terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Keynes ou as perplexidades de um não economista

Há coisas que me fazem alguma confusão.
O século XX foi uma época de revoluções, de guerras mundiais, de separação de dois mundos através do simbólico e inviolável Muro, da queda do mesmo muro e do fim das ditas revoluções; foi também época de fim de tabus, de apologia e glória da liberdade individual, do direito à felicidade, do direito ao bem estar, ao conforto, ao prazer; foi sobretudo a época da sociedade de informação ao nível global, do contacto em tempo real ignorando fronteiras e distâncias, mares ou desertos, tudo à distância de um clic, somos todos irmãos e vivemos todos no mesmo espaço cibernético, a informação democrática, sem limites, ao alcance de todos, universal e infinita. Foi, ainda, a era de uma nova globalização – houve várias, nós é que fingimos que somos novidade - , não foi só dos mercados financeiro e comercial, foi também das culturas, das viagens, da ambição de um mundo igual e justo para todos, os combates à fome, à morte prematura, ao analfabetismo, o direito à utilização das descobertas científicas, aos cuidados médicos, às vacinas. Foi, finalmente, um século em que se democratizou o ensino nas sociedades mais desenvolvidas, deixou de se considerar natural que só as elites tivessem acesso aos estudos, as universidades acolheram milhões e milhões, em todo o mundo este factor é indicador de progresso. A economia, enquanto matéria de estudo e investigação, tornou-se uma espécie de ciência da modernidade, explicava os sucessos, receitava contra os insucessos, teses e teses sobre todas as vertentes económicas e financeiras, a sociológica também incluída, como se as pessoas fossem mais um elemento a traduzir em leis de mercado, faz-se assim, reagem assado, é mais que certo, o estímulo e o resultado, pois claro. Desapareceu a filosofia, a literatura, as dissertações tão aborrecidas que levavam um bocado de tempo a ouvir e a entender, nada disso, transforma-se em power point, rápido e simples, manuais e manuais sobre organização, liderança, comunicação, imagem, produtividade, eficiência, iniciativa, criatividade, eu sei lá, um nunca mais acabar de ciência económica ou prima da economia, também se não fosse assim interessava pouco, o desenvolvimento e a globalização foram (foram?) resultado de tanta regra e de tanta descoberta nesse novo e pujante ramo da ciência. Não sei quantos milhões de livros de imensos prémios Nobel da Economia, não sei quantos biliões de euros pagos a conferencistas mundiais, a organizações de formação de quadros, a cursos e cursos de economia avançada para se acompanhar o progresso e se sustentar este ritmo de desenvolvimento de que todos aproveitávamos.
Então e agora só se lembram de Keynes, o grande economista que deu a receita para se ultrapassar a crise de …1929?

4 comentários:

  1. Para ilustrar tão grandioso texto, só me ocorre socorrer-me deste "monumento" musical:
    http://www.youtube.com/watch?v=O2AEaQJuKDY&feature=related
    dirigido pelo grande Herbert Von Karajan.

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  2. Anónimo15:36

    O post da Suzana faz-me pensar como o tempo relativiza as coisas. Mesmo em política, ou sobretudo na política.
    Keynes já foi, lembro-me bem, uma referência daqueles que, nos anos 70, após a revolução, por cá se opunham ao colectivismo.
    Vêm-me à memória as minhas aulas de Economia Política, em pleno PREC, onde tantas vezes vi opor ao marxismo a intervenção do Estado, mas no quadro da economia de mercado.
    Não deixa de ser curioso que hoje são os mais radicais de esquerda que deixam sossegado o velho Marx e desenterram Keynes. Como em boa verdade os partidários da social-democracia clássica há muito que deixaram de acreditar na bondade do intervencionismo keynesiano sem que se perceba quem o substituiu na amalgama ideológica, ou, para outros, no deserto de ideias em que se transformou o centro político.
    Afinal, a demonstração de que também na política se pode formular uma teoria da relatividade...

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  3. Cara Suzana:
    Para começar, grande texto o seu, cara Suzana!...
    Depois, e indo a Keynes.
    Keynes não era um economista "tecnocrata", ou um economista liofilizado,nem mesmo, simplesmente, um professor. Keynes aliava preparação académica em várias áreas, entre as quais a da economia, à vida empresarial, foi administrador de várias empresas e Vice-Governador do Banco da Inglaterra. Era também um "cavalheiro". Por isso, tinha vida para além dos livros e das Universidades.
    Acontece que muitos dos economistas, hoje, que se reclamam de Keynes, nem o percebem; primeiro, porque não distinguem o essencial do acessório e, depois, porque não enquadram as circunstâncias em que teorizou sobre a economia.
    A economia é uma ciência social complexa e não se chega lá com receitas livrescas de investigadores ou de economistas de ocasião, por mais cotados que estejam na praça.
    Também eu, não sendo keynesiano, admiro Keynes tanto mais quanto menos considero aqueles que, por tudo e por nada, invocam o seu nome em vão e, no fim, demonstram pouco ou nada dele conhecer.

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  4. Há coisas que nunca passam de moda, caro Bartolomeu, obrigada.
    Caro Zé Mário, Umberto Eco diz que a história volta sempre às origens, dá uma volta enorme e depois repete, é capaz de ser o caso, os economistas chamam-lhe ciclos...
    Caro Pinho Cardão, concordo consigo que a invocação de Keynes é muitas vezes fruto da ignorância, mas não deixa de ser espantoso que se "apaguem" da lista dos ilustres teóricos a ter em conta todos os cérebros que iluminaram o séc. XX nesta matéria!

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