"...Um dia um mendigo entrou no casebre, repartiu do seu farnel com a mãe amargurada, e um momento sentado na pedra da lareira, coçando as feridas das pernas, contou dessa grande esperança dos tristes, esse rabi que aparecera na Galileia, e de um pão no mesmo cesto fazia sete, e amava todas as criancinhas, e enxugava todos os prantos, e prometia aos pobres um grande e luminoso reino, de abundância maior que a corte de Salomão. A mulher escutava, com os olhos famintos. E esse doce rabi, esperança dos tristes, onde se encontrava?
...A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, a mãe mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar duma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse rabi que amava as criancinhas, ainda as mais pobres, sarava os males, ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça engelhada:- Oh filho! e como queres que te deixe, e me meta aos caminhos, à procura do rabi da Galileia? Obed é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areais e colinas, desde Chorazim até ao país de Moab. Sétimo é forte e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde Hébron até ao mar! Como queres que te deixe? Jesus anda por muito longe e nossa dor mora connosco, dentro destas paredes e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:- Oh mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!E a mãe, em soluços:- Oh meu filho como te posso deixar! Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho! Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:- Mãe, eu queria ver Jesus...E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:- Aqui estou!..."
Eça de Queiroz, no conto Suave Milagre. Poema em prosa, um hino da literatura portuguesa
...A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, a mãe mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar duma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse rabi que amava as criancinhas, ainda as mais pobres, sarava os males, ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça engelhada:- Oh filho! e como queres que te deixe, e me meta aos caminhos, à procura do rabi da Galileia? Obed é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areais e colinas, desde Chorazim até ao país de Moab. Sétimo é forte e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde Hébron até ao mar! Como queres que te deixe? Jesus anda por muito longe e nossa dor mora connosco, dentro destas paredes e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:- Oh mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!E a mãe, em soluços:- Oh meu filho como te posso deixar! Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho! Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:- Mãe, eu queria ver Jesus...E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:- Aqui estou!..."
Eça de Queiroz, no conto Suave Milagre. Poema em prosa, um hino da literatura portuguesa
Suave doce de Páscoa esta sua recordação de um delicioso conto de Eça, me caro Pinho Cardão.
ResponderEliminarNo meio desta confusão, sabe bem...
"e curta a piedade dos homens"... assim como tão fraca a sua fé.
ResponderEliminarOuvi este conto, ainda muito pequeno, contado pela minha avó, que no final, perante as minhas inúmeras perguntas me respondeu, que Jesus ensinou-nos que só a fé salvará o mundo.
Pinho Cardão: obrigada!OBRIGADA por me lembrar das, tantas!vezes ,que eu li este conto com os meus alunos!
ResponderEliminarUma santa Páscoa e um pedido, muito profundo, de desculpas ,por qualquer mal entendido.
Lindíssima recordação, Caro Dr. Pinho Cardão. Bem haja!
ResponderEliminarUm conto, uma verdade, uma descoberta, intemporais. Como a fé é bela...
Caro Ferreira de Almeida:
ResponderEliminarPara além do conteúdo, aquele ritmo de escrita é uma extraordinária maravilha!...
Caro Bartolomeu:
E sobretudo a caridade: tinha fome e deste-me de comer...estava doente e assististe-me...
Cara Maria Ribeiro:
Foi bom, se lhe pude trazer as boas recordações que refere.
É, de facto, literatura de uma intensidade avassaladora, uma onda gigante a que não desejamos ver o fim.
Quanto ao resto, e embora não possa falar por outros, estou certo de que os mal-entendidos já lá vão...Pessoas de bem entendem-se sempre!...
Cara Margarida:
Sim, histórias como esta, pelo conteúdo e pela forma, são mesmo intemporais!...
Lindo conto, que tem esse poder mágico de nos fazer sentir a mesma emoção de quando o ouvimos a primeira vez,quando éramos crianças. Linda forma de celebrar a época da Páscoa, hoje quase reduzida aos coelhinhos de chocolate a aos ovos coloridos!
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