domingo, 9 de agosto de 2009

A pequenina sereia...


A minha amiga Suzana Toscano pediu: - Conte mais...!

Sendo assim, "publico" um conto que escrevi no Natal para os meus três netos, que ainda não sabem ler... Uma prendinha adiada.

Para a Mariana, João António e Maria Leonor


Ainda não teria seis anos, quando, ao vasculhar, com a típica curiosidade infantil, o sótão lá de casa, deparei-me com um velho aparelho com duas lentes que permitia observar cartões cada um deles com duas fotografias antigas, “perfeitamente” iguais. Intrigado, lá me explicaram como deveria utilizá-lo. Colocava o cartão no suporte e, depois, aproximava ou afastava, mirando-o através das lentes. De repente emiti um ahah, quando as duas fotografias se transformaram numa imagem única com profundidade e volume. Foi a minha primeira percepção estereoscópica. Ávido em satisfazer a curiosidade, peguei na caixa com inúmeros cartões, descrevendo paisagens lindas de todo o mundo, e passei a ver os canais de Veneza, a Praça de São Marcos, carruagens puxadas a cavalos em Londres, pessoas vestidas de formas estranhas, montanhas cheias de neve, palácios, castelos e o dia a dia de muitas cidades, tudo numa cor sépia que me seduzia de forma particular. Na altura já eram muito antigas. Passava horas a tentar focar as duas imagens numa só e a deliciar-me com viagens ao passado. Aprendi os nomes de muitos monumentos, de cidades e de outros aspectos que, ainda hoje, me afloram à mente, sempre naquela suave cor sépia. E ainda não sabia ler.
De todas as imagens houve uma que me seduziu, e continua a seduzir; a imagem de uma estátua feminina sentada em cima de uma rocha com o mar em redor. Chamou-me a atenção o facto de a partir dos joelhos para baixo, apresentar algo semelhante a uma cauda de peixe. Como é possível? Tão perfeita e sem pés! Deformada e com ar triste. Perguntei logo o que é que tinha acontecido à senhora. Disseram-me que era mesmo assim. – Assim como? Assim não pode andar! – Pois não! Mas ela não anda. É uma sereia e as sereias só andam na água. – Sereia?! Mas o que é uma sereia? Responderam-me que era um ser vivo metade mulher e metade peixe que vivia no mar. A partir daqui o interrogatório foi contínuo, pois quis saber tudo. Onde é que moravam, o que faziam, o que é que comiam, se já tinham visto alguma, se era possível trazer para casa, enfim tudo o que se possa imaginar. As respostas, invariavelmente, vinham de encontro às minhas preocupações, modeladas pelas expectativas que entretanto ia construindo. Fiquei extasiado com as sereias. Era raro o dia que eu não olhava para aquela estátua tão sedutora. É fácil de compreender que comecei a desejar ver uma. Imaginava tocar-lhe, acariciá-la e ouvir os seus cantos, que diziam ser maravilhosos, sem saber ainda da existência de Homero.
Na altura, como qualquer criança, cansava-me muito facilmente ao fim de algumas centenas de metros de marcha, sempre que ia contrariado ou quando me desviavam das minhas actividades lúdicas. Cansaço de malandro, que contrastava com a fúria inesgotável das jogatinas e brincadeiras. As idas do meu pai a uma fazenda, que se encontrava praticamente a uma légua de distância, eram verdadeiros tormentos. Tinha que ir a pé, e no Verão o calor destruía a pouca vontade existente. A alternativa era saltar para os ombros e, às cavalitas, lá ia calcorreando o percurso. Cavalgar assim era confortável para mim, mas o mesmo não posso dizer do cavalgado que tudo fazia para não penar a distância com aqueles quilitos suplementares. A estratégia que adoptava era sempre a mesma; levar-me a um sítio onde se encontrava algo que desejava. Desta feita, sabendo da minha paixão pelas sereias, convenceu-me que na fazenda, onde havia uma mina de água que a nutria, deveria haver uma sereia. Ao princípio fiquei admirado, porque pensava que só haviam nos mares. Mas contrapôs-me que, tal como os peixes, também haviam sereias de água doce, só que eram muito mais pequeninas... (Continua no Quarto da República).

4 comentários:

  1. Eu me aparto de vós, Ninfas do Tejo,
    quando menos temia esta partida;
    e, se minha alma vai entristecida,
    nos olhos o vereis com que vos vejo.

