quarta-feira, 25 de março de 2009

Esperança e paciência, diz Obama. E não só.

Ouvi ontem em directo grande parte da 2ª conferência de imprensa de Obama. As dezenas de jornalistas levantaram-se quando ele entrou e sentaram-se quando ele lhes fez sinal para isso, ele ficou em pé, de frente para eles, e chamava-os um a um, pelo nome, a dar-lhes a vez de perguntar. Parecia um aluno muito respeitado perante um júri de exame. Ou um político perante o povo que lhe legitimou o poder.
A parte económica correu-lhe bem, na medida em que tinha um discurso bem preparado, fluente aqui e ali ainda influenciado pelo tom eleitoral. Mas ao mesmo tempo foi defensivo, como se estivesse a antecipar críticas, a pedir que não se precipitassem no julgamento. Pediu paciência e compreensão, garantiu que não havia bolas de cristal e que a América não é um barco de comando rápido, leva tempo a reagir. Ficou com uma irritação mal disfarçada com a questão dos bónus milionários aos gestores da AIG, disse que estava tão incomodado como toda a gente com os excessos mas que era altura de pararem de apontar o dedo a Wall Street porque muitos ganharam demais mas muita gente aproveitou da prosperidade e, se tivessem paciência, com o resultado das medidas em breve as pessoas poderiam voltar a pagar casas e automóveis porque haveria dinheiro. Mas acrescentou com ênfase que tinham todos que trabalhar em conjunto, com os olhos postos no médio e longo prazo e não apenas no curto prazo, que ninguém tinha soluções milagrosas e cada um tinha um papel a cumprir.
Já nas restantes perguntas, todas muito precisas e claramente enquadradas e formuladas, a atitude foi muito diferente, como se tivesse saído da cartilha bem estudada. As respostas saíram lentas, cada palavra bem pesada antes de ser dita, os olhos postos no chão enquanto avaliava a resposta. O ritmo quebrou-se e houve mesmo um ou outro momento em que ele parecia que não ia responder, num contraste incrível com a imagem vitoriosa e confiante a que nos habituou.
Reconheço que deve ser uma rude prova, ver-se ali exposto a qualquer pergunta, tudo em directo, sem discurso preparado no écran, ainda por cima em momento de enorme tensão porque a crise aperta e não se sente alívio.
O mais interessante é que depois houve os habituais analistas e comentadores e a primeira análise que fizeram foi que ele não tinha dito nenhuma mentira. Seria mesmo por isso que ele tinha falado tão devagar, não só para não cometer gafes como a que já cometera quando entrevistado num programa de televisão, em que disse uma piada muito politicamente incorrecta, mas sobretudo para se assegurar que não estava a faltar à verdade. Esse difícil equilíbrio entre dar esperança sem omitir a verdade da situação é o grande escrutínio a que os povos dão primeiro plano. E é também a única forma de mobilizar as pessoas para enfrentar as dificuldades de uma forma solidária.

2 comentários:

  1. Os d'América, tiveram uma sorte incrível. Por cá, cara Drª. Suzana, como não temos um Obama, e creio que nunca viremos a ter, resta-nos reeditar, com objectivo profiláctico, ó pedagógico hábito de iniciar o dia escolar cantando o Hino Nacional... a preceito e se não fosse o caso da inter-religiosidade que se verifica nas escolas, aconselharia a recitação da primeira horação divina "Pai Nosso" com especial ênfase na parte em que se pede ao altíssimo que nos perdoe as ofensas do mesmo modo que nos achamos dispostos a perdoar a quem nos ofendeu.

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  2. Suzana
    Falar verdade deveria ser uma coisa normal. Mas não é e por isso mesmo é motivo de realce.
    A mentira corrói a confiança, um valor essencial para que as pessoas acreditem. Em situações difíceis falar verdade não é fácil porque em simultâneo é preciso que essa verdade não desmobilize, não gere descrédito. Falar verdade e ao mesmo tempo incutir esperança é um equilíbrio difícil mas fundamental. Ao fazê-lo Barack Obama estará a mobilizar os americanos para a difícil reconstrução das fundações necessárias para a gigante tarefa de ultrapassar a crise.

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