1. A Califórnia, o mais importante Estado da Federação USA, em termos populacionais e económicos – seria a 8ª economia do Mundo se constituísse uma nação independente, com direito a participar num G.8 – está em foco devido à sua precária situação financeira e económica.
2. Com uma taxa de desemprego que ultrapassa os 11%, bem superior aos 9,5% da Federação, a Califórnia viu as receitas orçamentais caírem fortemente, abrindo uma “cratera” orçamental e colocando o Estado numa situação próxima da insolvência, a dívida titulada emitida por este Estado tem já o estatuto de “junk bond”, simplesmente o pior na escala do rating ...
3. Nas suas edições de 11 e de 13 do corrente o Financial Times trata este assunto de forma desenvolvida, referindo nomeadamente a necessidade do Governo da Califórnia – presidido pelo bem conhecido Arnold Schwarzeneger – de lançar mão de “IOU”, ou seja certidões de dívida para pagar a fornecedores de bens e de serviços uma vez que não dispões de fundos e o endividamento bancário directo “bateu no tecto”...
4. Estes “IOU”, com vencimento para final de Setembro próximo, são negociáveis pelos seus titulares junto dos bancos - ou eram pelo menos até 6ª Feira passada, data a partir da qual diversos grandes bancos (Bank of America, Wells Fargo, JP Morgan) deixariam de aceitar o seu desconto...
5. Valeu à Califórnia, para ter mais algum tempo de respiração, uma decisão recente da Securities and Exchange Commission (SEC) atribuindo a estes “IOU” o estatuto de títulos de dívida transaccionáveis em mercado secundário, o que determinou um interesse significativo na sua negociação por parte dos intermediários financeiros e de investidores em busca de melhores remunerações – estes títulos vencem uma taxa de juro de 3,75%, numa altura em que as aplicações de prazo semelhante no sistema bancário vencem quase 0%...
6. O Governo da Califórnia terá emitido cerca de USD 3 mil milhões de “IOU” até este momento, podendo ser obrigado a novas emissões se não conseguir chegar a acordo com o Senado quanto às medidas de poupança a incorporar em novo orçamento que deverá ser aprovado até Setembro.
7. A Califórnia tem nesta altura um défice orçamental de USD 26,3 mil milhões, para um total de receitas de USD 113 mil milhões – de acordo com o F. Times.
8. No pior cenário – que pode não acontecer se o Governo Federal vier a adoptar um plano de salvamento que em todo o caso não será pacífico – o Estado da Califórnia acabará por entrar em “default” no cumprimento da sua dívida financeira, avaliada em cerca de USD 70 mil milhões...
9. Ao ler esta notícia, ocorreu-me um famoso discurso de posse proferido em Fevereiro de 2000, por alta individualidade do nosso mundo financeiro - ainda em funções apesar de já terem passado 9,5 anos - no qual criticava (sarcasticamente) as pessoas que na altura chamavam já a atenção para o aumento rápido da dívida externa do País...
10.Dizia essa alta individualidade que chamar a atenção para o endividamento externo de Portugal, membro da zona Euro, não tinha sentido pois era mais ou menos a mesma coisa que falar do endividamento do Mississípi na zona Dólar...não referiu a Califórnia talvez por lhe parecer um exemplo (de possível default) muito inverosímil...
11. Com esta rasgada visão dos nossos dirigentes o País pode estar certo e seguro do rumo que leva, vamos certamente dar a bom porto...
"Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do Mississipi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária."
ResponderEliminarExtracto do discurso proferido pelo Governador Vítor Constâncio na cerimónia da sua tomada de posse, que decorreu no Salão Nobre do Ministério das Finanças, em Lisboa, a 23 de Fevereiro de 2000.
Para quem quiser ler o discurso integral :
ResponderEliminarhttp://www.bportugal.pt/publint/publint_1_p.htm
Mas, felizmente, a alta individualidade não serve para nada. Isto apesar do enorme prestígio que diz ter entre os seus pares, os que não servem para nada lá na terra deles.
ResponderEliminarCaro Tavares Moreira,
ResponderEliminarPenso que um bicho deste tamanho(déficit), só mesmo para o gov. Arnold, na pele de Exterminador Implacável, resolver!
