quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Inveja e felicidade

Sói dizer-se que o principal mal dos portugueses é a inveja, havendo mesmo quem argumente que é fonte do nosso atraso. Não sei se é ou não. O que eu sei é que se trata de uma das paixões mais universais, não havendo praticamente nenhuma cultura que a não revele de uma forma ou outra. Crianças, velhos, ricos, menos ricos, mendigos, políticos, santos e não santos, só para falar de alguns, sofrem de mal de inveja. A inveja, a par da insatisfação, são as principais causas de infelicidade. Mas quem diria que a inveja está relacionada com a democracia? Na perspetiva de Bertrand Russell “a inveja é a base da democracia” que, como todos sabemos, é a melhor forma de governo. O filósofo descreve que os gregos, ao afirmarem que “não há primeiro entre nós”, despertaram o movimento democrático.
“Não havendo primeiro entre nós”, levou a que muitos não aceitem que outros estejam em cima, que vivam melhor, que tenham mais património, mais honrarias e distinções. Daqui a afirmação russelliana de que “a inveja é a base da democracia” e, sabendo que não há melhor forma de governar, é fácil concluir que não há meio de a erradicar.
A inveja provoca sofrimento, insatisfação e gera a infelicidade. A melhor maneira de a tratar seria através da felicidade, mas, logo por azar, a inveja é um muro alto que dificulta chegar até ela. Existe, no entanto, muitas possibilidades de a alcançar e, consequentemente, prevenir, ignorar e desprezar a mais cancerosa de todas as paixões, a invídia.
A sensação de felicidade surge em muitas circunstâncias sem darmos conta e sem a valorizarmos. É pena. Uma sociedade em franca convulsão, como a nossa, não deve estar muito predisposta para andar em busca das três Graças, nem estas se preocupam connosco. Os povos quando começam a andar descontentes ou perderam o verdadeiro significado da vida ficam mais recetivos à propaganda das mensagens que apelam ao ódio do que à fraternidade. Somos bombardeados, constantemente, por mensagens que apontam nesse sentido. Violência verbal inaudita, cultivada por altos responsáveis, assusta.
Muitos portugueses andam tristes, meio macambúzios e sem vontade para nada. Por analogia, poderíamos afirmar que sofrem de sinais típicos de quebranto, cujo diagnóstico popular é muito comum. Seria interessante se houvesse alguém capaz de curar o mau-olhado. Claro que nos pequenos povos ainda existem pessoas que, com certas rezas e uso de brasas bem acesas, que acabam mergulhadas em tigelas com água, seguidas do ritual de beber três gotas, conseguem tirar o quebranto às pessoas. Mas a nível nacional começo a ficar com muitas dúvidas se haverá alguém capaz de exorcizar a inveja. Entretanto, o melhor é conseguir sentir, extrair, procurar, inventar, saborear, eu sei lá que mais, a felicidade, em pequenos gestos, em pequenas atitudes, no dia-a-dia profissional, pessoal e familiar.
Lembrei-me de passar a escrito esta despretensiosa reflexão depois de ter contemplado o final da tarde num pequeno jardim em frente do magnífico Botânico, conhecido pelo jardim dos Patos. Patos não os vi, assim como mais ninguém naquele pequeno recôndito da cidade. Senti uma sensação estranha provocada pela conjugação do calor pré primaveril, dos cantos de excitação sexual da passarada e dos efeitos multifacetados dos raios solares a atravessarem as romagens das árvores do outro lado da avenida, que interpretei como sinónimo de felicidade. Não senti qualquer inveja de fins de tarde ocorridos em inúmeros locais ditos paradisíacos deste planeta. O “meu local” proporcionou-me uma sensação de felicidade. Felicidade, a arma mais eficiente para lutar contra a inveja.
Se “a inveja é a base da democracia”, então, é a altura de a democracia começar a ser a base da felicidade...

6 comentários:

  1. Bravo!
    Também eu senti felicidade hoje!
    hehe!
    Quase me senti um idiota no trabalho por me demonstrar feliz...

    Gosto muito de o ler!

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  2. Com efeito Senhor Professor Massano Cardoso, a genuína felicidade atinge-se quando se descobre o gosto natural pelas coisas simples.
    A propósito das 3 graças, recordei-me da história atribuída a Socrates... o filósofo, quando um amigo lhe quis confidenciar algo acerca de um terceiro amigo. Antes de o querer ouvir, Socrates pediu-lhe que reflectisse em 3 pontos: Se ele tinha a certeza de que aquilo que lhe queria contar era absolutamente verdade, se aquilo que lhe queria contar era algo de bom e se aquilo que ele tinha para contar, teria alguma utilidade para si!?
    O Amigo respondeu não às 3 perguntas, ao que Sócrates retorquiu: Se aquilo que me queres dizer, pode nem sequer ser verdade, nem bom, ou útil, porque carga de água é que eu deveria querer ouvir-te?

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  3. Assim que vi o início do post,lembrei-me da frase de Russel, que registei há tempos.
    Quanto à procura da felicidade, dei comigo há pouco, na SIC/Mário Crespo, com dois convidados, um do PSD e outro de PS, a levantar-me e sair da sala: estou farto de ouvir a normalidades - era o deputado do PS, a louvaminhar os Grandes Projectos.
    Ainda não chega de mau Circo?
    JB

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  4. Caro Professor Massano Cardoso:
    Tal como o caro zamotanaiv, também eu gosto muito de o ler.
    A propósito de inveja, dizia eu hoje a um colega, que a actual legislação da função pública permitia aos dirigentes poderem decidir, sem condições prévias especiais, como por exemplo o concurso, promover e aumentar o índice remuneratório de qualquer funcionário, ao que ele argumentava não ser correcto, porquanto, uma coisa é um “patrão” fazer isso com o seu próprio dinheiro, e outra é alguém que representa o estado poder favorecer aqueles que mais gosta. Fiz-lhe ver que o legislador, provavelmente, partia do princípio de que este poder gestionário seria imbuído de toda a ética e sendo assim essa questão não existia. E terminei dizendo-lhe que nestas coisas há sempre dois lados: aqueles que sobem têm sucesso; os que não sobem têm inveja.
    Que bom seria se eu tivesse a certeza disto!…

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  5. Caro Prof Cardoso

    A inveja é um comparativo.
    Que eu saiba, não se comparam comparativos.
    Todas as sociedades possuem o seu comparativo, ergo, em todas existe inveja.
    Em Portugal, a falta de educação académica, não a social, erigiu a inveja a uma disciplina de análise.
    Mais uma vez, quando não queremos ver, lateralizamos.
    Cumprimentos
    joão

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  6. “Quando não queremos ver, lateralizamos”!
    Esta frase fez-me recordar uma doença dos olhos denominada Degenerescência Macular relacionada com a idade (DMI) que afeta a chamada visão central, a mais importante. No entanto, estes doentes ainda assim conseguem ter uma visão periférica que, não sendo grande coisa, ainda dá uma ajudita para não bater nos postes.
    A sua análise à minha crónica, por analogia, corresponderá a uma “boa visão central”, ao passo que a minha, fruto da idade e da doença, começa a estar reduzida à “visão lateral”. De qualquer modo ainda vai dando para contornar alguns obstáculos, e sem “inveja” dos que conseguem ver melhor do que eu...

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