terça-feira, 20 de outubro de 2009

Reflexão e pragmatismo

A propósito da onda de suicídios de trabalhadores numa empresa em França, mas também a propósito de outros graves problemas sociais, como a drástica redução da natalidade ou a crescente exclusão social, vale a pena ler alguns documentos que rejeitam o pragmatismo e as decisões mediáticas e nos obrigam a pensar. É o caso da nova encíclica Caridade na Verdade, que nos confronta com as causas e os efeitos de muitos dos problemas da chamada modernidade e propõe um olhar exigente e por vezes impiedoso sobre os caminhos que nos esperam ou que poderemos talvez evitar.
Sobre os problemas laborais, por exemplo:
A mobilidade laboral, associada à generalizada desregulamentação, constitui um fenómeno importante, não desprovido de aspectos positivos, porque capaz de estimular a produção de nova riqueza e o intercâmbio entre culturas diversas. Todavia, quando se torna endémica a incerteza sobre as condições de trabalho, resultante de processos de mobilidade e desregulamentação, geram-se formas de instabilidade psicológica, com dificuldade para se construírem percursos coerentes na própria vida, incluindo o percurso rumo ao matrimónio. Consequência disto é o aparecimento de situações de degradação humana, além de desperdício de força social. Comparado com o que sucedia na sociedade industrial do passado, hoje, o desemprego provoca aspectos novos de irrelevância económica do indivíduo, e a crise actual apenas pode piorar a situação. A exclusão do trabalho por muito tempo ou a dependência da assistência pública ou privada corroem a liberdade e a criatividade da pessoa e as suas relações familiares e sociais, causando enormes sofrimentos a nível psicológico e espiritual. Queria recordar a todos, especialmente aos governantes que estão empenhados em dar um perfil renovado aos sistemas económicos e sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar é o ser humano, a pessoa, na sua integridade: com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social” (Ponto 25).

7 comentários:

  1. Cara Suzana:
    De facto, o homem tem que ser "o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social”, como muito bem recorda a Encíclica, e não é demais repetir.
    A tecnocracia não basta para gerir as empresas. E muitos gestores continuam a pensar que os colaboradores são apenas e só mais um dado, igual a tantos, que se introduz no computador para simular um resultado.
    As Universidades, mesmo as mais prestigiadas, têm muita culpa no cartório, ao reduzirem os programas a matérias meramente técnicas. Um bom gestor, para além da liderança, tem que abarcar uma multiplicidade de conhecimentos,da história à filosofia e a ética nas relações laborais e nos negócios terá que ser uma das suas principais preocupações.
    Um dos mais importantes e decisivos factores de produtividade é a forma como os colaboradores são tratados. Se são tratados apenas como um custo, é certo que também lhes custará muito trabalhar. Daí a fraca produtividade e o absentismo.
    Fez muito bem o Papa em recordar mais uma vez o assunto. De pouco servirá, no entanto. O capitalismo "mixuruca" não liga a essas coisas. E normalmente lá está o Estado a protegê-lo, em vez de o penalizar.

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  2. Cara Drª Suzana Toscano:
    Para mim, o caminho da "criação de nova riqueza" é que está errado.
    Persegue-se essa "fórmula" desde a Romanização da península, como sendo a única capaz de fazer prosperar as nações, de as fazer inclusivamente prevalecer e preponderar sobre as restantes.
    Está errado o conceito. Não é de criação de riqueza que o nosso país precisa. Precisamos sim de estabilidade, económica, produtiva, laboral. É efectivamente necessário, "construir recursos corentes na vida" e de vida. A figura do matrimónio, foi a "pedra de toque" numa sociedade, num contexto social e político que sofreu modificações no passar dos tempos.
    "Força social", este sim, é o factor de maior importância e para o qual é necessário que se encontre a estabilidade completa, valorizando o intercâmbio de ideias, disolvendo as diferenças e desmontando os protagonismos.
    O desenvolvimento e estabilidade social, não pode estar dependente da criação de riqueza, porque essa é um valor finito e que, quanto mais cresece maior é o risco de numa crise, criar cada vez mais desemprego, originado no emprego que foi necessário criar, quando se desenvolveu.
    Estabilizar, assentar, inventariar recursos e equacionar soluções para aproveitar esses recursos, tendo como meta a estabilidade e não o crescimento. O crescimento é utópico e limitador. Até porque, e sabemos por experiência, que os proveitos da riqueza nunca beneficiam a força que os gerou, pelo contrário, agrava o fosso que os separa e cria instabilidade e pobreza.