Talvez contratar o Dr. Jorge Sampaio para proferir a brilhante fráse " Há vida para além do déficit"
Caro Jorge Oliveira,
ResponderEliminarQue pontaria a sua! E eu a pensar que ninguém descortinaria a identidade de tão alta individualidade!
Espero que concorde com último parágrafo deste Post!
Caro Tonibler,
Para alguma coisa hão-de servir...são pagos a título de remuneração e não de subsídio social...
Caro André,
"Há mais vida para além do Orçamento" é a frase que imortalizou o ex-Presidente como grande arauto da consolidação orçamental...
Quanto ao defice da California, creio mesmo que só um certo "cozinheiro" será capaz de o enfrentar...não estou vendo nem Arnold Schwarz em condições de solucionar tão delicada questão!
Caro Tavares Moreira
ResponderEliminarO seu post não podia ser mais apropriado. Apenas queria complementá-lo e, se possível, retirar algumas conclusões para a nossa área do Euro, sobre o que se está a passar na Califórnia.
Não lhe vou maçar com as saídas possíveis, nem as causas da crise. O Estado está encerrado num colete de forças legais que será necessário alterar. As culpas, neste caso podem ser distribuídas poe igual a todas as forças.
Vamos concentrar-nos nas ilacções para a Europa do acontecimento.
A Califórnia não vai utilizar a saída da União como forma de solucionar a actual crise: existem exemplos históricos que travam a opção; acresce que entre este (Califórnia) e a União, existe em primeiro lugar, uma unidade política e económica; o ciclo económico está sincronizado com o ciclo da União em segundo lugar; e por último e não menos importante, existe uma efectiva harmonia fiscal.
Acresçe que a Califórnia, nasceu, cresçeu e prosperou depois da constituição da União e com cidadãos da União, é, para todos os efeitos, uma "filha" da mesma (União).
Para a Califórnia estão reunidas as condições, menos o consenso quanto ao modo e a pessoa, para se levar a cabo as necessárias reformas estruturais. Quem diz reformas, diz modificação de interesses e alteração das circunstâncias; o que no caso presente ( para os californianos) significa perder direitos e regalias.
Repare agora, no caso de Itália:
o seu actual desenho politico-administrativo, tem pouco mais que 160 anos;
Até o presente modelo, entre o ano 900 e 1860 esteve envolvida em mais de 20 guerras civis; o desenho foi, ao longo dos anos alterando-se de acordo com as alianças, nunca alcançando a unidade antes de final do séc XIX.
No presente modelo, envolveu-se nas duas principais guerras civis europeias, Primeira e Segunda Guerra Mundial.
É membro fundador do EURO e os resultados são maus. Nos dez anos anterirores à adesão, cresçeu consistentemente mais do que a Alemanha e França. desde a adesão, apenas em dois anos o seu crescimento foi melhor do que esses países.
É um dos países onde a unidade política interna é das mais frágeis e, por maioria de razão, um dos países com menor "consciência" da sua "europeídade" (seja lá o que isto fôr).
Tem estado, consistemente com uma política fiscal menos alinhada com a média da União e experimenta há já alguns anos uma fase de contraciclo com outras economias europeias.
Na actual versão tem mais de 1.500 anos de idade e, junto com a versão anterior mais de 3.000. Foi a precursora e educadora da maioria dos povos que hoje fazem sua a ideia de Europa.
Como vê não estão reunidas as condições para que Itália proceda a uma panóplia de reformas estruturais que podem, até ser politicamente impossíveis de serem levadas a cabo.
Sair do EURO pode ser uma opção teórica, afinal, com uma medida apenas, resolvemos os outros problemas. Se os custos forem uma desvalorização da "nova" lira em 30/40% (face ao EURO), conseguimos abater a dívida pública (actual), e aumentar a nossa competitividade internacional na mesma proporção, então deixa de ser teórica para se tornar um tema de eleição legislativa.
Por aqui pode ver que, para mim, os TGVs os PPPs e outros Vs, Ps e Ds que andamos a discutir, sem um enquadramento claro no contexto actual europeu (que é muito mais complicado, difícil e incerto do que pensamos, ou que nos convem pensar), não passam de vacuidades sem grande sentido.
