Manhã de sol. Ando a passear ao longo da ribeira. No momento em que se prepara para mergulhar sob o viaduto, os múltiplos cambiantes de verdes das árvores sobressaem nos jogos de luz e sombra. Uma macieira, de apreciável dimensão, apresenta-se partida ao meio. O coto, pontiagudo e descarnado, faz lembrar uma fratura exposta, denunciando dor, em que a única continuidade com o restante membro é feita através da casca. Este, constituído por frondosas ramagens, cheias de lindas maças, descaí sobre a ribeira, quase que diria que está a oferecer, pela última vez, centenas e centenas de frutos que, na ânsia de se perpetuar, acabaram com o seu peso por a matar. Talvez a idade tenha fragilizado o tronco.
Aproximo-me e toco numa maçã. Puxo-a e sinto uma resistência que se traduz num estremeção dos ramos, denunciando os últimos estertores de vida em ramos de morte. Volto a puxar, desta feita com mais força, e o movimento subsequente, transmitido ao membro amputado, acaba por denunciar o seu consentimento a que possua aquela fonte de energia. Ouço a árvore a dizer: - Por que é que não aceitaram a minha generosidade? Esperei, esperei que colhessem os meus frutos e ninguém os quis. Agora acabou!
Olho para o fruto, afaga-o, levo-o à boca, sinto a sua textura firme, dou uma trinca que desperta de imediato um sabor delicioso e, ao mesmo tempo, um travo ácido, que traduzo como sinal da sua tristeza. A primeira e a última vez que como um dos seus frutos. Vou guardar o seu sabor e, também, a imagem de uma vida cheia de vida que acabou por se vergar ao peso da própria vida, tudo, porque quem podia aproveitar das suas ofertas não o fez ou não quis.
A vida tem paralelismos com a história desta macieira. Muitas pessoas nascem, crescem, produzem, alimentam, são abandonadas e esquecidas, continuam a lutar e a viver com esperança, com um desejo de poder alimentar quem tenha fome.
Não dão pela sua existência.
O mundo é assim. Sempre foi e será. Árvores de vida que se oferecem radiosamente. Muitas não são aproveitadas e acabam por morrer vergadas ao peso da sua própria obra.
Uma pequena homenagem a uma macieira desconhecida e a tantas outras, na certeza de que um dia, muitas serão, também, esquecidas e ignoradas. Uma tranquilidade triste é sempre preferível à alegria estéril do momento presente.
Vou guardar o sabor doce e ácido da maçã. Pode ser que um dia me seja útil...
Aproximo-me e toco numa maçã. Puxo-a e sinto uma resistência que se traduz num estremeção dos ramos, denunciando os últimos estertores de vida em ramos de morte. Volto a puxar, desta feita com mais força, e o movimento subsequente, transmitido ao membro amputado, acaba por denunciar o seu consentimento a que possua aquela fonte de energia. Ouço a árvore a dizer: - Por que é que não aceitaram a minha generosidade? Esperei, esperei que colhessem os meus frutos e ninguém os quis. Agora acabou!
Olho para o fruto, afaga-o, levo-o à boca, sinto a sua textura firme, dou uma trinca que desperta de imediato um sabor delicioso e, ao mesmo tempo, um travo ácido, que traduzo como sinal da sua tristeza. A primeira e a última vez que como um dos seus frutos. Vou guardar o seu sabor e, também, a imagem de uma vida cheia de vida que acabou por se vergar ao peso da própria vida, tudo, porque quem podia aproveitar das suas ofertas não o fez ou não quis.
A vida tem paralelismos com a história desta macieira. Muitas pessoas nascem, crescem, produzem, alimentam, são abandonadas e esquecidas, continuam a lutar e a viver com esperança, com um desejo de poder alimentar quem tenha fome.
Não dão pela sua existência.
O mundo é assim. Sempre foi e será. Árvores de vida que se oferecem radiosamente. Muitas não são aproveitadas e acabam por morrer vergadas ao peso da sua própria obra.
Uma pequena homenagem a uma macieira desconhecida e a tantas outras, na certeza de que um dia, muitas serão, também, esquecidas e ignoradas. Uma tranquilidade triste é sempre preferível à alegria estéril do momento presente.
Vou guardar o sabor doce e ácido da maçã. Pode ser que um dia me seja útil...
Se me fosse pedido e se decidisse concedê-lo, o meu conselho seria:
ResponderEliminarTal como a macieira, cumprindo a missão para que nasceu, carrega de frutos os seus ramos, a ponto de os velhos troncos cederem ao seu peso, independentemente de se passa alguem que os colha e com eles sacie a sede e a fome... tambem a si, caro professor, lhe foi imposta uma missão, um desígnio, se quisermos, um destino. O sabor agridoce do fruto que provou, não tem de ser guardado, não deve ser guardado, cada fruto que tiver oportunidade de provar no futuro, nunca terá paladar identico, nunca terá textura semelhante, nunca terá aroma igual. Cada fruto, mesmo que filho da mesma árvore, apresentará um conjunto de características diferente dos seus "irmãos".
;)
Caro Professor Massano Cardoso:
ResponderEliminar-"...Uma tranquilidade triste é sempre preferível à alegria estéril do momento presente."
Muito bonito. Pressinto um pouco de melancolia(!?). Vamos fazer com que a alegria estéril do momento, se transforme numa alegria prenhe de tudo de bom...
Árvore fruto de vida
ResponderEliminarcom brilho radioso,
uma alusão devida
a um ser luminoso.
Macieiras desconhecidas
de ramagens frondosas,
ignoradas e esquecidas
as suas maçãs bondosas.
De textura original
e de sabor frutado,
o agridoce divinal
na boca degustado.
A triste tranquilidade
é de longe preferível,
à bacoca esterilidade
do presente sofrível.
Há sempre alguém que passa e colhe o fruto, o saboreia e guarda o travo doce na memória. Mesmo que não se saiba, mesmo que a árvore já não dê por isso, se produziu e ofereceu na sua generosidade, alguém passou e colheu... Eu acredito nisso.
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