terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Diálogos isolados pelo frio

A televisão mostra uma aldeia no Norte isolada pelo gelo e pela neve. Entrevista um casal de habitantes que vem a subir a estrada porque o transporte não consegue passar até à paragem:
- Então têm que andar muito?
- Não, é já ali ao cimo.
- Mas é muito longe? Quanto é que vão caminhar?
- É já ali, uns dez minutos, é perto.
A equipa de reportagem encontra um homem novo que está a parar o carro na estrada.
- Então, o caminho ainda está impedido?
- É como vê. Tive que ir comprar o pão, não chega lá o padeiro, não chega lá nada, é muito complicado, temos que ir nós buscar tudo – respondeu visivelmente contrariado.
Mais à frente, entrevistam um jovem, com gorro e camisola grossa, que se queixa que têm que ir à vila comprar as coisas, mora ali com os pais, é complicado, muito complicado, diz ele com a cara fechada.
A equipa entra na aldeia e filma uma velhota com uma camisola velha e cabeça descoberta, ocupada a cortar uns galhos com uma foice pequena. As suas mãos grossas agarram com força os ramos, um golpe seco com a faca e num instante fica com um montinho de lenha.
- Então está preocupada com o isolamento da aldeia?
- Aqui não há falta de nada, ainda tenho o que comer em casa. A gente tem umas batatitas, umas couvinhas, uns feijões, temos tudo. Aqui não há preocupação de nada – e sorri, muito tranquila, a cara vermelha do frio.
Nova tentativa e desta vez a reportagem pára do lado de fora de uma cancela de madeira, do outro lado uma cara enrugada, sorriso sem dentes, óculos grossos e os cabelos muito brancos a escapar do lenço preto na cabeça.
- Então o gelo isola a aldeia, isso preocupa-a?
- O gelo não deixa passar, então o que quer?, temos que passar nós. Dantes acontecia sempre isto, os antigos iam lá abaixo e traziam as coisas, não é novidade nenhuma, sempre se fez assim, é só esperar.
Um quadro notável da vida real, o contraste das atitudes perante as pequenas contrariedades da vida, os que sempre conheceram o conforto reagem com impaciência e protesto, os que sempre viveram com dificuldades encaram com tranquilidade e confiança o pequeno intervalo de privação.

14 comentários:

  1. Concordo plenamente. Parece que já vem sendo um hábito de muitas pessoas vacilar, ou corresponder com uma certa negatividade, às intempéries da vida. Infelizmente parece que podemos começar a "traçar" alguns dos perfis de comportamento que caraterizam o bom português: a vida corre-lhe sempre mal (apesar de não faltar nada, se pudessem entravam com o carro para a loja (ai não posso andar 5 min a pé que canso-me ou então "Não vou! É muito longe!" quando são apenas uns metros). Também podemos ainda aplicar este raciocínio a algumas classes de trabalhadores, que ora têm mêdo de ser avaliados, ora sentem-se incomodados porque se nunca foi assim porque é que há-de ser agora? As filas intermináveis no centro de emprego cheio de gente que simplesmente não quer trabalhar, ou por outras palavras "cansa muito trabalhar". É por estas pessoas que o mundo não anda para a frente. Só retrocede e gastam-se recursos para resolver a situação dos que não querem trabalhar, em vez de se criarem mais condições de empregabilidade e consequentemente a manutenção de uma economia próspera e estável, independentemente da conjuntura económica. Somos tão tão pequenos, nunca nos faltou nada, porque há-de nos faltar agora?

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  2. Cara Dr. Suzana, numa outra mini-reportagem tambem numa das aldeias que ficaram cobertas de neve, dizia o entrevistado à reporter que a neve e o gêlo faziam muita faltinha à agricultura, que ajudava a matar os micróbios...
    Aquelas pessoas que nasceram e passaram a vida em estreita comunhão com a terra, conhecem e professam o princípio de que, tudo o que a natureza manda, faz falta porque é preciso. E se um dia assim deixar de ser...

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  3. Anónimo09:56

    O tipo de reportagens que a propósito de fenómenos perfeitamente normais se vêm repetindo nas TV´s é a prova mais acabada do desconhecimento do Portugal anterior. É, de facto, outro mundo, esee o das nossas aldeias, onde o sofrimento e a resistência assumem outros contornos.

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  4. E revela uma outra coisa: é que há um Portugal que batalha e luta, sofre contrariedades e as vence por si próprio. Um Portugal de gente independente e firme, que nem percebe as perplexidades e as perguntas dos citadinos jornalistas que se lhe apresentam a perguntar pelo frio.
    As sucesivas reportagens sobre o frio e a neve traduzem, infelizmente, o estado de espírito doente de muitos portugueses citadinos criados no ar condicionado que, perante uma réstea de vento ou um pingo de chuva,logo protestam porque a protecção civil não os avisou e exigem a devida reparação ao Estado. Que, através de governos caça-votos, logo lhes dá razão, propiciando o caminho para novas e acrescidas exigências de lana caprina.
    Este país não está nada bom, a começar pela comunicação social que cada vez o põe mais doente.