Cumprimentos
João
Caro João,
ResponderEliminarCreia que muito apreciei o seu discurso histórico, procurando decifrar a filosofia e a consistência das Uniões Monetárias...tema aliás recorrente na literatura da especialidade...
Quanto à Califórnia estamos obviamente de acordo no que respeita à indissolubilidade da União, o que vai acontecer é que os californianos vão ter de apertar o cinto alguns furos, sob a forma de impostos mais elevados ou de benefícios sociais substancialmente reduzidos (ou 50/50).
No que à zona do Euro respeita, ainda teremos bastante que caminhar embora me pareça cada vez mais plausível que caminhamos firmemente na direcção da aplicação de um "programa de austeridade" imposto e coordenado pelo Centro da Europa, destinado aos países com economias mais desequilibradas...Grécia e Portugal serão, neste capítulo, os candidatos da primeira fila, com a Itália um pouco atrás (embora em situação económica bem menos desequilibrada).
Quando aí chegarmos iremos assistir a um fenómeno muito curioso - um Coro de Lamentações gigantesco, lágrimas vertidas aos hectolitros sobre o leite derramado, por parte de toidos aqueles que contribuíram para tal situação.
Mais curioso ainda será se esse mesmo Coro apontar o dedo aqueles que dese há muito tempo clamam contra os erros de política, imputando-lhes responsabilidade pelo sucedido...
O Dr. Medina Carreira e outros que se acautelem...
Tenho para mim que só depois dessa fase poderá ser equacionada a questão da saída da União Montária - se os programas de austeridade correrem "bem", se o cinto for mesmo apertado, muito bem, a União poderá subsistir...
Caso contrário, as dúvidas serão muitas...
Caro Tavares Moreira
ResponderEliminarA digressão impunha-se para poder sintetizar agora:
a) A Califórnia vai ter de apertar o cinto, porque a lógica da federação em que se encontra é resultado, em grande medida, da própria história do estado, por isso, essa lógica assim o impõe.
b) A Itália apertará ou não o cinto, porque a lógica da federação em que se encontra não é nem a história do estado, nem a Itália é o resultado da federação. Acresçe que, a actual federação em que a Itália participa não é mais do que uma entre, pelo menos quatro ou cinco em que os estados componentes da Itália estiveram envolvidos.(Desculpe a frase longa).
c) Um decisor político prefere tomar uma decisão que lhe resolve os problemas, com um custo político elevado, ou tomar várias que não lhe resolve o problema, mas com um custo político menos elevado?
(Uma sociedade ignorante e (mal) educada, preferirá a segunda opção: seja pequena, grande, pobre ou rica; acho que uma sociedade conhecedora e (bem) educada, pobre, rica, grande ou pequena, prefere a primeira solução.)
d) O tempo do ajuste já começou mas a ignorância tem essa pecha terrível de eternizar quem erra. Os responsáveis nacionais vão continuar após o ajustamento da eocnomia ao novo paradigma; ora isto vai ajudar a eternizar a pobreza. Fez muito bem em recordar quem disse, onde disse e o que disse. Tambem concordo que, em Portugal (talvez o país com mais crendice da Europa), a desgraça cola-se ao mensageiro e matá-lo até pode ajudar a terminar a desgraça.
e) Itália não foi escolhida ao acaso, nem o foi para ser diferente e mais afastado (fisicamente) da nossa realidade. Existe muita gente que considera que será a nemesis do EURO. Não vaticinando (ainda) esse desenlaçe, era importante seguir com atenção o que se passa nesse país.
f) A nossa sorte está intimamente ligada ao que se passar em Espanha e a sorte desta está dependente de como o seu sistema financeiro reagir à actual crise.
Nós vamos perceber e compreender qual a razão porque os alemães nunca tiveram colónias e, quando as possuiram, não deixaram nem saudades, nem marcas.
Cumprimentos
João
Caro Tavares Moreira
ResponderEliminarNão concordo só com o último parágrafo. Concordo também com os outros.
Quanto à individualidade, era fácil descortinar na medida em que se trata de um dos mais renitentes PNAT da nossa praça.
Caso ainda não conheça, PNAT é o acrónimo de "Político Nacional Agarrado ao Tacho".