O ´Publico´ de hoje traz a estória de um contribuinte, pensionista e portador de deficiência, que perdeu os benefícios fiscais devido a uma alegada dívida de €1,97 referente a IMT. Ao que relata o jornal, a dívida nem sequer existia. Mas para levar o fisco a reconhecê-lo, não bastou à pessoa em causa reclamar junto dos serviços. Foi obrigado a percorrer a via crucis de um processo judicial.
Dir-se-á que o caso só chama a atenção pelo ridículo montante da afinal inexistente dívida. Porém, na era da automatização, da desformalização e da desmaterialização, das centenas de medidas do ´Simplex´, dos chips e do cartão único, episódios como este vão permitindo tomar consciência da desumanização nas relações com a Administração Pública, processo iniciado no preciso dia em que o cidadão passou a ser chamado (e encarado) como mero utente dos serviços públicos.
Hoje, em muitos dos serviços do Estado, sobretudo nos serviços da Administração agressiva (e agressora, como é tantas vezes o caso da administração fiscal) são máquinas, e não homens e mulheres dotadas de razão e de sentimentos, que automaticamente conferem, instruem, decidem, notificam, liquidam, executam.
Depois das resmas de pequenas medidas de alegada simplificação administrativa, o Estado não se reformou, tornou-se mais inacessível. Façam uma pequena experiência e tentem colher uma informação pelo telefone de uma conservatória dos registos, de uma secretaria judicial ou de um serviço de finanças!
Paradoxo? Não. Consequência desta acelerada robotização dos processos que nos promete pedir e receber decisões sem sair do nosso sofá, mas que é afinal incapaz de levar a entender que a cidadania pressupõe o reconhecimento da individualidade.
Mais do que o choque tecnológico que nos prometia o céu da modernidade, por estas e por outras começa a tornar-se urgente um choque de cidadania.
Como sempre em Portugal do oito ao oitenta. Subscrevo na íntegra e penso mesmo que este é um dos motivos do actual empobrecimento de iniciativas e vontades. A rever, com gente mais inteligente!
ResponderEliminarPois é Dr. FA .... só que aquele caso do Hospital de Coimbra que ficou uma série de horas seguidas sem energia, não me sai do pensamento.
ResponderEliminarquanto a mim:
é impensável que tal situação possa acontecer, em Portugal, depois de tanto choque tecnologico, tanto simplex, tanta modernice.
todos os hospitais devem estar munidos de sistemas substitutos de energia (geradores) para o que der vier. seja uma catástrofe natural, um ataque terrorista, ou mesmo um simples rato que se lembrou de entrar no sistema, e que fez com que colapsasse, que parece que foi o caso.
Só os sistemas informatizados que dependem da energia, desde serviços diversos,blocos operatórios etc, não permitem que haja uma apagão num hospital que interrompa o sistema informático de funcionar.
mas aconteceu....o que é assustador.
Um hospital tem de ter fornecimento de energia, completamente garantido, venha lá a energia de onde vier, mesmo em circunstâncias de avarias.
neste país parece que entrámos na fase ...... de que tudo é possível, sem consequências, para os (ir)responsáveis.
cumprimentos
Caro José Mário
ResponderEliminarÉ uma estória muito triste!
A crise que estamos a viver, longe de ser apenas financeira e económica, está intoxicada por ideias que expulsaram a pessoa humana do centro da organização da economia e da sociedade, estando esse lugar ocupado pelo dinheiro, leia-se lucro e eficiência.
Os "simplex" organizativos são necessários, mas não promovem necessariamente a humanização da sociedade. Por isso, a crise é também uma oportunidade para "reinventarmos" a relação entre as pessoas e a economia e a sociedade, com um novo entendimento sobre a cidadania.
Como o José Mário muito bem refere o progresso da automatização e robotização foi incapaz de "entender que a cidadania pressupõe o reconhecimento da individualidade". Temos, pois, que repensar a cidadania!
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ResponderEliminarCaro Drº Ferreira de Almeida:
ResponderEliminarÉ um retrato excelente das relações impessoais entre o cidadão e a Administração Pública que muitas vezes provocam sentimentos de frustração, por não podermos fazer valer as nossas especificidades perante os sistemas informáticos.
É pacífico para todos que a vida hoje está muito ligada ás máquinas, que sem elas tudo seria mais difícil. No entanto, junto a elas, deveria haver sempre alguém atento que nos resolvesse as nossas dúvidas e particularidades.