1. Esta virtuosa notícia corria nos rodapés de alguns canais televisivos no último Sábado, véspera das eleições legislativas.
2. Anotei-a devidamente, pensando que daria bom tema de reflexão, atentos os clamorosos vícios de que enferma mas que não serão visíveis para muitos dos espectadores que como eu tiveram o “privilégio” de a visualizar.
3. Em primeiro lugar, a obra do túnel não “cria” nenhum posto de trabalho: poderá dar trabalho aos tais 1.100 ou a 600.000 se quiserem, mas não cria qualquer posto de trabalho. Para que criasse seria necessário que as pessoas que lá vão trabalhar por lá ficassem depois da obra concluída, talvez a contar as viaturas que passam, mas não é o caso...
4. Em segundo lugar, as pessoas a quem esta obra vier a dar trabalho serão trabalhadores por conta das empresas adjudicatárias, não por conta do túnel – e essas empresas mandarão para lá os que já são seus empregados, não vão recrutar – a não ser a título precário ou temporário – mais gente para o efeito.
5. Em terceiro lugar, mesmo que as empresas adjudicatárias venham a recrutar temporária ou precariamente mão-de-obra para esta empreitada, será interessante saber quantos serão portugueses e não ucranianos, moldavos, búlgaros, africanos, etc. Provavelmente uma escassa minoria de portugueses...
6. Em quarto lugar, estamos perante a estafada ideia que os investimentos se auto-justificam pela fase de execução – tudo o que se passar depois, na fase de exploração, é irrelevante, o importante é que se faça despesa: boa, má ou péssima é tudo igual.
7. Note-se que não estou a discutir a utilidade social desta obra em concreto, estou sim a por em causa a forma totalmente viciada, “manhosa” mesmo, como estes assuntos são tratados no plano propagandístico e que nos obriga a pagar uma factura crescente, pesadíssima, pelas tremendas ineficiências que diariamente se vão acumulando na utilização de recursos muito escassos.
8. Por último, esta notícia, divulgada em véspera de eleições - em que deveria ser observado grande recato no tratamento dos temas que foram objecto de debate na campanha - é tudo menos inocente: ela induzia as pessoas que a lessem a tomar partido pelos defensores das obras publicas, de mais obras públicas - ora vejam lá que só o túnel do Marão cria 1.100 postos de trabalho...e aquela “malandra” ainda está contra as obras públicas!...
9. Não vamos longe, não vamos mesmo a lado nenhum, enganando deliberadamente as pessoas com este tipo de notícias...e andam estes sujeitos tão preocupados, por exemplo, com a autenticidade da informação prestada aos consumidores sobre os produtos financeiros!
Caro Drº Tavares Moreira:
ResponderEliminarMuito bem observado e muito bem dissecado.
Muito bem, Dr. Tavares Moreira: o que é preciso é que não se façam obras. Quanto pior, melhor!
ResponderEliminarO dr. Tavres Moreira está muito preocupado com a despesa. Mas, como sabe, a sua tese e a da Dra MFL não passaram nas urnas. O povo português é mesmo estúpido! Que fazer? Troca-se de povo...
A análise é correcta. A conclusão também. É pena que alguns dos argumentos ressoem a xenofobia populista. Infelizmente, muitos dos desempregados a viver em Portugal são ucranianos, moldavos, búlgaros, africanos, etc.. E estes, tal como os portugueses, também precisam de comer, de viver, de ser felizes. O trabalho não é tudo, mas sempre ajuda. Os imigrantes em Portugal, tal como os nossos emigrantes lá fora, são sempre fortemente esforçados e, por isso, merecem um tratamento condigno e humano. Todos sabemos que a exclusão social e a indigência são meio caminho para a criminalidade.
ResponderEliminarOs autóctones só não trabalham mais na construção civil porque não querem. È um fenómeno comum a todos os países mais desenvolvidos. Alguém tem de construir os edifícios, os túneis, as estradas, as pontes, … As legítimas ambições de prosperidade correm mais depressa do que as qualificações e o esforço individual.
Manuel Ferreira Leite teve um acto falhado, estou certo que involuntário, nesta matéria.
Não vale a pena insistir, mesmo quando a intenção é benigna. Deixemos este discurso para o CDS-PP e não reneguemos a nossa idiossincrasia ou o nosso temperamento tolerante.
Caro António Transtagano
O Dr. Tavares Moreira não avalia a utilidade da obra – “Note-se que não estou a discutir a utilidade social desta obra em concreto,…” – mas sim o rigor da informação. E neste ponto tem toda a pertinência a sua análise. Portanto, deixe-se de derivas criativas e cinja-se aos factos. Sei que o vento lhe sopra de feição, mas não se limite a andar à bolina, esforce-se um pouco mais e apareça sempre.
Caro Félix Esménio
ResponderEliminarClaro que análise do Dr. Tavares Moreira tem toda a pertinência.
Não fora o facto de ter visto a notícia no rodapé das TVs e eu teria votado PSD!
Caro jotaC,
ResponderEliminarRegisto sua concordância que reforça sem dúvida a tese expendida.
Caro Felix Esménio,
Perdoar-me-á mas xenofobia é coisa que não poderá servislimbrada neste texto...quando me refiro a contratados precariamente de outras nacionalidades que não portugueses, tenho apenas em vista questionat a ideia central da notícia que é a da contribuição (falsa) para resolver o problema do emprego...
Só e apenas isso, essas pessoas merecem-me o mesmo respeito que todas as demais...
Os portugueses é que não são lá muito respeitados com notícias deste jaez...
Dr. Tavares Moreira,
ResponderEliminarCompreendo e subscrevo a motivação do seu post.
