Um dia de calor intenso é sempre uma descoberta, deixa-nos os sentidos à flor da pele e obriga-nos a sentir sem movimento, a captar em vez de correr à procura.
No Verão desvenda-se sem pudor o espectáculo de cor e luz, longamente preparado nas metamorfoses da natureza, surpreendendo sempre pela sua intensidade, pela harmonia e pelo contraste, que os olhos percorrem, preguiçosos, protegidos do excesso pelas lentes escuras, como se já não estivessem preparados para admirar tanto esplendor.
Os mínimos sons ecoam na quietude das tardes sufocantes, o zumbido monótono das abelhas, o voo rápido e breve dos pássaros, os gritos das gaivotas e, nas noites estreladas e mornas, nasce devagarinho e afirma-se o concerto afinado dos insectos que abandonam as covas húmidas.
As pétalas das flores oferecem-se, macias, ao tacto suave do simples roçar, a relva áspera risca os pés descalços, a areia morna afaga-os, a areia quente escalda-os, enquanto as ondas frias e salgadas atingem os corpos sôfregos e soltam a energia contida, numa volúpia súbita que só os raios do sol apaziguam depois, num bálsamo dormente.
O verão conhece-se logo pelo cheiro, ora uma amálgama que sobe da terra seca, poeirenta, já esquecida do suor que a abriu e fecundou, ora o grato aroma do vapor da rega, uma nostalgia da chuva que se adivinha nas primeiras folhas secas e nas nuvens que surpreendem a carregar o horizonte, para logo desaparecer empurradas pela brisa marítima, que os pulmões inspiram como quem sorve uma prova de vida.
E os sabores estivais, o reavivar dos paladares múltiplos que enchem a boca devagar, deliciosamente, sem pressa, ao ritmo da conversa que celebra as horas de descanso, o peixe fresco, os mariscos, as frutas maduras e intensas, ora verdes e logo maduras, tudo parece fugaz na sua vida breve, como as borboletas, os sorvetes, os refrescos, os legumes, os vinhos gelados.
Os dias de muito calor tiram a energia dos movimentos para que cheguem até nós, um a um, os estímulos de cada sentido e nos apanhem assim, indefesos, sem pretexto para adiar e sem forças para fugir do seu intenso e irrecusável convite para apreciar as coisas boas que a vida nos oferece.
Os dias de muito calor tiram a energia dos movimentos para que cheguem até nós, um a um, os estímulos de cada sentido e nos apanhem assim, indefesos, sem pretexto para adiar e sem forças para fugir do seu intenso e irrecusável convite para apreciar as coisas boas que a vida nos oferece.
Aliado aos cinco sentidos emerge um outro o "sentido" do belo que enche o écran do computador e alimenta a alma do leitor.
ResponderEliminarSuzana
ResponderEliminarDescrever a beleza das coisas não é tarefa fácil. Mesmo sendo bonitas nem sempre temos o dom de lhes dar a beleza que merecem e mesmo não sendo há sempre formas belas de o descrever.
A natureza é perfeita: a prostração do calor dá-nos o descanso necessário para sentirmos todas as "musicalidades" do Verão que a Suzana tão primorosamente faz sentir. É tudo muito bonito!
«As pétalas das flores oferecem-se, macias, ao tacto suave do simples roçar, a relva áspera risca os pés descalços, a areia morna afaga-os, a areia quente escalda-os, enquanto as ondas frias e salgadas atingem os corpos sôfregos e soltam a energia contida, numa volúpia súbita que só os raios do sol apaziguam depois, num bálsamo dormente.»
ResponderEliminar«Aliado aos cinco sentidos emerge um outro o "sentido" do belo»
«Descrever a beleza das coisas não é tarefa fácil.»
Quisera eu, este post comentar
Falar do sol, da terra, do mar
Com tanto enlevo e sentimento
Que vós falais, neste momento
Pudera eu, tal como vós, sentir
Tão grandemente de meu peito sair
Eloquentes frases aparentadas
À quelas, aqui por vós apresentadas
Faltam-me o engenho e a sagez
Para em tal feito me empenhar
Sobejam-me o deleite, a embriaguês
Por vos lêr, e vossas frases apreciar
;))
Gosto do colorido das imagens e do comentário do Professor Massano Cardoso, que julgo mostrar grande apreço por este singelo e rico post, tal como eu.
ResponderEliminarCaros amigos, um dia de Verão é de uma beleza irresistível e é um desperdício não lhe apreciarmos os estímulos, ainda bem que chegou um bocadinho até vós, sobretudo aos que estão de férias e podem ficar a espreitar as cores, os sons, as sensações, os cheiros e os paladares da natureza.
ResponderEliminarcaro Bartolomeu,as suas quadras são uma maravilha, obrigada pela inspiração que o meu post lhe motivou e que nos valeu esse poema!