"Nenhum povo pode viver em harmonia consigo mesmo sem uma imagem positiva de si. A revolução de Abril restituiu ao cidadão português a plenitude dos direitos cívicos comuns às democracias ocidentais, operou uma mudança na relação de forças entre as classes sociais, mas não encontrou ainda aquele ponto de apoio que corresponda ao sentimento de natural fruição da autonomia e da dignidade nacionais. A colectividade nacional não vive Portugal como uma realidade histórica sustentada e animada por um sentimento de confiança e de legitimo orgulho no seu destino particular. Mau grado a luta pela dignidade nacional, pela recuperação das suas possibilidades económicas, sociais e culturais, a actual imagem de Portugal aparece de novo, aos olhos dos portugueses, eivada de estigmas e de carências cuja recordação pesa na nossa memória colectiva. (...)Para quando a nova viagem para esse outro desconhecido que somos nós mesmos e Portugal connosco?"
Eduardo Lourenço, Psicanálise Mítica do Destino Português, 1977, in "O Labirinto da Saudade"
Cara Dra. Suzana Toscano:
ResponderEliminarSim, é verdade, parece que não chegámos sequer a descolar do ponto de início da nossa democracia, comparativamente com outros países. É como escrevermos um currículo, lê-lo e relê-lo, e sentirmo-nos angustiados pela sensação de nada termos feito durante anos a fio, porque, tudo o que lá está parecem-nos meras rotinas, sem esforço, sem cansaço e sem trabalho…
Provavelmente evoluímos em alguma coisa, mas aquém do que seria expectável, digo eu que sou um cidadão exigente…
Com a memória colectiva pesada
ResponderEliminare presa no labirinto da saudade,
a sociedade continua atrasada
esvaziando a sua dignidade.
A natural fruição
da autonomia e dignidade,
é pura ficção
na lusa contemporaneidade.
O mexilhão nacional
vive entristecido,
num regime irracional
que o tem enfraquecido!
Perdoe-me caro Manuel Brás a curiosidade... será o meu amigo de Mexilhoeira Grande, Entre Lagos e Portimão?
ResponderEliminarSaiba que dou muito apreço à poesia, sobrtudo se popular. Onosso país é fertil em poetas saídos directamente das raízes do povo, muitos capazes de ombrear com os mais eruditos, quer em sentido poetico, quanto na expressão das ideias filosóficas, atrvés da construcção das frases.
Exemplo disto é o poeta algarvio António Aleixo, analfabeto como se sabe,mas construtor de belíssimos poemas, dos quais recordo as duas quadras seguintes:
Peço às altas competências
Perdão, porque mal sei ler,
P’ra aquelas deficiências
Que os meus versos possam ter.
e...
Uma mosca sem valor
Poisa, c'o a mesma alegria,
Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.
Assim, caro Brás, mesmo considerando o meu comentário uma mosca sem valor, conceda-me um favor se possível.
Continue a presentear-nos com a sua poesia, mas, sempre que possa, varie a especie de marisco com que ornamenta estes saborosos pratos.
É que sempre mexilhão... não desfazendo do nacional, obviamente...
Cara Suzana Toscano,
ResponderEliminarEu tenho uma teoria. Foram séculos de perda de capital humano: primeiro na gesta dos descobrimentos depois na emigração.
Quem teve (tem) auto-confiança e sentido de risco partiu. Ficaram os velhos do restelo... e nós somos os seus netos.
Cumprimentos,
Paulo
Suzana
ResponderEliminarLi com muito agrado o texto, que tão bem reflecte o Portugal que não se consegue encontrar.
Mas o que é intrigante é a razão porque é que isto acontece e a razão porque é que não há uma "força" mobilizadora capaz de encontrar um caminho que assegure o nosso bem estar.
Porque é que não somos capazes de fazer consensos? Porque é que não somos capazes de viver normalmente com as diferenças? Porque é que não queremos enfrentar a verdade? Será muito difícil ganharmos uma imagem posisitiva do País se continuarmos por um caminho de permanentemente atribuirmos as culpas aos outros. Os outros que também somos nós. Sem uma união alargada de esforços, suspeito que iremos continuar muito insatisfeitos...
Caro Bartolomeu,
ResponderEliminarEm prosa, ok? Em primeiro lugar, agradeço as suas palavras simpáticas e humorísticas, fazendo bom uso de quadras do poeta António Aleixo. Permita-me retribuir-lhe, afirmando que tenho lido atentamente os seus textos, os quais considero muito interessantes por diversos motivos, destacando o facto, na minha bivalve opinião, de serem muito bem escritos.
Respondendo à sua curiosidade, resido algures, próximo do mar, no concelho de Loulé, onde faleceu esse poeta popular algarvio.
Vou tentar, aqui neste espaço, não ornamentar os pratos com o maltratado mexilhão, embora seja difícil, para mim, desprezar este pobre/coitado familiar da amêijoa. Vou tentar resistir...
Saudações algarvias,
Manuel Brás
Nota: a razão de tal resistência está relacionada com um carácter simbólico (não sendo aqui o local apropriado para explicar) que ele representa para a amiga amêijoa.
Caro Brás,
ResponderEliminarFico feliz quando encontro
Companheiro de boa verve
Que lado a lado, ombro a ombro
Usa a palavra que serve
E, para homenagear o bivalve
Que tem sido maltratado
Esperemos que a onda o salve
Deste tacho tão furado
Assim, sob a areia ou na rocha
Resistindo como pode
É sempre o bivalve que amocha
Quando já nem deus lhe acode
;)))
Quem diria que este tema tão árido seria fonte de inspiração em verso, realmente os nossos comentadores Bartolomeu e Manuel Brás têm imaginação e veia poética!
ResponderEliminarCaro jotac, muito bem visto esse seu paralelo com a árdua tarefa de exprimir num curriculo uma longa e esforçada carreira. Trata-se, precisamente, de sabermos vencer oq ue se tornou um estigma nacional, que é a incapacidade de valorizarmos o que fizémos ou o que sabemos fazer, estamos sempre a recear que aos olhos dos outros pareça pouco e, por defesa, começamos logo nós próprios a desvalorizar. Mas, tal como acontece com os países e a empresas, é preciso "saber vender", dar brilho ao que se tem ou pode fazer, mostrar que quem recusa é que fica a perder. Mas que é difícil, é, há mesmo sites na net e cursos de formação para aprender a fazer curriculos.
Caro Paulo, concordo consigo,a desvalorização do capital humano foi sempre, e continua a ser, uma razão para o nosso empobrecimento, acho que preferimos continuar pobres a dar oportunidade a quem quer que seja que não se conforme com a carreirinha rotineira e cinzenta, assustamo-nos com qualquer sinal de arrojo ou coragem,mesmo de inteligência, no fundo continuamos a temer quem possa vir a discordar ou a exigir.Uma pena, depois ficamos a lamentar os que sairam e provaram ter valor, só não nos lembramos é que se tivessem ficado cá teriam sido condenados às penas do purgatório.
Margarida, subscrevo inteiramente o seu comentário, os outros também somos nós, mas que há essa dificuldade há, nos outros países também, mas parece que lá há o hábito de dar ouvidos a quem não tem as mesmas opiniões, aqui há o hábito de fazer troça,ignorar ou,em caso de insistência, ameaçar. Para nós a unanimidade é um resultado excelente, o escândalo é quando há quem não concorde e o diga, é logo agendado como "um problema" ou "contestação" ou "divisão".