domingo, 5 de julho de 2009

Que pretende Trichet: "to push the rope"?

1. Os ingleses têm esta expressão curiosa: “You can pull the rope but you can’t push it” - pode puxar-se uma corda mas não se pode empurra-la…se tentamos empurra-la, a corda dobra-se sobre si própria, para a frente é que não vai…
2. Recordei-me desta expressão quando li a declaração de J. C. Trichet, Presidente do BCE, na última 5ª Feira, após o anúncio da manutenção das taxas de intervenção do BCE, apelando aos bancos comerciais da zona Euro para que “cumpram a sua função, estejam à altura das suas responsabilidades, acelerando a concessão de crédito à economia, famílias e empresas”.
3. Confesso alguma dificuldade em perceber esta mensagem de Trichet e o seu efectivo significado, por várias razões.
4. Em primeiro lugar, os bancos só podem conceder crédito a quem o procurar, não podem tomar a iniciativa de dar crédito sem que os clientes o peçam…o crédito não se pode ministrar “pela goela abaixo”!
5. É certo que no momento de máxima euforia na concessão de crédito há alguns anos em Portugal, bancos houve que chegaram a inverter esta lógica, creditando as contas de clientes sem estes lhes terem solicitado qualquer crédito…instados pelos clientes a explicar o motivo dessa iniciativa, anularam esse movimento pois muitos recusaram esse crédito “amigo” e voluntário…
6. No actual contexto, porém, para lá de terem de aguardar que os clientes desejem crédito e o solicitem, os bancos têm outro problema: com a forte crise que se abateu sobre as empresas nos mais variados sectores, o crédito apresenta hoje muito maior risco, a respectiva análise tem de ser bem mais rigorosa…
7. Acresce que o crédito vencido, ao sector empresarial sobretudo, tem vindo a crescer a um ritmo muito forte – em Portugal, entre Abril de 2008 e Abril de 2009 praticamente duplicou – o que torna muito complexa a gestão das respectivas carteiras por parte dos bancos, impondo dificuldade adicional na tomada de novos riscos…
8. E não se pode perder de vista que a extensa e profunda crise financeira que ainda não está completamente ultrapassada – longe disso, suponho – foi em grande parte uma consequência de políticas de crédito demasiadamente permissivas, muito pouco responsáveis, tanto no segmento das empresas como no dos particulares…
9. Ao abrigo dessas políticas financiava-se tudo, de qualquer maneira, criaram-se alavancagens absurdas, os rácios “loan-to-value” atingiram valores muito superiores a 100%, os negócios de private equity faziam-se com recurso quase exclusivo a dívida - um “regabofe” em suma cuja factura estamos agora a pagar e vamos continuar a pagar por mais tempo.
10. Não acredito que Trichet pretenda o regresso a esse passado de irresponsabilidade…lá chegaremos, com certeza e infelizmente, mas era só o que faltava que voltássemos já e ainda por cima com o encorajamento do BCE.
11. Assim, resta a hipótese de Trichet pretender “to push the rope”…sem grandes consequências, espera-se…

8 comentários:

  1. Sim... sem grandes consequências... sou da mesma opinião caro Dr. Tavares Moreira, apesar de, e surpreendentemente os bancos continuarem a multiplicar lucros com a venda de dinheiro.
    Aquilo que mais me surpreende é não ter sido ainda percebida a necessidade de regulamentar e "moralizar" o perfeito abuso com a alteração dos spreads com vista à compensação das descidas das taxas de juro.
    Nesta matéria, o consumidor encontra-se totalmente à mercê da insaciedade da entidade bancária.
    Neste momento, os bancos estão numa situação idêntica à da maioria das empresas, não conseguem dar "vazão" ao seu produto, um produto falsamente não inflaccionado. Por isso compreende-se o desespero do Sr. Trichet e a sua necessidade de tal como o caro Dr. assinala, puxar a corda que, se for esticada com muita força, ou fome, conforme se quiser, o mais certo é partir-se.

