Com a sugestiva interrogação feita título "Um dia o computador poderá julgar sozinho?" a edição de hoje do i publica um trabalho jornalístico sintético mas excelente no conteúdo e na oportunidade, sobre a automatização do sistema da justiça e seus limites.
Poderá passar despercebido, mas a subsituição da vontade dos actores habituais - advogados, magistrados, funcionários - pela capacidade de cálculo das máquinas está aí na ordem do dia, também entre nós. O debate é que não.
Não sei se nos países em que existe há algum tempo uma prática de informatização integral de alguns processos judiciais (podem continuar a considerar-se judiciais?), em especial processos de execução, a automatização da justiça foi precedida ou é acompanhada de debate sobre as vantagens e os perigos da substituição daqueles actores pela máquina que julga, calculando rigorosamente. Por cá, salvo um episódio de discussão que ocorreu há já alguns anos e que a muitos pareceu ficção científica (a pretexto da apresentação de um programa informático para auxiliar o juiz a calcular as penas em processo crime, programa "importado" de Itália, salvo erro) creio que a questão pouco mobiliza, e julgo que mal é percepcionada. O único momento de discussão sobre estes assuntos aconteceu quando recentemente se instalou, nalguns magistrados, a dúvida sobre a segurança do CITIUS.
E no entanto a substituição do homem pela máquina na justiça instala-se paulatinamente. A pergunta que se impõe é se traz vantagens. Traz pelo menos duas, evidentes: a diminuição dos tempos processuais e uma melhoria nos níveis de acesso ao Direito e de democratização da Justiça. Mas arrasta também perigos que devem merecer reflexão, desde logo todos os associados à desumanização da justiça, à desresponsabilização do juiz, às violações de direitos fundamentais...
Um tema que não é do futuro. É do presente, a exigir a atenção da sociedade.
A ele se voltará, provavelmente n´O Quarto da República.
Bom post, passarei pelo quarto.
ResponderEliminarComecei há dias a escrever um post que passava pelo mesmo assunto, das decisões judiciais feitas por sistemas informáticos (sem intervenção humana durante o processo).
Cheguei a este assunto numa apresentação onde se defendia a necessidade de enquadrar legalmente as actividades de entidades/sistemas de inteligência artificial. Punha-se a hipótese de criar um novo tipo de personalidade jurídica.
Na altura não percebi a necessidade. O post que escrevinhei vem porque entretanto cheguei lá. Talvez o acabe no fim-de-semana.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarMeu caro Francisco:
ResponderEliminarObrigado. Fico na expectativa do seu post.
Meu caro Paulo:
ResponderEliminarMesmo off topic, agradeço a chamada de atenção para assunto de inegável importância.
Mas, caro JMFA, é isso que os actores querem. Quando se pede uma justificação sobre uma decisão ou sobre um argumento a resposta que vem de lá é "a lei permite e nós não podemos ser responsabilizados por isso". Ora, para mim, é a mesma resposta que o meu computador me dá com a vantagem, não pequena, de custar 1/10 daquilo que me custa um juiz por mês. Portanto, se a ideia é deixar as coisas como estão, sou um adepto da substituição completa e consequente despedimento dos decisores. Os advogados podem começar a saber argumentar em "C++".
ResponderEliminarIsso não é justiça? Não, por isso é que a substituição não tem grande impacto tirando o financeiro.
Interessante, julgo que seria endereçar os recursos às decisões judiciais ao "superior" julgamento do computador. E depois comparar ambas as "sentenças".
ResponderEliminarMeu caro Tonibler:
ResponderEliminarPois com o devido respeito, está o meu Amigo redondamente enganado. O que diz que lhe respondem deve ser entendido assim: "eu - juiz - entendo que a lei deve ser aplicada neste sentido, perante as circunstâncias concretas do caso que me é trazido para julgamento".
É esta avaliação das circunstâncias que determina a aplicação do Direito, conjugada com a operação intelectual de apurar o sentido da norma, que em muitos sectores da justiça não pode ser feito por uma máquina por mais inteligente que seja. Para ser um bom juiz tem de se ter vida, tem de se ter mundo, tem de se entender motivações muito para além do que aparenta. Não há, e creio eu que não haverá, computador que processe essa informação porque muita dela não é, felizmente, do universo do racional.
"Julgar", no sentido de interpretar e aplicar o Direito ao caso concreto não é "calcular". Pelo menos o meu contabilista quando se põe a dar palpites sobre a lei revela-se um desastroso jurista...
Meu caro Bartolomeu:
ResponderEliminarGarantidamente que as decisões seriam iguais. Salvo se algum virus afectasse a inteligência artificial.
Caro JMFA, pensei que estávamos a falar de Portugal, e não desse sítio onde os juízes aplicam direito.
ResponderEliminarPois então deixo aqui o link: Uma palestra sobre legislação da Inteligência Artificial (1) mas antes quero deixar uma alfinetada nas expectativas.
ResponderEliminarCpmts
Bom apontamento o seu testemunho, meu caro Francisco.
ResponderEliminarMeu caro Tonibler, os juizes em Portugal não são diferentes dos espanhóis, dos franceses, dos alemães ou dos ingleses. Quando se lança um anátema sobre uma classe, normalmente toma-se por regra aquilo que não passa de um patologia. Nos últimos tempos, algumas desastradas sentenças têm servido para considerar o que o meu caro considera no seu último comentário.
ResponderEliminarConsidera-o sem razão.
Mas também já percebi que ao Tonibler não interessa ter razão, interessa provocar. E a sua última provocaçãozita lembrou-me um texto reunido num livrinho que os recém-licenciados em direito do meu tempo que abraçavam a advocacia se apressavam a comprar logo que acabavam o curso. O livro tem por título "Eles, os juizes vistos por nós, advogados", o autor é Piero Calamandrei e o texto diz o seguinte:
"Não digo, como tenho ouvido dizer, que a excessiva inteligência seja nociva ao juiz. Digo apenas que é óptimo juiz é aquele em que, sobre a cauta intelectualidade, prevalece a intuição humana. O sentimento da justiça, pela qual, conhecidos os factos, logo se sabe de que lado está a razão, é uma virtude inata, que nada tem que ver com a tecnica do direito. O mesmo sucede na música, em que a maior inteligência não pode suprir a falta de ouvido".
Eis, meu caro, a razão porque um computador não substitui nunca a pessoa de quem julga. A menos que, para além do desenvolvimento da "inteligência artificial" a tecnologia avance e se torne capaz de dotar a máquina de "intuição artificial"...