrado que está à âncora (agora letal) do Euro...é a quadratura do círculo enfrentar uma crise nestas condições!
8. A opção de resposta à crise não podia, em minha modesta opinião, ser pior: concentrar ainda mais recursos (que não existem, têm de ser obtidos no exterior a preço altíssimo) em mais-do-que discutíveis investimentos nos sectores protegidos da economia...é esta a inacreditável “resposta” à crise!
9. Essa “resposta” terá pelo menos as seguintes consequências: (i) aumento insustentável do défice externo e do endividamento; (ii) agravamento do fosso da produtividade; (iii) crescentes dificuldades para os sectores expostos à concorrência; (iv) aumento do desemprego de forma duradoura; (v) consolidação/eternização da divergência em relação aos outros países europeus...
10. É o que se pode chamar uma opção de caminho para o abismo...mas se é a que os “media” claramente sufragam, então que assim seja! O País precisa do Estado, assim tem de ser!

10 comentários:

  1. Após a sua análise, a qual na minha modesta (e pouco sustentada, porque não se trata da minha área de formação, apenas de crescente interesse) opinião, descreve de forma muito acertada a realidade, a questão que se impõe é: o que fazer para podermos aspirar a um padrão de desenvolvimento económico compatível com as nossas aspirações?

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  2. Sendo assim caro Dr. T.M., só nos resta -A Portugal-, construir um novo modelo de economia. Um modelo adaptado à nossa realidade geográfica, social, intelectual, experiencial, produtiva. Um modelo que seja construido sobre uma base de confiança entre as pessoas, o estado, os técnicos, o capital, onde sejam equacionados promenorizadamente os recursos humanos, hidricos, geológicos, zoológicos, botânicos, etc. que ainda existem. Em suma, um modelo sério, capaz de galvanizar o empenho de todos, capaz de transformar a nossa economia agonizante e sem esperança de futuro, em algo de sustentávelmente eficaz.
    Chegou a altura de esquecer sonhos utópicos de riqueza vã, de uma riqueza de faz-de-conta, detida na posse de meia dúzia de priveligiados, incapazes de a gerir e aumentar, ajudando a criar melhores condições de vida sociais. Chegou a altura de valorizar o país e a sua gente. é necessário empreendorísmo e investimento, mas em moldes diferentes dos anteriores, sem que o primeiro objectivo seja a obtenção do lucro fácil, e sobretudo sem que o retorno no investimento se verifique.
    É de vital importância que se crie um modelo em que o objectivo seja o renascimento do país e da sua economia, de forma equilibrada, coerente e consistente.

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  3. Caro Tavares Moreira:
    Notável análise.
    Entretanto, o Governo, com o aplauso dos pensadores do costume, retoma as medidas velhas e revelhas que nos têm conduzido ao menor crescimento europeu e potenciam ainda mais crise.
    De facto, o abismo atrai o abismo.

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  4. Caro rxc,

    Boa pergunta, que fazer uma vez que aqui me ocupei sobretudo do que não se deve fazer...mas vai infelizmente ser feito!
    Uma das respostas a essa questão seria a criação de estímulos fiscais FORTÍSSIMOS ao investimentodas empresas e programas estruturados -não remendos - de apoio à restruturação dos sectores mais em crise.
    Pra além de um alívio fiscal às empresas em geral e uma redução, possivelmente temporaria, do IVA.

    Caro Bartolomeu,

    Muito interessantes e louváveis seus votos, embora creia que, pelo caminho que vamos seguindo, sejam irrealizáveis pelo menos nos próximos 50 anos!...Não veja nisto qq manifestação de humor negro mas tão somente uma certa noção da realidade que nos circunda...

    Caro Pinho Cardão,

    Pois é, meu Caro, esses pensadores do costume, com o pensamento sempre ancorado às conveniências do regimento da época...nada a fazer com esses "crânios", a não ser anotar o seguidismo de que continuam a dar brilhantes provas...as benesses e as sinecuras têm um preço, como bem sabe...

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  5. Anónimo17:06

    Caro Tavares Moreira, tudo isto tem-me deixado uma questão sobre o futuro numa perspectiva mais de médio/longo prazo. É que a crise irá acabar, a retoma virá e Portugal não a irá acompanhar.

    A minha questão é o que acontece a Portugal, no âmbito da moeda única - se esta aguentar até lá -, quando os demais países estiverem em retoma, mantendo-se dentro dos critérios de convergência, e Portugal se mantiver fora dos valores autorizados para o deficit e para a dívida pública. Parece-lhe plausivel um cenário de inicio dum processo de expulsão de Portugal da moeda única com as consequentes multas previstas para o efeito?

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  6. Tomo a liberdade de deixar aqui "Perguntas sobre a crise", de Nuno Rogeiro.

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  7. Caro Tavares Moreira,

    Enquanto o estado gastar em euros, a produtividade será baixa e a dívida, obviamente, alta. O que nos deixa uma enorme variadade de opções como uma revolução, uma guerra civil, invadirmos a Argélia, vendermo-nos ao Dubai, sair do euro ou sermos todos doutorados em Astrofísica no ano que vem.

    E também há a hipótese de pedirmos emprestado e deixar o problema para resolver amanhã...É isso! Está resolvido! Afinal posso ser eu o sucessor do Teixeira dos Santos.

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  8. Caro Tavares Moreira,

    Honestamente, não sei que dizer. As suas últimas previsões tem acertado na mouche, deitando por terra as previsões do BdeP e do Governo. Tenho todos os motivos para acreditar o quão asneirenta é esta posição do Governo. Mais uma medida para lançar os portugueses para o pântano! E assim vai seguindo o país. Vão arranjando uma coisa aqui e ali, para esconder os verdadeiros problemas do país. Depois dos permanentes falhanços de Constâncio, começou-se a falar dos processos de contra-ordenação do BCP. Quando se fala do endividamento, o Governo corre atrás do próximo powerpoint para apresentar mais resultados fantásticos. E assim, vamos caminhando alegremente para o abismo!

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. caro Zuricher,

    Reconhecendo a pertinência de algumas das suas considerações, tenho de confessar que a hipótese de "expulsão" do Euro me parece, para já pelo menos, algo que não se coloca.
    Temos a vantagem de não nos encontrarmos sós neste complexo etatuto de desiquilibrados do Euro, com a Grécia ainda em pior situação...e a Itália e a Irlanda não muito melhor.
    Se isso não é grande conforto, pelo menos tem a vantagem de obrigar a Zona Euro a ter de pensar no problema a sério, até porque um cenário de expulsão poderia significar, em última análise, uma implosão...
    Julgo que mais cedo ou mais tarde, a Zona Euro terá de aplicar regras para as políticas económicas dos seus membros mais desiquilibrados e não apenas para as políticas financeiras - ou seja alargar o PEC.
    Veremos os próximos episódios. Muito interessante, a este respeito, o artigo de Martin Wolf no FT de 10 do corrente.

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