sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Ética animal

No dia do aniversário do nascimento de Darwin fui assistir a um colóquio, seguido de debate, na simpática livraria perto da minha casa. Sentei-me na última fila, junto da porta, não para me escapar a qualquer momento, mas com a fisgada de ficar calado. Às vezes apetece-me mais ouvir e, depois, pachorrentamente, ruminar sobre os assuntos. Acontece que a moderadora do evento, ao topar-me da mesa, acenou um largo e muito simpático sorriso. Pensei logo: já estou a ver que vai arranjar um pretexto à maneira para me pôr a falar. E é das tais que chama “manhoso” a Darwin, cuja obra e vida tão bem domina. Mas não lhe fica atrás! No final das exposições, curtas, precisas e suficientemente polémicas, abriu-se o debate. Para estimular o apetite da audiência, o pessoal da mesa ia “servindo alguns aperitivos”, através de alguns comentários, um pouco desgarrados, análises meio sedutoras, alfinetadelas espirituosas, no fundo, tentavam aquecer o ambiente. Foi quando a moderadora olhou para mim, com o seu sorriso verdadeiramente sedutor, apelando a uma intervenção. Não me fiz rogado, claro está, porque muitas das coisas que ouvi provocaram um verdadeiro terramoto no meu pobre cérebro ao ponto de as ideias começarem a entrar em ebulição. A vontade de as expor, de complementar algumas afirmações e introduzir novos conceitos foram determinantes para neutralizar a velha timidez de falar em público. Às tantas, já não sei se é o acumular e a produção do conhecimento que me impele a isso ou se já estou a manifestar uma das consequências do envelhecimento, que se traduz, com alguma frequência, numa desinibição oratória devido a alterações do córtex frontal. Se este último for o responsável, então, coitados daqueles que daqui a alguns anos terão que me aturar; um chato de primeira ordem! Espero que, entretanto, não tenha caído nesta esfera!
Como todos os debates, as intervenções descambam para aquilo que não estava previsto. E ainda bem! Recordo-me que, às tantas, o filósofo de serviço ter focado a ética animal, contestando a visão antropocêntrica da mesma, talvez, presumo eu, pelo facto da bióloga ter afirmado que não há hierarquias das espécies, em termos biológicos. Concordo. A senhora invocou a tradição judaico-cristã e a Bíblia, onde está contemplado que Deus criou o homem e os animais para o servirem, como justificativo da superioridade cultural da nossa espécie. Aqui começou a gerar-se alguma agitação com a intervenção, muito interessante, de um colega dos “direitos” que dissertou sobre os direitos dos animais, e a legislação produzida para os defender, nomeadamente, por exemplo, a proibição da experimentação animal na Nova Zelândia.
Recordei-me do muito do que lá foi debatido, bastante produtivo, conheci personalidades com as quais nunca me tinha cruzado, trocámos ideias, discutimos novos paradigmas, levantámos muitas questões e passámos uma noite verdadeiramente comemorativa de um homem que mudou o mundo.
Não estava nos meus planos lançar a mão à tecla, mas fi-lo por causa da ética animal.
Li que “As lojas IKEA de Alfragide e Matosinhos estão a devolver dinheiro aos clientes que adquiriram almofadas ou edredões feitos com penas de aves, depois da empresa ter descoberto que os produtos eram fabricados com penas arrancadas a aves vivas”. Onde? Onde havia de ser? Na China! É pratica comum, neste país, o não respeito pelos direitos dos animais. São inúmeros os relatos de atentados, verdadeiramente cruéis, contra os animais. Mas a pergunta que queria mesmo colocar diz respeito aos direitos dos seres humanos. Será que a IKEA, e outras empresas, desconhecem que inúmeros produtos são confecionados por crianças e trabalhadores em condições eticamente condenáveis? Não lhes arrancam as penas em vida porque não as têm. Mas arrancam, roubam e matam a dignidade de crianças, mulheres e homens. Ética animal versus ética humana? Afinal, um verdadeiro problema de “ética comercial”...

3 comentários:

  1. Ela lá sabia com quem podia contar para tornar o debate interessante!

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  2. Será certamente defeito meu, mas não percebi o ponto. Há alguma contradição entre as duas preocupações? Não serão apenas complementares? Pelo facto de a empresa eventualmente não se preocupar com os humanos, deverá deixar de mostrar cuidado com os animais (mesmo que ele tenha origem apenas "comercial")?

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  3. Não. Não há contradição nenhuma. Falta o "resto"! E o "resto" são as pessoas.

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