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  2. Concordo, o crédito está parado porque o consumo de bens duradouros está parado, não o contrário. Em rigor, acho que não cheguei a ver nenhuma recusa no crédito, tirando os bancos a recusarem-se emprestar dinheiro uns aos outros, o que não deixa de ser um demonstração da estupidez associada a esta crise.

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  3. Caro Tavares Moreira

    Acho que o Sr. Trichet está a querer posicionar-se para aumentar as competências do ECB emulando o FED.
    O modelo de funcionamento do ECB é eficaz em época fasta, mas muito instável em época nefasta.
    É mais uma declaração "institucional", marcando terreno para a -inevitável- nova arquitectura europeia pós crise.
    Cumprimentos
    João

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  4. Caro Bartolomeu,

    O problema não está em esticar a corda, mas sim em tentar empurra-la para a frente...é um exercício em larga medida estéril, afigura-se.
    Quanto aos spreads, são a resposta a uma conjuntura em que os bancos parecem ter acordado de súbito para os riscos de crédito...estão estremunhados e, como qualquer criatura nesse estado, tendem a reagir por excesso...
    Estamos a pagar o custo do regabofe, meu Caro...

    Caro Tonibler,

    Bem observado, mais uma vez...o mercado interbancário constitui um razoável paradoxo no contexto desta crise e mostra como o exercício da corda é frustrante...

    Caro João,

    Se é o que diz, não quero contesta-lo, não me parece que o BCE chegue lá por ia de mensagens como esta...

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  5. Caro Tavares Moreira

    Tenho para mim que as declarações do Sr Trichet, só fazem sentido, enquanto movimento táctico para colocar o ECB notro patamar e com outra carta de missão.
    Que eu conheça, só o Sr Trichet proferiu essas declarações, desconheço qualquer eco, por parte dos Bancos Centrais Nacionais.
    Veja que, o mesmo Sr Trichet, junto com outros altos funcionários françeses, tem proferido declarações pedindo, aos governos, uma colaboração mais estreita nas políticas orçamentais nos respectivos estados membros da união.
    Não se esqueça que o Sr Trichet é um firme defensor do modelo renano de capitalismo, por oposição ao mais "liberal" modelo angol saxónico.
    Uma outra explicação pode ser que o Sr Trichet tem outras agendas pessoais: existem algumas presentes e futuras vagas em organismos internacionais....Mas esta, explicação, é mais... "italiana"...
    Cumprimentos
    João

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  6. Não se esqueça dos estatutos do BCE, Caro João, que limitam seriamente qualquer tentativa de "recentrar" a respectiva missão.
    A missão do BCE é, "first and foremost" manter a estabilidade de preços no espaço da zona monetária, sendo essa estabilidade definida como um ritmo de evolução dos preços próximo de mas não superior a 2% ao ano.
    Para lá dessa missão, não será fácil ao BCE aventurar-se...

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  7. Caro Tavares Moreira

    Não me esqueço, nem me esqueço que o Sr Trichet é um banqueiro internacional muito experiente e com excelentes contactos, para alem de ser françês.
    Recorda-se da "novela" Duisenberg/Trichet e o arranjo que se conseguiu?
    O seu comentário mais me ajuda em "ler" um movomento táctico, ou, então, estamos na via da "leitura" italiana das declarações.
    Olhe que me disseram que anda muita coisa pelo ar na Europa e ainda podemos ter surpresas...
    Cumprimentos
    João

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  8. Essa de que "anda muita coisa pelo ar na Europa e ainda podemos ter surpresas...", deixa-me particularmente curioso e de antenas reforçadas, caro João...
    Vamos então esperar por essas surpresas.
    Quanto a Trcihet, posso dizer-lhe que o conheci pessoalmente bastante bem, ao tempo em que Trichet exercia funções de Director Geral do Tesouro, cargo muito importante em França,era uma pessoa muito amável e tida por bastante competente.

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