segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A prova do fracasso do PRACE

No próximo ano, a despesa pública assumirá o valor mais elevado de sempre (!) face ao PIB, quer se trate da despesa total, da despesa corrente, ou da despesa corrente primária (que não inclui os juros da dívida pública).

Este facto prova o fracasso da política orçamental que tem sido prosseguida nos últimos anos, uma vez que a progressiva redução do peso do Estado na economia – de que Portugal tanto necessitava – tem sido uma autêntica miragem.

Aqui chegados, a pergunta a fazer é: em que áreas da despesa actuar?

A proporção das despesas públicas de investimento face ao PIB já foi reduzida em quase 50% face ao máximo atingido no final dos anos 90 – pelo que não parece possível continuar esta trajectória. E o peso das despesas sociais tem verificado, desde 1997, um aumento ininterrupto – quer pela tendência estrutural do envelhecimento progressivo da população, quer pela degradação da conjuntura nos últimos 7 anos, que tem elevado cada vez mais o número daqueles que necessitam de apoio social. Assim sendo, restam as despesas públicas de funcionamento, medidas como a soma das “despesas com o pessoal” e dos “consumos intermédios” (que, grosso modo, representam as despesas públicas em bens e serviços). Foi certamente com esta intenção que o Governo apresentou, nos primeiros meses de 2006, o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado, o famoso PRACE – designado pelo Executivo como “a mãe de todas as reformas”, que visava emagrecer as despesas públicas de funcionamento e tornar o Estado menos burocrático e mais eficiente e útil para o cidadão.

Um programa que, recorde-se, devia estar concluído até ao fim de… 2006 – mas que nem em 2008 se encontra concretizado na totalidade!... Esta derrapagem nos prazos inicialmente fixados para o PRACE já constitui, por si só, um tremendo revés – mas a evolução das despesas públicas de funcionamento comprova, em absoluto, de forma quantitativa, o rotundo fracasso desta reforma.

Na figura em anexo, as linhas a preto mostram a trajectória que as despesas públicas de funcionamento, as despesas com o pessoal e os consumos intermédios deveriam ter face ao PIB, entre 2006 e 2009, de acordo com o Programa de Estabilidade e Crescimento 2007-2011 apresentado há cerca de um ano; as linhas coloridas revelam a realidade entre 2004 e 2009, incorporando já as previsões do OE’2009. Ora, creio que é evidente a progressiva diferença entre os resultados que o PRACE devia ter produzido em termos de poupança nas despesas de funcionamento e os números a que, afinal, vamos chegar… No total, em 2009, a diferença entre o que sucederá e o que devia ter sucedido representará um excesso nas despesas de funcionamento de cerca de 1.3 pontos percentuais do PIB (ou cerca de EUR 2.2 mil milhões). E os maiores ganhos, registados entre 2005 e 2007, resultaram essencialmente do congelamento nas carreiras da função pública (como mostra a evolução das despesas com o pessoal) que terminaram… em 2008!... Ou seja, quando os efeitos do PRACE deviam ter sido, de facto, sentidos (linhas a preto), o que resultará para as despesas envolvidas (linhas coloridas) ficará muito aquém do que tinha sido projectado, de acordo com o OE’2009!...

O fracasso do PRACE (valores em % do PIB).
Notas:
1. Despesas de funcionamento = Despesas com o pessoal + Consumos intermédios.
2. As linhas coloridas mostram a evolução das despesas apresentadas entre 2004 e 2009 (valores efectivos até 2007 e projectados em 2008 e 2009 no OE’2009); as linhas a preto mostram os números previstos pelo Governo no Programa de Estabilidade e Crescimento de Dezembro de 2007.
3. Os valores das despesas de funcionamento podem não coincidir com o somatório das despesas com o pessoal e dos consumos intermédios devido a arredondamentos.
Fontes: Programa de Estabilidade e Crescimento 2007-2011, Orçamento do Estado para 2009, cálculos do autor.

Se uma imagem vale mais do que mil palavras, então creio que a figura que aqui apresento (baseada nos números do Governo) quanto aos reais efeitos do PRACE, fala por si.
E confirma que a presente legislatura terá sido, em matéria de consolidação orçamental pelo lado da despesa – aquela de que Portugal há tanto tempo necessita – um tempo absolutamente perdido. Que, como tal, e infelizmente, iremos (continuar a) pagar bem caro no futuro.


Nota: Este texto foi publicado no semanário Sol no Sábado, Dezembro 13, 2008.

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