O 5.º parágrafo, todavia, não me parece feliz na sua formulação quando para além da precariedade do trabalho discorre sobre a nacionalidade dos trabalhadores numa lógica dual: os portugueses e os outros. Não releva este facto para a substância da sua análise.
Aceito sem reservas, porém, que a sua intenção não foi discriminatória.
Caro António Transtagano
A qualidade da sua ironia é directamente proporcional à qualidade do seu comentário.
Apesar de tudo seja bem-vindo a esta tertúlia blogosférica.
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarAo contrário das demais 1255 obras fundamentais para o desenvolvimento nacional, o túnel do Marão é importante. Não em si mesmo, claro, porque para se entender a importância de uma obra de per si é necessário o apurado raciocínio de engenheiro civil do PM. Mas o mapa de acessibilidade estava tão deformado para aquela zona, que era o túnel ou dar aquilo aos espanhóis.
Claro que, por outro lado, o estrangulamento fiscal em que vivemos vai transformar toda a riqueza que transformava o túnel em algo ainda mais importante num subúrbio qualquer para os lados do Carregado, mas isso é outra história.
Caro Félix Esménio (21:40)
ResponderEliminarDisse "directamente proporcional" mas queria dizer inversamente proporcional? Esclareça-me a dúvida, sff. Obrigado.
Caro António Transtagano:
ResponderEliminarV.Excia treslê e desconversa.
O que o dr. Tavares Moreira referiu está correctíssimo.
Por cada encomenda de sapatos estão a criar-se postos de trabalho?
Por cada encomenda de sacos de cimento estão a criar-se postos de trabalho?
O meu amigo não distingue a realidade da propaganda?
Ou a propaganda para si já é a realidade?
Vamos lá, o meu amigo tem capacidade para ser mais convincente!... E, em último caso, nós podemos dar uma ajudita. O pessoal do 4R é magnânimo!...
Passe por cá mais vezes e verá como se produz argumentação fundamentada.
Caro Dr. Pinho Cardão
ResponderEliminarNão distingo a realidade da propaganda?
Ai não, não distingo. Até fui votar PS depois de ver o rodapé das TVs...
Caro António Transtagano:
ResponderEliminarA votação é livre e ver televisão também. Felizmente.
Mas propaganda pensaria eu estar destinada aos produtos comerciais. Afinal, também se estende aos produtos políticos. E faz efeito!...
Há muito boa gente que não distingue, meu caro Pinho Cardão, entre política e comércio. O nosso novel comentador Transtagano não distingue. Está no seu direito. E não está sozinho...
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCaro António Transtagano:
ResponderEliminarPermita-me, pela segunda vez, que o comente, reflectindo agora sobre o seu comentário:
“Não distingo a realidade da propaganda?
Ai não, não distingo. Até fui votar no PS depois de ver o rodapé das TVs”
Não precisa de se justificar, vivemos em democracia... A menos que esteja perante um dilema e, nesse caso, este acto de contrição merece a minha melhor compreensão…
;)
Separar a propaganda da política, como a água do azeite, é ir por um caminho de negação da natureza das coisas. É o mesmo que dizer que o comércio justo só se pode fazer sem publicidade.
ResponderEliminarPropaganda e política são inseparáveis. Sem propaganda não há política.
Ao que julgo saber, a propaganda esteve sempre ligada às lutas pelo poder, logo nas primeiras associações humanas, muito antes de se poder falar de qualquer actividade comercial baseada em trocas.
Claro que não ficamos contentes quando o concorrente faz uma campanha publicitária que surte efeito. Mas é um erro reagir dizendo que aquilo é só propaganda, o produto concorrente não presta. Mais avisado será responder com uma melhor promoção do nosso produto. Isto quando temos produto para vender. E o queremos vender!
E parece que não aprendemos nada com a história recentíssima.
A estratégia da propaganda da não propaganda, que só pode vir associada à da soberba: oh pr’a mim, não prometo nada, eu é que sei, eu é que sou sério(a), a verdade esgotou-se depois de eu me servir, não houve para mais ninguém. Esta estratégia, como acabamos de saber, foi um fiasco total.
Aprendamos com os nossos erros.
Ora aqui está, caro Pinho Cardão, uma sugestão para a sua série sobre os mitos: “política e propaganda – como a água e o azeite?”.
Caro SC,
ResponderEliminarO marketing, a publicidade, a propaganda são instrumentos de trabalho úteis, indispensáveis mesmo numa economia em que as pessoas podem optar livremente por diferentes produtos concorrentes...
Em Cuba, como calculará, ou na Coreia do Norte, estes instrumentos são de escassa ou nenhuma utilidade...
Na política também fazem muito jeito pois as pessoas podem optar, nas sociedades democráticase eprsonalistas, por votar em diferentes propostas políticas protagonizadas pelas forças políticas organizadas (vulgo partidos).
A questão começa a complicar-se quando estes instrumentos são utilizados para induzir as pessoas em erro grosseiro - como no caso "sub-judice" - vendendo-lhes mensagens publicitárias completamente falsas...
Parece que não aprendemos ainda com a total mistificação de que milhares de investidores foram vítimas por esse mundo fora, também por cá como bem sabemos, realizando aplicações financeiras em produtos que não tinham nenhuma das características que a publicidade, o marketing, a propaganda lhes associavam...
E continuamos a contemporizar com práticas destas - quando consideramos uma operação bem sucedida enganar as pessoas com falsos slogans ou que tais...
O que acabo de dizer não retira o comentário negativo que já produzi acerca do trabalho do staff de MFL nesta campanha...mas isso é outra questão, bem distinta.