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  5. É realmente incrível a "fome" dos reporteres em procurarem respostas do tipo "é verdade, é dificil, a culpa é da câmara..." ou "é verdade, estamos isolados, a culpa é do governo..."

    Estes portugueses - que encaram a vida com naturalidade e que não estão á espera sempre de alguém que faça as coisas por eles - é que são os verdadeiros portugueses com valor.

    Ao contrário, os outros milhões que vivem nas cidades com todas as condições, ainda têm a lata de se queixar muitas vezes...

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  6. Nota-se que por trás desta avidez em noticiar aquilo que não faz sentido absolutamente nenhum que seja noticiado (pelo menos da forma quase coerciva como a pergunta é feita aos entervistados), está o volumoso problemas das audiências.
    Sentimos que antes de o jornalista saír para uma reportagem, alguem lhe segredou ao ouvido "encontra uma notícia bombástica e se não a encontrares, cozinha-a".
    Este modelo de notíciar tem ganho um espaço cada vez mais amplo no panorama informativo nacional, devido ainda ao espírito alcoviteiro que caracteriza uma boa tranche da nossa população, para alem do secreto gostinho pela notícia da desgraça alheia, rematada pelo tom comiceroso do "pois... é a vida, o que é que se pode fazer!?"

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  7. De facto, a televisão ampliou o conceito das velhas do soalheiro a um nível global, caro Bartolomeu.
    Depois, diz-se que é o progresso...

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  8. A Casa Pia e o caso Maddie já não preenchem o prime time; o Ronaldo não dá entrevistas à borla; do BPN e do BPP já o engº Sócrates tratou…
    Até à estreia da nova telenovela Freeport de Alcochete, co-produção luso / inglesa , resta-nos de fazermos de parvos com estas reportagens dos nevões!

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. A "reportagem" que nos conta, Suzana, revela, na verdade, dois países a duas "velocidades", quer dizer, dois mundos com valores e objectivos bem diferentes.
    Paradoxalmente, os portugueses habituados a viver as adversidades procuram resolvê-las pelas suas próprias mãos, porque foi assim que foram ensinados e porque nunca tiveram uma "mãozinha" para lhes facilitar a vida, quando em muitos aspectos essenciais da vida mereciam bem mais. Os outros que se habituaram aos "facilitismos", com acesso a tudo e mais alguma coisa, bem ou mal pouco importa, nunca se esquecem de reclamar, de se queixar, acusando tudo e todos!
    E é no mundo daqueles que a comunicação encontra terreno fértil para explorar as adversidades, colocando-as em confronto com o mudo do consumismo, das modernidades, das revindicações, do "tudo é devido"!
    Um contraste grande de valores e atitudes, perigoso, deixando espreitar a conclusão fácil que o "desenvolvimento" é que é bom!

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  11. Sem duvida que o desenvolvimento é bom, cara Margarida. Bom e necessário. É ele que aproxima os povos e proporciona a evolução e o intercâmbio de conhecimento, que nos fazem prosperar.
    O que se torna necessário é definir convenientemente o que se deseja que o desenvolvimento seja e não deixar que aquilo que se objectivar, seja infectado e deturpado por conceitos e acções que, em lugar de desenvolvimento, gerem embrutecimento e alienação.
    É verdade aquilo que refere, cara Margarida, o nosso mundinho move-se a duas velocidades, costuma dizer um amigo meu, que é devagarinho e parado. Mesmo assim, andando devagar e... até mesmo parado, penso que é possível que haja desenvolvimento, lento, ou... muito lento. O problema é quando, orgãos como a comunicação social, que têm a responsabilidade de prestar um serviço público, em momentos determinados, decidem engrenar a marcha-atrás.

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  12. Anónimo18:40

    Não esquecer, meu caro JotaC, da notícia dada e desenvolvida em prime time, sobre o cão "português" que é uma das hipóteses de oferta de Obama às suas filhas, só afastada pela coroação de Ronaldo!

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  13. Fico-lhe grato, caro Drº Ferreira de Almeida, por me ter avivado a memória. Pois claro, é o primeiro presidente americano a ter um cão português! Bom, a concretizar-se tão honrosa escolha, que certamente vai encher os prime time de todas as televisões durante uma semana, esperemos que Obama nos intervalos das guerras não ande ao pontapé ao português!
    :)

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  14. Ao que parece, caro Dr. Fosé Mário e Jota c, a indecisão da família Obama mantem-se entre um labradoodle e um cão de àgua.
    Mas, como a filhinha mais velha, a Malia, (que é como quem diz em chinês, Maria) sofre de alergias, o mais provável será e escolha recair no "modelo hibrido", ou seja, o labradoodle, que é constituido pelo cruzamento entre um labrador e um caniche.
    Bom, desculpem-me a imprecisão... entre um labrador e uma caniche... ou será entre um caniche e uma labradora? Seja como for, não estou a ver como é que labrador cruza com a caniche, ou como é que o caniche cruza com a labradora, a não ser... pois, só se o labrador se colocar de joelhos, ou o caniche em cima de uma cadeira...

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