    Pequenas esperanças, mal sobejo,
    vontade, que a Razão leva vencida,
    asinha darão fim à triste vida,
    se vos não torno a ver como desejo.

    Nunca a noite, entretanto, nunca o dia
    verá de mi partir vossa lembrança;
    Amor, que vai comigo, o certifica.

    Por mais que na tornada haja tardança,
    sempre me farão triste companhia
    saudades do bem que em vós me fica.
    " Eu me aparto de vós, Ninfas do Tejo" canto I de "Os Lusíadas" De: Luis Vaz de Camões
    Este encantado conto, enternece tambem aos adultos e, merece que seja feito um especial agradecimento à Drª Suzana. Diz o povo e com razão «quem não roga, não ouve Deus»
    Só mais duas notinhas, desculpem. Num local por onde passo frequentemente, encontram-se expostas várias fotografias de diferentes épocas do nosso Presidente da República e... não é que uma delas, é precisamente do Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva, ainda jovem, ao lado da estátua que representa a pequena sereia de Hans Christian Andersen!?
    Não é tudo, não, o Senhor Presidente, com um ar muito sorridente (não estou nada a brincar, é vardadíssima) encontra-se com o braço direito sobre a rocha e a mão em que termina o braço pousada sobre a perna da sereia.
    Ora toma! Que é para aqueles que lhe chamam um sonso, aprenderem.
    ;)))
    Espero que o Sr. Presidente, homem declaradamente utilizador das tecnologias informáticas, não visite o 4R!!!
    Apesar de esse evento ser uma grande honra para este espaço.
    Adiante.
    a outra notinha, trata-se de uma curiosidade. Ha algum tempo, passeava pelas praias de Lourinhã, Peniche, etc, e comprei um livro.
    Era uma edição conjunta da câmara e de região de turismo.
    Naquele livro contava-se a origem dos forais e a constituição das terras dos vizinhos, dos morgadios etc. Falava-se tambem de uma petição que a popolação da Lourinhã enviou ao Rei, rogando-lhe que fizesse alguma coisa que solocionasse o problema que constituíam as sereias que proliferavam nas enseadas e grutas daquela costa e que lhes encantavam os maridos, fazendo com que se somissem.
    Acho que o caro professor teve muita sorte, talvez por ainda ser tão pequenino, se fosse hoje já viu!?
    A esta hora estaria "encafuado" numa tenebrosa, fria e humida mina de água a escutar o canto mil vezes repetido de uma sereia... acha que esse canto ainda o encantaria?
    ;))))

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  2. Obrigada, caro amigo,por crer que terá sempre em mim um público encantado! Adorei a sua história e o desenho também, aguçou-me a expectativa de também vir a merecer essa distinção, lá vou trabalhando nisso...
    O seu conto começa logo de uma maneira que me despertou uma recordação, é que em casa do meu pai havia uma máquina dessa, era para ver slides, uns rectângulos de cartão que faziam a esquadria da foto e esta aparecia duas vezes, simetricamente. O meu pai tinha uma máquina de fotografar em forma de slide, era um complemento que se punha na máquina, depois nessa espécie de binóculo nós víamos e revíamos as fotografias em relevo. Mais tarde apareceu um briquedo desses comuns discos onde rodavam histórias infantis, cada um podia ver na máquina a história completa. Muito, mas muito mais tarde, apareceram os projectores de slides e então recuperámos as nossas preciosidade e já podíamos vê-las em tamanho grande, projectadas na parede branca. Ainda temos isso tudo, guardado em caixas em casa dos meus pais, deu-me umas enormes saudades de ir lá buscar e rever tudo!
    Quanto à sereia, as infâncias felizes têm sempre uma sereia, esse fascínio pela beleza que não se alcança, pelas profundezas do mar, pelos segredos que acreditamos poder captar e guardar só para nós. Li a história da Pequena Sereia, de C. Andersen, com a minha irmã, que ainda lia muito devagar e parava nas partes mais tristes, será que ela troca a cauda brilhante por uns pés, só para ir ter com o Princípe? Mas a sua história é ainda mais bonita. E parabéns à ilustradora, é uma artista!Conte mais...

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  3. Anónimo12:02

    Eis uma das razões porque vale a pena manter esrte espaço e visitá-lo. Faz-nos bem...

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