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  4. Suzana
    Com efeito a encíclica Caridade na Verdade ajuda-nos a percepcionar os problemas do mundo de hoje e a alinharmos o que é realmente importante.
    Na verdade os problemas laborais de hoje estão muito associados à própria dinâmica do desenvolvimento - inovação, descobertas, reengenharias dos negócios, reestruturações, etc. - na qual está muito ausente a preocupação do bem comum.
    O Papa chama a atenção para o perigo dos fenómenos da "tecnicização" do desenvolvimento e para o risco de o desenvolvimento ser tratado como um processo de reengenharia financeira.
    Lembra que o "desenvolvimento é impossível sem homens rectos, sem operadores económicos e homens políticos que sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum. São necessárias tanto a preparação profissional como a coerência moral." Para depois concluir que se assim não for, o desenvolvimento não será partilhado por toda a população e os seus ganhos serão apropriados pelos proprietários do conhecimento.

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  5. É na verdade uma visão realista das sociedades modernas em que a tendência generalizada parece ser considerar o elemento humano como um simples elo de uma grande engrenagem...
    É urgente reflectir-se sobre tudo isto, encontrarem-se as soluções possíveis, e elas existem, a fim de se alterarem comportamentos e, consequentemente, melhorarem-se as condições de vida das pessoas.

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  6. Caro Paulo:
    Como sabe, a filosofia tem vindo a ser constante e persistentemente desvalorizada nos curricula. E não se aprende filosofia nos tempos livres, até pela simples razão de que já não há Sócrates a passear com um bando de discípulos atrás de si.
    E a história?
    Compete às universidades suprir o mal?
    Talvez não, mas o que é certo é que um bom gestor, para além de conhecimentos técnicos tem que ter cultura humanística.
    E não vejo que, na nossa sociedade, possa ser adquirida nos tempos livres.
    Sans rancune...

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  7. Caro Pinho Cardão,

    Pegue por exemplo num curso a sério:

    http://www.utl.pt/pagina.php?area=156&curso=2008052034

    Você lerá que os meninos já têm uma disciplina de "expressão oral e escrita". Isto meu caro é a realidade -- na universidade (e não é a independente) já é preciso ensinar os meninos a escrever.

    Depois existe uma outra que se chama "Portfólio Pessoal":

    http://www.utl.pt/pagina.php?area=156&curso=2008052034

    Isto é uma disciplina para os meninos e as meninas fazerem qualquer coisa mais nos tempos livres do que namorar ficar especados no twitter, a ver o último arraial de violência do Tarantino no cinema, ou andar a praxar os colegas. Além de namora que é normal.

    E isto é numa Escola -- imagine agora as outras...

    Agora o meu amigo também quer uma disciplina de filosofia. Qual das outras do meu primeiro atalho o meu amigo tira para a tal disciplina?

    No meu ensino pré-universitário registo dois professores, a minha professora primária que me ensinou a ler e escrever e a minha professora de filosofia que me ensinou a pensar. Só isto já deve chegar para o convencer que aprecio filosofia (e se calhar já é suficientemente pedante).

    Mas daí a dizer que os meninos e as meninas tenham uma disciplina de filosofia num curso a sério, a ocupar o espaço de outras que estruturam o seu pensamento, já me parece exagerado.

    Os paizinhos que os eduquem! Que a ética sempre foi a porta de entrada para filosofia, e a ética aprende-se de bibe. Os meninos que leiam uns livros como eu também li (e leio) e o meu amigo também.

    Há uns tempos escrevi aqui que ainda iam pagar para os meninos irem às aulas. A Margarida de Aguiar já nos diz que isso já é verdade.

    Agora o meu amigo quer disciplinas diletantes de filosofia, história... esta sua ideia é a do eduquês. Esse seu modo de pensar tem como consequência que na escola primária em vez de aprenderem a ler, escrever e contar andam com o magalhães... Para quê? Para quando chegarem à universiade terem "expressão oral e escrita". Já não basta a tosquia de bolonha (que eliminou 1 ano de disciplinas) como agora virem com a filosofia...

    Cumprimentos,
    Paulo

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